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Opinião
Sábado - 31 de Janeiro de 2015 às 10:16
Por: Eduardo Mahon

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A recente condução de grafiteiros à delegacia de polícia ocorrida na capital mato-grossense levantou um debate profícuo que vale a pena.

As opiniões dividem-se, basicamente, em duas: pela repressão aos autores das intervenções uma vez que não contavam com autorização prévia do poder público e pela liberação da manifestação artística sem qualquer repercussão judicial.

Dessas duas bandas opinativas, outros subgrupos, a saber: os que acreditam que é necessária a regulamentação, como autorizações, projetos, alvarás – um viés moderado de liberação consentida; os que defendem a intervenção artística, desde que seja “bonita”, aceitável no padrão estético dos próprios analistas.

Essa discussão é semelhante à liberdade de imprensa: liberar a opinião pública sem restrições, regulamentá-la ou simplesmente permitir a censura prévia. Ou se pode noticiar ou não se pode. Não há meio termo para o jornalismo; tampouco para a arte.

É impossível conceituar arte por ela mesma. Deve ser tomada sob o prisma sociológico, antropológico e histórico, além de tantas outras variáveis que podem vir a se somar à análise artística. "A arte é manifestação humana e, como tal, reage às circunstâncias momentâneas, carrega admiração e horror, apoio e crítica, esteticamente é palatável ou reflete as próprias inconformidades sociais"

A arte é manifestação humana e, como tal, reage às circunstâncias momentâneas, carrega admiração e horror, apoio e crítica, esteticamente é palatável ou reflete as próprias inconformidades sociais.

O problema não é conceituar arte. A questão é saber quem pode (e se pode) pautar a discussão e se intitula qualificado para avaliar “o bom”, “o mau”, “o belo” e “o feio”. Entram em questão as percepções individuais que não podem e nem devem pautar o artista.

Este não tem compromisso com a simetria, com a beleza convencional e nem tampouco com a aceitação pública de natureza plebiscitária. É impossível ao poder constituído, por exemplo, convencionar com artistas que pintem um determinado tema, com uma determinada cor. Isso é decoração, mas não é arte.

O que aconteceu em Cuiabá é paradigmático, sob muitos aspectos. Primeiro, uma manifestação artística espontânea que ainda é considerada marginal e prossegue sendo rechaçada pela autoridade pública, além de ser vista com reservas pela própria sociedade; o movimento cultural ativo solidarizou-se com os artistas surpreendidos pela polícia, promovendo o enfrentamento público do debate e das eventuais consequências jurídicas do evento; as autoridades foram obrigadas a reconhecer a validade, a legitimidade, o conteúdo e a conveniência do grafite como manifestação cultural contemporânea.

No entanto, o que mais incomoda a todos os artistas são as avaliações “do belo” e “do feio”. Vários comentaristas vieram a público condicionando a arte: é bem-vinda “desde que”. Essa condicionante é insuportável ao artista.

Há quem não saiba. Mas o grafite não nasceu numa tela convencional. Ele foi criado da espontaneidade das ruas. Sendo bem claro: das intervenções artísticas urbanas “não autorizadas”. Se os grafiteiros fossem cadastrados e tivessem os muros públicos mapeados, loteados, regulamentados, não seria grafite com toda a espontaneidade que essa manifestação carrega.

Não convém, nessa altura da civilização, determo-nos em questões primárias: isso é arte?; aquilo é grafite; isto é pichação; não gostei da frase; concordo; discordo, entre outras colocações absolutamente vazias de significado. O fato é que o grafite é uma manifestação urbana revitalizadora, provocadora, não convencional.

Essa expressão nasceu e cresceu pelo mundo no caos urbano, enfrentando a dureza do cimento com irreverência. Ao passar por ele, é impossível não apresentar reação, um sentimento genuíno da sociedade, seja qual for. Mais: não cabe “moldura” no grafite e nos grafiteiros, seja quantas e quais molduras estejamos entendendo.

Nada impede que os poderes públicos abracem os grafiteiros. E financiem a atividade. Aliás, frente à verdadeira brutalidade ocorrida nas obras públicas, tudo recomenda a arte. O que não pode acontecer é confundi-los com vândalos.

A pior depredação ao patrimônio público é o desvio de verba em esquemas organizados de corrupção, lavagem de dinheiro, sonegação fiscal e formação de quadrilha.

Os grafiteiros estão reagindo, a sociedade vê no grafite essa reação tatuada no sentimento autêntico de frustração e de indignação.

Se isso não for arte, o que será?



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