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Opinião
Segunda - 01 de Março de 2021 às 11:46
Por: Gonçalo Antunes de Barros Neto

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Desculpem-me errar Descartes, mas boa parte dos homens e mulheres públicos pensa ter adquirido a grandeza dos grandes. A lógica é interessante. A posição de destaque lhes dá a sensação de superioridade, esquecendo-se atores de um modesto picadeiro, pueril e intrigante, efêmero e pífio; que faz da ilusão, verdade, da modéstia, humildade.

Encenam esses megalomaníacos dramas e caricatas comédias, divindades amadas por um Calígula moderno, expectador atento, adorador cruel e extravagante da miséria intelectual. Às vezes ébrios de alucinações, entorpecidos pelo narcisismo que lhes dá vida e destaque. Aliás, já assistiram a um julgamento colegiado? O grande, para sobreviver, se faz pequeno; a mediocridade de uns e seus brados o faz optar pela paciência. É inevitável. Qualquer tentativa de apartear será alcunhado de atrapalhar os trabalhos, mostrar erudição e professar conhecimento. Em retórica, um dos míseros: estou com a palavra. Eis a mágica que se reveste de autoridade para afastar o debate. Não lhe é permitido as frustrações. Afinal, ilusão é verdade; encenação, realidade; independência, fantasia.

Julgar está, hoje, e em qualquer sentido que não só o técnico, mais próximo da matemática do que de sentença. Etapa do conhecimento empírico, sentença vem de sentir, e só sente quem tem o hábito e a coragem de auscultar

Que saudades do ócio. Não aquele que castiga uns para favorecer luxentos preguiçosos. Mas o elogiado por Bertland Russell – ‘O hábito de buscar-se mais prazer no pensamento do que na ação constitui uma salvaguarda contra a imprudência e contra a paixão pelo poder, um modo de preservar a serenidade diante do infortúnio e a paz de espírito em meio à aflição’.

Julgar está, hoje, e em qualquer sentido que não só o técnico, mais próximo da matemática do que de sentença. Etapa do conhecimento empírico, sentença vem de sentir, e só sente quem tem o hábito e a coragem de auscultar. Senão, não; sem mais.

O que está por trás disso tudo? O famigerado conhecimento útil. Traz ‘grandeza’, ainda que passageira, ou pelo menos sua mania. Conhece-se para a técnica, dominá-la, vencer pelas vaidades. Tal concepção utilitarista do conhecimento, e a academia enforca-se nisso, ignora o fato da premente necessidade de os indivíduos serem treinados em suas qualificações no mesmo patamar de seus propósitos. A utilidade para o dia a dia do conhecimento, se esse for o caminho, deve ter relação direta e proporcional com a formação humanística do sujeito cognoscente. O homem e a mulher públicos têm má formação humana. O utilitarismo de agora faz com que líderes intempestivos se arvorem em protagonistas de um momento que não é o dele. São os falsos profetas, propagadores do “welfarestate” às avessas.

A mania de superioridade, portanto, de duvidosa grandeza, está quase sempre relacionada com o conhecimento útil, voltado somente para o mercado e suas necessidades. Detalhe esquecido na selva de fórmulas e equações, a pessoa se torna máquina, objeto; o contrário do ser, do estar, do compartilhar. Sua essência e aparência se confundem. Nada mais sobra. Do picadeiro pueril e de hálito modesto, se sonha acordado, se liberta, acorrentado, e se queda, amordaçado.

Dias atrás me surpreendi lendo algo sobre Dona Doninha do Tanque Novo, de Poconé. Enfrentou coronéis. Formou um exército de fiéis e decidiu destinos. Dizem que ressuscitou a muitos pela devoção à santa ‘Jesus Maria José’. Dela já esquecemos. De que vale conhecer os feitos dessa devota, se devotos somos da cana, da soja, do algodão, do arroz e dos semoventes? Que destino nos reserva a lógica da matéria a unir consciências?

O utilitarismo faz acorrentados sem consciência das próprias amarras. Um dia os vermes vomitarão; a indigestão até neles fará pecadilhos.

É por aí...

GONÇALO ANTUNES DE BARROS NETO tem graduação em Filosofia e Direito.



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