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Sexta - 01 de Agosto de 2008 às 10:00

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Um aliciador de mão-de-obra, mais conhecido como “gato”, Raimundo Souza Pinto, contou, em depoimento ao Ministério Público do Trabalho (MPT), detalhes de como funciona o aliciamento de trabalhadores. Ele também disse ao MPT que usava o hotel Mato Grosso, localizado no município de Sapezal (MT), do qual é proprietário, para alojar trabalhadores que são postos a disposição de fazendeiros da região para os serviços de lavoura.

Após denúncia feita por um trabalhador, Raimundo Pinto foi intimado a comparecer ao MPT. Segundo o trabalhador, natural do Estado de Alagoas, ao cobrar do empresário o pagamento pelos serviços prestados na fazenda Milani, foi agredido verbalmente e, ao reagir, sofreu agressões físicas defendendo-se com uma faca pequena que levava no bolso. Após o ocorrido, o dono do hotel chamou a polícia que levou o trabalhador até a delegacia, onde ficou preso por três dias.

Ao ser liberado, o trabalhador seguiu para Cuiabá (MT), com o auxílio da Pastoral do Migrante, entidade que apóia e assiste trabalhadores em trânsito. O rapaz foi conduzido até o MPT para formalizar a denúncia. O trabalhador foi ouvido no dia 28, onde confirmou as denúncias na presença do dono do hotel e do contabilista da fazenda Milani.

Ao ouvir o depoimento de Raimundo Souza Pinto, o procurador-chefe da Procuradoria Regional do Trabalho da 23ª Região (PRT-23/MT), José Pedro dos Reis, constatou que na verdade, Raimundo Pinto utiliza-se da fachada de dono de hotel para arregimentar mão-de-obra para o trabalho em fazendas da região. Como os trabalhadores ficam alojados em hotel de sua propriedade, o aliciador acaba recebendo dos donos das propriedades e dos trabalhadores. "Essas práticas são características do trabalho escravo", destacou José Pedro dos Reis.

De acordo com o depoimento do trabalhador, as condições de trabalho nas fazendas são precárias. Ele alega que além dele, outros seis colegas de trabalho dormiam em camas feitas de varas instaladas sob os barracos de lona, as necessidades fisiológicas eram feitas no chão, bebiam água de um córrego e a comida era fornecida pelo “gato” uma vez por semana.

Ainda segundo denúncia do trabalhador, seu último emprego foi na fazenda Milani, de propriedade de Amarildo Milani. Ele relatou ao procurador que o proprietário da fazenda, ao ser procurado para pagar a dívida trabalhista, negou o vínculo empregatício, afirmando que o acerto de contas tinha de ser feito com o Raimundo Pinto (gato) e não com a fazenda.

José Pedro dos Reis explica que "essa alegação do fazendeiro somente reforça a existência da atividade do chamado “gato”, figura comum nessa situação de trabalho análogo à de escravo". "Isso prova que as contratações não eram feitas diretamente pelo tomador do serviço que é o fazendeiro, e sim, pelo intermediador de mão-de-obra, o que é característico nesse tipo de crime", acrescentou o procurador-chefe da PRT-23.

Na audiência o trabalhador recebeu R$ 1,5 mil referentes à diferença do pagamento pelos serviços prestados ao fazendeiro. Além disso, ele também teve sua carteira de trabalho anotada e assinada.

Além do procurador-chefe do MPT em Mato Grosso, José Pedro dos Reis, também estiveram presentes na audiência um auditor fiscal do Trabalho, um representante da Pastoral do Migrante, o contador da fazenda, Luiz Humberto dos Santos e o aliciador de trabalhadores, Raimundo Souza Pinto. Após a audiência, o caso foi encaminhado ao Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado (GAECO) do Ministério Público Estadual (MPE) para apurar a responsabilidade criminal do aliciador e do fazendeiro.

Luiz Humberto dos Santos (contador da fazenda) e Raimundo Pinto (gato) foram ouvidos no GAECO por um promotor criminal. Após a audiência os dois assinaram a um termo e foram liberados. De acordo com o promotor, o gato vai responder a inquérito por arregimentar mão-de-obra para ser submetida à condição análoga a de escravos, prática considerada criminosa com tipificação no Código Penal (artigos 149, 203 e 207).

Código Penal

Os artigos 149, 203 e 207 do Código Penal dispõem que "aliciar trabalhadores, com fim de levá-los de uma localidade para outra; frustrar mediante fraude ou violência, direito assegurado pela legislação trabalhista, bem como reduzir alguém a condição análoga a de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornadas exaustivas, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto", caracterizam o crime e "quem pratica pode sim ficar preso com penas que variam de um a oito anos de reclusão, pagamento de multa, sem falar do agravante se a vítima for menor de idade ou idosa".

“Essas características são claras e não há como admitir mais que pessoas utilizem-se dessas práticas para obter lucro sem terem responsabilidade civil, criminal ou trabalhista, achando que tudo isso é normal”, afirmou José Pedro dos Reis.

O procurador ainda lembra que "o MPT vem, a muitos anos, promovendo cursos, seminários, campanhas publicitárias, entrevistas em todos os meios de comunicação falando sobre esse problema, esclarecendo, tirando dúvidas, ensinando o que é certo e o que está errado, dizendo que esse tipo de conduta é criminosa, distribuindo panfletos, folders e cartilhas. Enfim, utilizando todas as formas e meios para esclarecer a sociedade como um todo, visando contribuir para a erradicação do trabalho escravo em Mato Grosso" "Mas nota-se que ainda existem pessoas que teimam em permanecer “fora-da-lei” maltratando pessoas com a maior normalidade, como se isso não fosse crime", salientou.

De acordo com o José Pedro dos Reis, o aliciador de trabalhadores e o dono da fazenda ainda vão responder a uma Ação Civil Pública (ACP) na Justiça do Trabalho para repararem o dano moral causado à sociedade, podendo ser condenados a pagar indenização por dano moral coletivo.





Fonte: 24 Horas News

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