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Politica Brasil
Terça - 02 de Março de 2004 às 20:17
Por: Vitor Gomes Pinto

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Hugo Chávez Frías acha que pode anular mais de um milhão de assinaturas criteriosamente coletadas pela segunda vez (o “reafirmazo”) pela oposição em fins de novembro último para impedir a realização de um referendo destinado a revogar-lhe o mandato. A situação é explosiva pois esta é considerada como a chance derradeira de dar uma saída legal à crise política num país acostumado à violência. A administração chavista, iniciada em fevereiro de 99, tem sido um desastre, mas a Constituição por ele mesmo reformulada lhe dá a possibilidade de reinar até 2012, quando terá 57 anos de idade.

O demorado processo de análise das assinaturas, a cargo do Conselho Nacional Eleitoral (CNE), afundou-se em minúcias técnicas. A lei, também formulada por Chávez, exige 2,4 milhões de assinaturas antes de completar-se a metade de seu mandato para provocar o plebiscito. Numa das maiores jornadas cívicas já vistas no país foram coletadas 3,4 milhões. De imediato o presidente acusou a oposição de uma megafraude e deixou claro que nunca vai aceitar um julgamento público que provocaria nova eleição. No momento 2,2 milhões de cédulas foram consideradas válidas, ficando as demais sob suspeita porque os espaços de dados pessoais dos votantes estariam preenchidos com caligrafia parecida.

É uma mudança na regra do jogo, ilegal e um disparate jurídico, pois o procedimento não está previsto nas normas de análise das planilhas, acusa Carlos Delgado Chapellín, integrante do Conselho de Participação Política nacional e ex-presidente do CNE. O que vale é o nome, a assinatura e a impressão digital de cada votante e estes são claros. Os espaços com nome e endereço podiam ser preenchidos pelo votante ou pelos mesários. O CNE tem cinco membros. Dois pró-governo (Jorge Rodrigues e Oscar Battaglini) e dois contrários (Ezequiel Zamora e Sobella Mejías).

A decisão de colocar em observação 1,2 milhão de firmas foi tomada em absoluto sigilo por 3 votos a 2, graças ao apoio do presidente Francisco Carrasquero que é o fiel da balança e cada vez mais é acusado de fazer parte do esquema chavista. Observadores da Missão Carter e da OEA cautelosamente concordaram com as novas preocupações do CNE mas exigem respostas que agora podem depender da convocação dos votantes em suspeita para que digam uma vez mais se de fato as assinaturas são suas.

Enquanto isto o populismo corre solto. Com o dinheiro do petróleo (o preço do barril subiu para 28 dólares graças à decisão da OPEP em reduzir a oferta mundial), Chávez trouxe médicos e professores cubanos lançando-os nas favelas que circundam Caracas e outras grandes cidades nos programas “Barrio Adentro” que dá atendimento de saúde e “Plano Robinson” que visa alfabetizar um milhão de venezuelanos, mas ambas iniciativas devem ser de curta duração pois não constam no orçamento federal para o ano seguinte. A concessão de bônus fez aumentar significativamente o salário de funcionários e militares.

O governo prevê que estas medidas beneficiariam a curto prazo 3 milhões de pessoas, o número necessário para votar em Chávez (ou abster-se) caso novas eleições se tornem inevitáveis. Foi neste clima de incertezas que o G-15 reuniu-se em Caracas nos últimos dias de fevereiro, tentando voltar à tona no concerto internacional. Formado em 1989 na Cúpula dos Não-Alinhados de Belgrado (hoje tem 19 países integrantes) com o pomposo título de “Grupo de Alto Nível para Consulta e Cooperação Sul-Sul”, pretende ser uma alternativa ao processo de globalização e ao domínio das nações mais industrializadas.

Apesar da pauta ambiciosa que incluiu a discussão de temas como energia e desenvolvimento, fortalecimento e relançamento do próprio Grupo (que tem uma difusa base ideológica e práticas de governo pouco compatíveis entre si) e o sistema multilateral de comércio, tem poucas chances de sucesso como desde logo ficou demonstrado pela presença de apenas sete chefes de governo: Néstor Kirchner da Argentina, Álvaro Uribe da Colômbia, Percival Patterson da Jamaica, Robert Mugabe do Zimbábue, Mohamed Jatami do Iran e o brasileiro Lula da Silva, além do anfitrião A presidente do Sri Lanka e o da Indonésia escusaram-se por estarem em período eleitoral; líderes do Egito, Quênia, Nigéria e Senegal preferiram assistir à Cúpula Extraordinária da União Africana.

Argélia, Chile, Índia, Indonésia, Malásia e México enviaram ministros de estado. O fracasso do encontro, facilmente antevisto, confirmou-se pela falta de uma base de interesses comuns, pelo sofreguidão de Chávez em usar seus visitantes como escudo contra seus opositores internos e pela repressão violenta da polícia ao movimento comandado pela “Coordinadora Democrática” que tem como líder o governador do estado de Miranda, Enrique Mendoza.

A proibição de acesso à Praça Moreles onde, no suntuoso teatro Teresa Carreño se reunia o G-15 (menos para os partidários do governo que puderam passar para gritar vivas ao seu chefe), deu motivo para uma verdadeira batalha em seus arredores na tarde da 6a. feira dia 27. As seguidas arremetidas da multidão desarmada eram contidas pela tropa à custa de bombas de gás lacrimogêneo e à força dos cassetetes.

Ao final: dois mortos e 50 feridos. Enquanto o presidente brasileiro, num reconhecimento de que sua presença em Caracas constitui-se num erro em momento tão delicado, decidia retornar 24 horas antes do previsto, o argentino Néstor Kirchner não só permaneceu até o fim como encontrou uma brecha para reunir-se com Mendoza aproveitando a oportunidade para exercer uma ação diplomática que certamente lhe trará vantagens reais no futuro imediato.

Anular, sem razões concretas, cerca de um terço das assinaturas contra si, é uma megafraude que colocará lenha na fogueira venezuelana, ampliando a crise de governabilidade para Chávez e sua República Bolivariana.

*Vitor Gomes Pinto - Analista internacional, escritor e Autor de “Guerra nos Andes”. Vitor.gp@persocom.com.br




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