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Sexta - 24 de Junho de 2016 às 12:33
Por: Isabela Mercuri - Olhar Direto

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Foto: Olhar Conceito

Debatedores se reuniram na noite de quinta (23) na UFMT

Debatedores se reuniram na noite de quinta (23) na UFMT

O Teatro da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) recebeu na noite da última quinta-feira (23) um debate sobre a cultura do estupro. Com a presença de membros da segurança pública, do judiciário e de estudiosos da universidade, a mesa sentiu a falta do Governo do Estado e da Assembleia Legislativa para fazer o contraponto.

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Sob a organização do maestro e pró-reitor de Cultura, Extensão e Vivência (Procev), Fabrício Carvalho, e pela professora, pesquisadora do Núcleo Interinstitucional de Estudo da Violência e da Cidadania (NIEVCI) e coordenadora de Extensão da universidade Vera Bertolini, o debate não lotou a plateia, mas trouxe constatações importantes para os presentes.

Cultura, segundo Imar Domingos Queiroz, mediadora da conversa, é algo que foi criado e que, portanto, pode ser modificado. Assim é a ideia patriarcal de que o estupro é sempre duvidoso, de que a vítima é, na verdade, algoz. “Se é cultural criamos. Se criamos, podemos mudar”, afirmou.

A primeira pessoa a se manifestar foi Rosana Leite. Apresentando dados estatísticos, a defensora pública e presidente do Conselho Estadual de Direitos da Mulher mostrou que 92% das mulheres de Mato Grosso já sofreram algum tipo de assédio. Isso, segundo ela, é naturalizado pelo patriarcado há milhares de anos, e que mesmo atualmente quase nada mudou.

“Até 2002 estava no código civil que era dever de coabitação a mulher manter relações sexuais com o marido, mesmo que não quisesse. Em 2002 isso foi mudado, e depois, com a Lei Maria da Penha, se tornou crime”, contou.

Pensando de forma prática, Rosana lembrou que o Instituto Médico Legal (IML) está passando por uma reforma, e afirmou que esse seria o momento certo para a criação de uma sala de atendimento específico a vítimas de assédio sexual. “Essas mulheres precisam de um tratamento diferente, elas não podem ser revitimizadas”. Segundo a defensora, isso seria uma forma de amenizar a subnotificação do estupro (só 10% dos casos são denunciados).

Josi Crivelato, delegada da delegacia especializada de defesa da mulher, levou outros dados sobre a subnotificação, mas fez uma provocação ao perguntar para a plateia o que cada um fazia para acabar com a cultura do estupro. “A gente imagina que quem mantém essa cultura são os agressores, os estupradores. Mas o que fazemos quando recebemos uma piada machista no Whatsapp? A gente ri ou fala que aquilo é errado? E quando vemos alguma amiga sendo assediada na rua? A gente oferece ajuda, diz que vai ser testemunha na delegacia, ou prefere não se envolver?”

O juiz da Vara Especializada de Violência Contra a Mulher, Jeferson Quintero, recorreu à Bíblia para relembrar que o importante era promover uma ‘cultura do amor’, educando melhor os filhos. Durante as perguntas do público, o juiz foi criticado por simplificar o problema. “O amor e o ódio são inerentes ao ser humano, mais importante do que educar pra uma cultura do amor seria investir em políticas públicas”, indagou uma das mulheres da plateia.

A promotora de Justiça de Mato Grosso Lindinalva Rodrigues trouxe uma crítica veemente ao sistema judiciário, e foi aplaudida. “Temos um preconceito dos operadores jurídicos para com as mulheres desde o atendimento na delegacia até os desembargadores. (...) Temos pessoas que olham para as mulheres, mas não as vêem. (...) Por isso, hoje é muito difícil conseguir justiça para mulheres adultas vítimas da violência sexual”.

Respondendo a uma pergunta da plateia sobre como mudar essa realidade, Lindinalva afirmou que não se pode continuar “falando pra nós mesmos”. Segundo a promotora, os machistas que trabalham dentro do sistema “só tem medo de imprensa e dos movimentos sociais” e daí que sairia a mudança.

Uma das coordenadoras do evento, a professora Vera Bertolini, trouxe para o debate a falta de indignação da população com o crime de estupro. Apresentando dados, mostrou que Mato Grosso está em quarto lugar no ranking nacional de crime sexual, com 40,3 casos a cada mil pessoas (a média nacional é de 23,5/mil). Enquanto isso, na taxa de homicídio, a média é de 33 casos/mil (contra 29,1/mil da média nacional).

“E nós nos indignamos muito mais com isso (...) Somos mais estupradas do que a população é morta e a justiça ignora esses casos. Existe um descaso com essa questão”, afirmou.

O professor Danie Marcelo de Jesus mostrou os vídeos publicados na internet dos ‘encoxadores do Metrô’, mostrando como isso é naturalizado e até mesmo fetichizado. Chamando a responsabilidade também para a Universidade, perguntou como os professores estão educando seus alunos, e afirmou a necessidade de se discutir isso dentro do curso, já que diversas alunas sofrem violência simbólica diariamente.

“Precisamos também falar sobre os estupros entre gays e mulheres lésbicas, que muitas vezes são colocadas pela família em situações de vulnerabilidade para ‘virar mulher’. Assim como as transexuais e travestis”, lembrou.

Por fim, a professora Silvana Bittencourt, do Instituto de Ciências Humanas e Sociais (ICHS), pediu mais humanização no tratamento que as mulheres recebem no judiciário, pois percebe que “mesmo os 40 anos de produção acadêmica feminista não deram conta da mudança. É preciso aliar a teoria à prática. (...) Nós, educadores, nos sentimos impotentes”, disse.

*Foram convidados para o debate o Secretário Valdemir Arruda (SETAS), que não pode comparecer e indicou uma assessoria, que também não foi. Também foi convidado o presidente da Assembleia Legislativa, Guilherme Maluf, que indicou a Deputada Janaína Riva. Ela afirmou que estava com caxumba. 





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