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Opinião
Quarta - 21 de Abril de 2021 às 10:04
Por: Michelle Leite de Barros

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Ângela Diniz foi uma socialite brasileira assassinada em 1976 pelo seu companheiro Doca Street. O casal estava passando uma temporada na casa que Ângela possuía na Praia dos Ossos, em Búzios, quando por conta de uma discussão, Doca atirou quatro vezes na companheira e fugiu.

O crime foi amplamente divulgado pela mídia, mas o que mais nos choca até hoje é o fato da sociedade na época culpar Ângela pela sua morte. Por ser uma mulher extremamente linda, sedutora e namoradeira, ela chamava atenção por onde passava, assim provocando ciúme e inveja nas pessoas. Em entrevista nas ruas à época do crime, muitos e muitas falaram que o problema era como Ângela se vestia, o fato dela fazer top less, julgando que ela era “muito para frente”, nas palavras dos entrevistados e entrevistadas (recomendo ouvir o Podcast “Praia dos Ossos”, lançado em 2020 pela Rádio Novelo).

O mais aterrorizante foi o primeiro julgamento de Doca Street. As pessoas diziam que ele havia matado por amor e a defesa seguiu alegando que a culpa era da vítima pelo fato dela ter beleza e sensualidade. Dessa forma, a tese do advogado foi a da legítima defesa da honra, esta que nunca esteve tipificada no Código Penal Brasileiro.

Durante todo o julgamento, o que foi questionado era a moralidade sexual da vítima. Sim, colocaram Ângela Diniz como vilã da história que tirou sua vida.

O Tribunal do Júri condenou Doca a uma pena de dezoito meses pelo crime, com direito a sursis. Por já ter cumprido um terço preso, foi liberado.

O mais aterrorizante foi o primeiro julgamento de Doca Street. As pessoas diziam que ele havia matado por amor

Tal fato causou enorme revolta nos Movimentos Feministas. Devido à pressão desses movimentos, Doca foi levado a um segundo julgamento. Nesse, as feministas foram decisivas. Mulheres acamparam com faixas e cartazes em frente ao Tribunal de Cabo Frio – “sem condenação, mais mulheres morrerão”.

O delegado de Cabo Frio aprovou o movimento das feministas e ainda ofereceu uma casa de apoio.

No segundo julgamento, o assassino de Ângela foi condenado a quinze anos de reclusão por homicídio qualificado. A condenação de Doca Street foi considerada uma conquista do Movimento Feminista.

Vale lembrar que Doca tinha fã clube e seu advogado, no primeiro julgamento, chamou Ângela de prostituta de alto luxo e pantera que arranhava com suas garras os corações dos homens.

Na década de 70 uma mulher foi morta por ser quem era e grande parte da população foi a favor do assassino. Isso não acabou. Abrimos todos os dias jornais e encontramos notícias de feminicídio. E ainda há pessoas defendendo homens e mulheres nitidamente machistas. Se você ainda não percebeu que o machismo mata, eu não sei mais como te dizer. Não é piada, não é engraçadinho, não é brincadeira, não é “mi mi mi”.

Ângela Diniz foi julgada junto com Doca, pois ela não podia ser uma mulher livre, linda, sensual e que gostava de flertar. Para não ser morta, ela deveria seguir à risca as regras que a sociedade impõe: mulher recatada e do lar. Você aceita essas regras ou prefere ter a liberdade de ser quem quiser?

Michelle Leite de Barros é advogada e servidora pública municipal.



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