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Saúde
Sábado - 03 de Julho de 2010 às 06:14
Por: Lília Teles/de Goiânia

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A lua ainda está alta na noite de Goiânia. Às 3h30, a cidade está dormindo. E o motorista de ônibus João Tibúrcio da Silva já está pronto para ir trabalhar. Ele se junta a muitos outros colegas no carro da empresa.

O ônibus recolhe funcionários durante a madrugada, em vários pontos da cidade. O problema é que, para conseguir pegar todo mundo sem atrasar ninguém, o serviço de transporte começa muito cedo.

O motorista de ônibus João Tibúrcio da Silva trabalha na madrugada há 15 anos, mas a sua vida só melhorou, quando a empresa resolveu criar o Espaço Soneca.

Na sala climatizada, escurinha e silenciosa, as camas estão cheias. Os motoristas tentam complementar o sono interrompido durante a madrugada. Aos poucos, eles vão se levantando, mais refeitos para enfrentar o dia puxado que têm pela frente. “Esse pouquinho que a gente dorme aqui ajuda muito”, afirma o motorista de ônibus Fernando Carvalho.

Quarenta minutos depois, Tibúrcio acorda. “Tem um determinado horário no trânsito em que o sono bate. Entre 6h e 8h que é um horário em que você tem que estar muito atento parece que é quando o sono te aperta mais. Então, isso ajudou bastante”, declara.

O dia amanhece e encontra outra turma já de olho nas máquinas. A produção de biscoitos em uma indústria acontece em tempo integral e exige muita atenção.

Maria Criseide e Jordina Ribeiro operam máquinas a partir de 6h e, para isso, levantam bem cedo. Nas duas horas de almoço, primeiro, elas comem no refeitório lotado. Mas a ideia é gastar a maior parte desse tempo livre em um cantinho especial, batizado de Durmódromo. É o espaço preferido da maioria.

O hábito da sesta é herança da cultura européia. A tela “A Sesta” Van Gogh, de 1890, retratou e imortalizou o costume de fazer a digestão em repouso. No Brasil, esse já foi um hábito confundido com preguiça. Mas agora começa a ser resgatado.

A sesta está longe de ser apenas um passatempo. Na verdade, todas as pessoas no Durmódromo estão atendendo a uma exigência do organismo, porque existe uma explicação científica para esse cochilo depois do almoço. Durante a digestão, o sistema digestivo libera algumas substâncias que provocam sono. Além disso, independentemente de ter comido ou não, por volta do meio do dia, a temperatura corporal cai, o que também causa sonolência. E muitas empresas já entendem isso.

Quem alerta o cérebro para a hora do sono é um hormônio chamado melatonina, produzido pela glândula pineal. Durante o dia, a produção de melatonina é suprimida pela luz, seja ela qual for. Já a escuridão da noite libera o hormônio, e o corpo começa a se desligar para o repouso.

“Se o individuo não está deitado dormindo, a partir da madrugada, por exemplo, diversos hormônios não serão mais produzidos de maneira conveniente. Não haverá aquela restauração que o sono produz, e isso pode repercutir na saúde global do individuo, explica o neurologista Nonato Rodrigues.

Quem não obedece a essa ordem natural, precisa fazer ajustes durante o dia, como a sesta. Não é que esse cochilo de meia hora faz essa turma acordar cheia de energia? “Ajuda bem mais eu estar descansada, recuperada. Então, é bem melhor e bem mais produtivo”, destaca a maquinista Jordina Ribeiro.

A operadora de máquinas Maria Criseide diz que a sesta faz bem para a saúde. Ela leva até lençol para a empresa e usa a bolsa como travesseiro.

O almoxarife Santos Malveste dorme como se estivesse em casa e quase perde a hora. A sesta, na família dele, é herança passada de pai para filho. “Meu pai que era descendente de italiano acabava de almoçar, se enfiava debaixo de um pé de café e já dava aquele cochilo”, revela.

E olha que a sesta nem precisa ser muito longa. “Essa soneca depois do almoço não deve exceder os 15, 20 minutos, meia hora no máximo, porque se torna mais difícil de acordar, e o individuo pode, quando acordar, sentir uma sensação subjetiva de cansaço, até de mau humor. Então, quanto mais curta, ela é melhor”, afirma o neurologista Nonato Rodrigues.

Mas e quando a necessidade de ganhar dinheiro é maior do que a precisão do descanso? É o caso dos motoristas de táxi. Eles vivem um dilema, entre dar uma parada no meio do dia e descansar ou continuar trabalhando, mesmo cansados, por causa das dívidas que têm para pagar. Alguns deles nem pensam duas vezes e preferem dar uma cochilada.

Às 5h, o taxista Rogério Moraes conta que, logo depois do almoço, a sesta é sagrada, mesmo que não tenha conseguido fazer boas corridas. “Eu acho que é muito mais importante a soneca, porque o dinheiro é importante, mas quantas vezes eu vou para casa sem esse dinheiro? Agora, também não vou colocar minha saúde em jogo, eu não consigo fazer isso”, diz. Rogério revela que já cochilou ao volante.

Sob o cenário de cartão postal, o taxista Ronaldo Dutra tira o seu cochilo depois da refeição. “Chega uma hora em que você tem que parar mesmo. Tem uma hora em que você vê duas estradas, você vê duas calçadas. Então, não dá para insistir. É perigoso”, comenta.

“Uma das primeiras coisas que o sono desliga é a atenção. Logo depois, a memória. Então, são duas qualidades fundamentais para quem opera a máquina, qualquer que seja”, aponta o neurologista Nonato Rodrigues.

Essa é uma sabedoria que o almoxarife Santos Malveste se orgulha de ter adotado há muito tempo. “Nos meus 70 anos, eu acho que tenho uns 50 de tirar cochilo depois do almoço”, afirma. Ele aposta que a sesta garantiu a saúde dele e afirma que está inteiro aos 71 anos.






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