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Politica Brasil
Domingo - 04 de Abril de 2004 às 18:17
Por: Vitor Gomes Pinto

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Depois da "satanização" dos muçulmanos, tornando-os suspeitos de serem uma raça de potenciais Bin Ladens, começa a ganhar corpo nos Estados Unidos um movimento de crescente rejeição aos latino-americanos que lá vivem. Ao final do ano passado, cerca de 12% da população norte-americana (34,5 milhões de pessoas, das quais 9,5 milhões ilegais) era constituída por estrangeiros. A cada ano 1,6 milhão de imigrantes entra no país: 1 milhão é de latino-americanos e 400 mil de asiáticos segundo o Census Bureau, o IBGE de lá. Os imigrantes já respondem pela metade do crescimento demográfico anual dos EUA e a guerra entre brancos e negros ameaça dar lugar a um novo conflito, onde os adversários falam espanhol e, alguns, português.

É o que diz o influente especialista em relações internacionais de Harvard, o professor Samuel Huntington, de 76 anos, em seu artigo "O desafio hispânico" agora publicado na revista Foreign Policy (Política Externa, da qual é um dos diretores) de março/abril que antecipa seu novo livro com lançamento previsto para maio com o título "Quem somos? Desafios à identidade americana.". Essa identidade, formada nos séculos 17 e 18, era essencialmente branca, britânica e protestante.

No século seguinte vieram alemães, irlandeses e escandinavos e depois da 2a. Guerra Mundial europeus do sul e do leste, fazendo com que o elemento racial perdesse força e os americanos passassem a se considerar cristãos e uma sociedade multiétnica. A identidade nacional então começou a ser definida com base na cultura e no credo, tendo como elementos nucleares o idioma inglês, o império da lei e o compromisso religioso. Caso os EUA tivessem sido colonizados por franceses, espanhóis ou católicos portugueses seriam o país de hoje?, pergunta Huntington para responder cruamente: "Não! Seriam Quebec, o México ou o Brasil".

Considera que a maior e mais específica ameaça para seu país vem da imensa e contínua onda de migrantes da América Latina, principalmente do México, com seus níveis de fertilidade muito acima dos padrões de brancos e negros norte-americanos. Uma vez que, na sua opinião, os latinos não se integram e formam enclaves raciais (especialmente em Miami onde se concentram os cubanos, no sul da Califórnia tomado pelos mexicanos, em Nova York preferida por dominicanos e porto-riquenhos) que conservam os costumes originais, os EUA poderão em breve transformar-se em uma nação com duas culturas e dois idiomas.

Os latinos só poderão participar do sonho americano quando sonharem em inglês, vocifera o velho professor. Revolta-se contra os democratas que transmitiram o lançamento da candidatura de John Kerry simultaneamente em inglês e espanhol, critica o Texas e a Califórnia onde estão nascendo mais Josés do que Michaels e se espanta com Vicente Fox, do "país pobre vizinho", que se autodescreve como presidente de 123 milhões de mexicanos, 100 no México e 23 nos Estados Unidos.

Huntington tornou-se famoso e foi alvo de uma impressionante avalanche de críticas em todo o mundo por seu livro "O choque das civilizações e a recomposição da ordem mundial", lançado em 1997 no Brasil, onde afirma que a principal fonte de confronto está na esfera cultural e não na ideológica ou política. Os conflitos mais perigosos, previu, devem ocorrer na linha de fratura entre civilizações (três principais: ocidental, chinesa e muçulmana, além de outras quatro ou cinco: hindu, japonesa, eslava ortodoxa, latino-americana e talvez a africana), não mais entre ricos e pobres e sim entre povos pertencentes a diferentes blocos culturais. Uma pessoa pode ser metade francesa e metade árabe, mas é mais difícil que seja metade católica e metade muçulmana.

Para alguns, Huntington é o teórico que previu o 11 de setembro de 2001 ou que pelo menos avisou os EUA do que ocorreria. Suas idéias sobre o papel positivo de governos militares em países em desenvolvimento ganharam prestígio entre líderes como Roberto Campos nos tempos da ditadura militar brasileira. Agora, uma nova onda de intolerância e discriminação poderá alcançar os brasileiros residentes nos EUA (pelo menos 1 milhão segundo o Itamarati, a maioria em N. York, Boston e na Flórida), na prática identificados como "latinos".

Generaliza-se no continente a oposição aos conceitos de Huntington. A decisão da Corte Internacional de Haia ordenando às cortes dos EUA que revejam sentenças de morte impostas a 51 mexicanos (o próximo a ser executado é César Fierro dia 18 de maio em Oklahoma) foi comemorada como uma vitória moral por Fox. A globalização, que quer a liberação dos fluxos de bens e capitais, bloqueia o principal que é o fluxo de imigrantes trabalhadores.

* Vitor Gomes Pinto - Escritor e Analista Internacional




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