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Politica MT
Sexta - 08 de Julho de 2016 às 09:05
Por: Rafael Costa - Folha Max

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O juiz da 5ª Vara Especializada da Fazenda Pública, Roberto Teixeira Seror, condenou o Estado a pagar indenização por dano material no valor de R$ 326.312,72 mil e outros R$ 50 mil a título de dano moral ao prefeito de Rondonópolis, Percival Muniz, e sua esposa, a ex-deputada e ex-secretária Ana Karla Muniz, ambos filiados ao PPS.

O valor do dano moral deverá ser corrigido monetariamente pelo IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor) a partir da publicação da sentença. Com relação aos danos materiais, a correção se dará pelo INPC (Índice Nacional do Preço do Consumidor) desde o evento danoso que corresponde a 27de novembro de 2006 até o advento da Lei n. 11.960/2009 e, em seguida, pelo IPCA até o efetivo pagamento. Ainda deverá incidir juros de mora de 6% ao ano em ambos os casos.

O casal de políticos recorreu à Justiça contra o governo do Estado após alegar que sofreu uma investigação indevida da Polícia Civil, que lhes trouxeram somente danos as suas imagens e reputação.

Isso porque, em 2006, quando Percival Muniz havia sido eleito deputado estadual e Ana Karla Muniz ocupava a função de secretária de Estado de Educação, houve uma comitiva denominada “Estradeiro da Balsa” liderada pelo então governador Blairo Maggi na qual os caciques Raoni e Megaron solicitaram a cessão de grupos de geradores para as aldeias indígenas. Na época, Maggi tomou as devidas providências para que todas as necessidades fossem atendidas.

A então secretaria de Educação, Ana Karla Muniz, localizou geradores que não estavam sendo utilizados, e informou ao Chefe da Casa Civil, que estes estariam disponíveis para que fossem feitas as revisões e os reparos necessários para serem devidamente encaminhados até São José do Xingu e entregues aos líderes das comunidades indígenas, através do vereador Ludio Sousa Barros.

Porém, ainda em 2006, a Polícia Civil do Estado de Mato Grosso, através de denúncia anônima, instaurou inquérito policial para investigar indícios de crime. Isso porque um motorista lotado na Secretaria de Estado de Educação de Mato Grosso havia recolhido em órgão público do município de São José do Xingu dois motores estacionários, geradores de energia elétrica, de propriedade da EMPAER (Empresa Matogrossense de Pesquisa, Assistência e Extensão Rural) e os levado para o interior de uma fazenda denominada Fazenda Felicidade, de propriedade do casal Percival Muniz e Ana Karla Muniz.

A partir daí, a Polícia Civil, com parecer favorável do Ministério Público Estadual (MPE), obteve decisão judicial para que fosse lacrada a Fazenda Felicidade até o fim do inquérito policial, com o intuito de cumprir mandado de busca e apreensão dos motores/geradores. Por conta da falsa acusação, houveram diversos transtornos, pois as necessidades básicas da Fazenda, como fabricação de ração e geração de energia para máquinas, ficaram prejudicadas por vários anos, o que levou a necessidade de adquirir alimento animal em lojas agropecuárias, causando-lhes prejuízos materiais da ordem de R$ 326.312,72 mil.

Além disso, o casal alegou que sofreu desgastes imensos, pois o episódio ganhou repercussão na mídia regional, sendo usados pelos seus adversários políticos. O magistrado alegou que estava comprovado o abuso dos órgãos de investigação e ainda o desgaste de imagem e prejuízo financeiro gerado ao casal de políticos.

A condução desastrosa da fase investigatória, através da atuação medonha da autoridade policial, dos promotores e do juiz, acarretou prejuízos na vida dos autores. “Em outras palavras, as consequências desse fato na vida dos autores foram desastrosas, pois são pessoas públicas, conhecidas em todo o Estado, principalmente o requerente, que tem longos anos de carreira na política, e a situação narrada nos autos deu margem para seus opositores políticos, que, inclusive quiseram criar uma CPI para investigar os fatos (fls. 269/270), o que foi amplamente divulgado na mídia a nível estadual. (...) Dessa forma, em que pese a autoridade policial tenha dever de instaurar inquérito quando há denúncia acompanhada de investigação preliminar (estrito cumprimento do dever legal), o fato é que houve diversos abusos e excessos no curso das investigações, como amplamente demonstrado pela farta documentação juntada aos autos, caracterizando desproporcionalidade e falta de razoabilidade na conduta dos agentes”.

Íntegra da decisão:

Trata-se de Ação de Indenização por Danos Morais e Materiais proposta por ANA CARLA LUZ BORGES LEAL MUNIZ e PERCIVAL SANTOS MUNIZ em desfavor do ESTADO DE MATO GROSSO, devidamente qualificados nos autos em epígrafe, objetivando a condenação do Requerido ao pagamento de indenização a título de danos morais no valor de R$ 3.000.000,00 (três milhões de reais), bem como ao pagamento de indenização a título de danos materiais no importe de R$ 326.312,72 (trezentos e vinte e seis mil, trezentos e doze reais e setenta e dois centavos).

Contam que fazem parte da vida política do Estado do Mato Grosso, e no ano de 2006 o requerente Percival Santos Muniz foi eleito como Deputado Estadual, e sua esposa, também requerente, foi nomeada para o cargo de Secretária de Estado da Educação.

Aduzem que, durante o mandato de 2006/2010, foi realizada através do Governador Blairo Maggi uma comitiva denominada “Estradeiro da Balsa”, onde os caciques Raoni e Megaron solicitaram que lhes fossem cedidos grupos de geradores para as aldeias indígenas, e o Governador à época tomou as devidas providências para que todas as necessidades fossem atendidas.

Narram que a requerente, no exercício de sua função, localizou geradores que não estavam sendo utilizados, e informou ao Chefe da Casa Civil, que estes estariam disponíveis para que fossem feitas as revisões e os reparos necessários, e, portanto que os mesmos fossem levados até São José do Xingu e entregues aos líderes das comunidades indígenas, através do vereador Ludio Sousa Barros.

Alegam, ainda, que no ano de 2006 a polícia civil do Estado de Mato Grosso, através de denuncia anônima, instaurou inquérito policial para investigar suposto crime (IP n. 148/2006), onde constava que um motorista lotado na Secretaria de Estado de Educação de Mato Grosso havia recolhido em órgão público do município de São José do Xingu dois motores estacionários, geradores de energia elétrica, de propriedade da EMPAER e os levado para o interior de uma fazenda denominada Fazenda Felicidade, de propriedade dos requerentes.

Pontuam que no curso do inquérito policial, sob o crivo do Ministério Público e com autorização do Juiz de Vila Rica-MT, foi deferido para que ficasse lacrada a Fazenda Felicidade até o fim do inquérito policial, e fosse feita a busca e apreensão dos motores/geradores.

Sustentam que as necessidades básicas da Fazenda, como Fabricação de ração e geração de energia para máquinas, ficaram prejudicadas por vários anos, razão pela qual tiveram que adquirir alimento animal em lojas agropecuárias, causando-lhes prejuízos materiais da ordem de R$ 326.312,72 (trezentos e vinte e seis mil, trezentos e doze reais e setenta e dois centavos).

Assentam que tais abusos cometidos pelo réu, através de seus agentes, geraram repercussões negativas na mídia regional, sendo usados por seus adversários políticos, mas a verdade veio à tona com o fim do Inquérito Policial n. 148/2006, que teve como conclusão que “com relação ao equipamento apreendido na propriedade de Percival Muniz, a criminalística comprovou que os mesmos não são compatíveis com os pertencentes à EMPAER ou SEDUC”.

Diante disso, pedem a reparação dos danos.

Instruíram a inicial com documentos acostados às fls. 18/303.

Recolheram custas processuais à fl. 304.

Devidamente citado, o Requerido Estado de Mato Grosso apresentou Contestação às fls. 309/329 alegando prescrição trienal e pugnando, no mérito, pela improcedência dos pedidos.

Réplica acostada às fls. 330/337, onde a parte autora rechaçou todos os pontos abordados pelo Requerido, ratificou os termos da exordial e pugnou pela procedência dos pedidos.

Parecer Ministerial acostado às fls. 339/341, pelo prosseguimento independente da manifestação do órgão.

Os autos me vieram conclusos.

Em síntese, é o necessário relato.

Fundamento e decido.

Suscitada preliminar, passo à análise.

DA PRESCRIÇÃO

O Estado alegou em sua peça contestatória a ocorrência da prescrição prevista no Código Civil para as ações de reparação civil por danos materiais e morais, que é de 03 (três) anos.

Porém, não procede tal alegação, haja vista que nas ações que tramitam contra a Fazenda Pública o prazo prescricional é de 05 (cinco) anos.

Nesta senda, oportuno trazer à baila a jurisprudência do Colendo Superior Tribunal de Justiça, senão vejamos:

ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. REPARAÇÃO CIVIL. DANOS MORAIS E MATERIAIS. PRESCRIÇÃO. DECRETO N. 20.910/32. QUINQUENAL. INAPLICABILIDADE DO CÓDIGO CIVIL. SÚMULA 83/STJ. INOVAÇÃO RECURSAL. IMPOSSIBILIDADE. 1. A jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido de que a prescrição contra a Fazenda Pública é quinquenal, mesmo em ações indenizatórias, uma vez que é regida pelo Decreto n. 20.910 /32. norma especial que prevalece sobre lei geral. Orientação reafirmada em recurso submetido ao regime do art. 543-C do CPC (REsp 1251993/PR, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, DJe 19.12.2012). 2. A tese referente à suposta afronta ao princípio da isonomia em nenhum momento foi objeto dos autos, tampouco nas contrarrazões do apelo; logo representa verdadeira inovação, o que é vedado nesta via recursal. Agravo regimental improvido. (STJ - AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL AgRg no REsp 1374164 RS 2013/0074334-4).

Assim sendo, rejeito a prejudicial de mérito de prescrição, pois os fatos ocorreram em novembro/2006 (fl. 21) e a ação foi proposta em junho/2011, portanto, dentro do prazo quinquenal.

DO MÉRITO

Entendo que no caso sub examine é desnecessária a produção de novas provas, uma vez que os elementos imprescindíveis para a análise do pleito já estão à disposição deste Juízo, razão pela qual passo ao julgamento antecipado da lide, nos termos do art. 355, I, do CPC/2015.

Como relatado, buscam os requerentes a procedência da presente ação com o fim de obter a condenação do Requerido ao pagamento de indenização a título de danos morais no valor de R$ 3.000.000,00 (três milhões de reais), bem como ao pagamento indenização a título de danos materiais no importe de R$ 326.312,72 (trezentos e vinte e seis mil, trezentos e doze reais e setenta e dois centavos).

O cerne da questão posta em litígio consiste em analisar o reconhecimento da responsabilidade do Estado pelo evento danoso narrado na peça inaugural, qual seja investigação pela suposta prática de crime contra patrimônio público, o fechamento da Fazenda dos autores, culminando em prejuízos, e o abalo moral decorrente de todo enredo fático, agravado pelo fato de os requerentes serem pessoas públicas.

Pois bem. A situação fática dos autos é incontroversa e gera responsabilidade civil.

A Constituição da República consagra a regra da responsabilidade objetiva do Estado:

"Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

(...)

§ 6º. As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa."

Na responsabilidade objetiva basta provar o fato, o dano e o nexo causal, não sendo necessária uma conduta ilícita do agente para nascer-lhe o dever de reparação.

Por outro lado, deve-se refletir que, de fato, a responsabilidade do Estado não pode ser objetiva em todos os casos, sob pena de se considerar o ente público como um segurador a todos os imprevistos da vida. É por isso que, nos casos de responsabilidade estatal por comportamentos omissivos, deve-se buscar, como ensina Celso Antônio Bandeira de Mello, a culpa do Estado, que pode ser presumida em virtude da posição desfavorável do administrado.

Eis a lição de Celso Antônio Bandeira de Mello:

“Há determinados casos em que a ação danosa, propriamente dita, não é efetuada por agente do Estado, contudo é o Estado quem produz a situação da qual o dano depende. Vale dizer: são hipóteses nas quais é o Poder Público quem constitui, por ato comissivo seu, os fatores propiciarão decisivamente a emergência de dano. Tais casos, a nosso ver, assemelham-se aos de danos produzidos pela própria ação do Estado e por isso ensejam, tanto quanto estes, a aplicação do princípio da responsabilidade objetiva. Com efeito, nas hipóteses ora cogitadas, uma atuação positiva do Estado, sem ser a geradora imediata do dano, entra decisivamente em sua linha de causação. O caso mais comum, embora não único (como ao diante se verá), é o que deriva da guarda, pelo Estado, de pessoas ou coisas perigosas, em face do quê o Poder Público expõe terceiros a risco. Servem de exemplos o assassinato de um presidiário por outro presidiário (...).”

Não é diferente o entendimento de Hely Lopes Meirelles:

“Por isso, incide a responsabilidade civil objetiva quando a Administração Pública assume o compromisso de velar pela integridade física da pessoa e esta vem a sofrer um dano decorrente da omissão do agente público naquela vigilância. Assim, alunos da rede oficial de ensino, pessoas internadas em hospitais públicos ou detentos, caso sofram algum dano quando esteja sob a guarda imediata do Poder Público, têm direito à indenização, salvo se ficar comprovada a ocorrência de alguma causa excludente daquela responsabilidade estatal.”

Neste viés, verifica-se claramente a ilegalidade da conduta dos agentes estatais (autoridade policial, promotor e juiz), diante do abuso e do excesso consubstanciados nas drásticas medidas adotadas no curso do Inquérito Policial n. 148/2006, fundado em mera denúncia anônima ratificada por singela investigação preliminar (fls. 22 a 27), que passou a apurar a prática, pelos autores, do crime do art. 312, §1º do CP (peculato).

Em outras palavras, com base em frágil denúncia anônima foi instaurado o Inquérito e no seu curso os promotores requereram busca e apreensão de geradores na Fazenda Felicidade, de propriedade dos autores (fls. 118/121), o que foi deferido pelo Juiz de Direito de Vila Rica/MT (fls. 143/144), sem prudência alguma, acarretando na paralização parcial das atividades da propriedade rural.

Ao final das investigações, concluiu-se que os geradores apreendidos na Fazenda Felicidade não pertenciam à EMPAER nem tampouco à SEDUC, mas sim, aos autores (fls. 205/212), ou seja, tratava-se de uma denúncia infundada.

Ora, é sabido que cabe a instauração de inquérito policial com base em denúncia anônima, contanto que haja investigação preliminar antecedente, PAUTADA NA PRUDÊNCIA E NA DISCRIÇÃO, em total contraposição ao que aconteceu no presente caso.

A respeito do assunto, vejamos o atual entendimento do C. Supremo Tribunal Federal, in verbis:

“HABEAS CORPUS” – JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL CONSOLIDADA QUANTO À MATÉRIA VERSADA NA IMPETRAÇÃO – POSSIBILIDADE, EM TAL HIPÓTESE, DE O RELATOR DA CAUSA DECIDIR, MONOCRATICAMENTE, A CONTROVÉRSIA JURÍDICA – COMPETÊNCIA MONOCRÁTICA QUE O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL DELEGOU, VALIDAMENTE, EM SEDE REGIMENTAL (RISTF, ART. 192, “CAPUT”, NA REDAÇÃO DADA PELA ER Nº 30/2009) – INOCORRÊNCIA DE TRANSGRESSÃO AO PRINCÍPIO DA COLEGIALIDADE – PLENA LEGITIMIDADE JURÍDICA DESSA DELEGAÇÃO REGIMENTAL – INSTAURAÇÃO DE INQUÉRITO POLICIAL CONTRA MAGISTRADO FEDERAL – ALEGADA AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA – INOCORRÊNCIA – PROCEDIMENTO INVESTIGATÓRIO QUE VISA À APURAÇÃO DE CONDUTA TÍPICA – POSSIBILIDADE – PERSECUÇÃO PENAL E DELAÇÃO ANÔNIMA – VIABILIDADE, DESDE QUE A INSTAURAÇÃO FORMAL DO INQUÉRITO TENHA SIDO PRECEDIDA DE AVERIGUAÇÃO SUMÁRIA, “COM PRUDÊNCIA E DISCRIÇÃO”, DESTINADA A APURAR A VEROSSIMILHANÇA DOS FATOS DELATADOS E DA RESPECTIVA AUTORIA – DOUTRINA – PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL – ALEGADA NULIDADE DO INQUÉRITO JUDICIAL POR INOBSERVÂNCIA DO RITO PREVISTO NO ART. 33 DA LOMAN – PRÉVIA DELIBERAÇÃO DA CORTE ESPECIAL DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA PARA A INSTAURAÇÃO DE INQUÉRITO JUDICIAL CONTRA MAGISTRADO FEDERAL – DESNECESSIDADE – CONSEQUENTE INOCORRÊNCIA, NO CASO, DE SITUAÇÃO CONFIGURADORA DE INJUSTO CONSTRANGIMENTO – RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO.

(HC 109598 AgR, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 15/03/2016, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-081 DIVULG 26-04-2016 PUBLIC 27-04-2016)

A condução desastrosa da fase investigatória, através da atuação medonha da autoridade policial, dos promotores e do juiz, acarretou prejuízos na vida dos autores.

Em outras palavras, as consequências desse fato na vida dos autores foram desastrosas, pois são pessoas públicas, conhecidas em todo o Estado, principalmente o requerente, que tem longos anos de carreira na política, e a situação narrada nos autos deu margem para seus opositores políticos, que, inclusive quiseram criar uma CPI para investigar os fatos (fls. 269/270), o que foi amplamente divulgado na mídia a nível estadual (fl. 08 e fls. 269/274).

Dessa forma, em que pese a autoridade policial tenha dever de instaurar inquérito quando há denúncia acompanhada de investigação preliminar (estrito cumprimento do dever legal), o fato é que houve diversos abusos e excessos no curso das investigações, como amplamente demonstrado pela farta documentação juntada aos autos, caracterizando desproporcionalidade e falta de razoabilidade na conduta dos agentes.

Acerca disso, cabe enfatizar que a Investigação Preliminar n. 095/2006 que ratificou a denúncia anônima e “embasou” a instauração do Inquérito é demasiada frágil, pois as diligências nela realizadas não apontaram nenhum indício de autoria e materialidade do crime, com relação aos autores.

Em outras palavras, a referida investigação preliminar teve por base unicamente uma denúncia anônima e o “achismo” da delegada, senão vejamos:

“Apurou-se em rápida investigação a existência de uma propriedade rural situada na região de Luciara/MT registrada sob o nome de Fazenda Felicidade; apurou-se ainda a existência de uma extensão da referida fazenda situada na região de São José do Xingu, onde acredita-se que não haja energia elétrica.

As investigações apontaram que a Secretária de Estado de Educação de fato possui um motorista chamado Everaldo de tal.

Solicitamos informações da EMPAER quanto ao patrimônio da empresa, mas pelo exíguo decurso de tempo ainda não obtivemos resposta.

(...)

A certeza da impunidade é tamanha que um servidor não se desencoraja em recolher dentro de um órgão público dois motores estacionários de tamanho bastante avantajado utilizando-se de veículo oficial.”

Do trecho transcrito acima, retirado do pedido da Delegada de Polícia dirigido ao Juiz (fls. 57/59), verifica-se que a principal diligência não foi realizada, qual seja a verificação do patrimônio (tombo) ou número de série dos geradores, a fim de comparar se as máquinas encontradas na Fazenda Felicidade eram as mesmas que haviam supostamente sido retiradas dos órgãos públicos. E mesmo assim, sem indício algum do crime de peculato, a autoridade policial e os promotores representaram perante o Juiz, pedindo a busca e apreensão na Fazenda dos autores (fls. 118/121), que foi deferida pelo Juiz em novembro/2006 (fls. 143/144), sem qualquer prudência.

Depois disso, já em janeiro/2007, houve a conclusão de um laudo pericial, no qual ficou definido que os equipamentos apreendidos na Fazenda Felicidade não pertencem à EMPAER nem à SEDUC, mas aos requerentes (fls. 173/186). E mais, ficou comprovado que os geradores que estavam sendo procurados já se encontravam há muito tempo nas aldeias indígenas Kaiapó e Tuba Tuba, conforme documentos e fotografias (fls. 215/263).

Tais abusos acarretaram prejuízos de ordem extrapatrimonial na vida dos autores, mormente por serem pessoas públicas, engajadas na política local, inclusive, houve a exoneração da requerente do cargo de Secretária de Estado de Educação no auge das investigações, em dezembro/2006 (fl. 303), daí porque entendo que procede o pleito de reparação.

Em caso semelhante, o TJMT decidiu da seguinte forma, in verbis:

APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS – PUBLICAÇÃO DE MATÉRIA JORNALÍSTICA INVERÍDICA – FALSA IMPUTAÇÃO DA PRÁTICA DE CRIME DE FURTO – EXTRAPOLAÇÃO DO DIREITO DE INFORMAR – DANO MORAL CARACTERIZADO – INDENIZAÇÃO DEVIDA – SENTENÇA REFORMADA – RECURSO PROVIDO. 1. “A veiculação de matéria jornalística inverídica sem prévia e mínima investigação, e sem oportunidade à manifestação do ofendido, viola a honra e a imagem, gerando o dever de indenizar moralmente o ofendido” (TJMT – 1ª Câm. Cível – RAC 9643/2013 – minha relatoria – j. 20/05/2014, Publicado no DJE 26/05/2014). (RAC n. 86561/2015, DES. JOÃO FERREIRA FILHO, PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL, Julgado em 01/09/2015, Publicado no DJE 08/09/2015).

Passo, neste momento, à verificação do quantum indenizatório.

A respeito do propalado Dano Moral, confira-se a lição de Sérgio Severo, in "Os Danos Extrapatrimoniais", Editora Saraiva, p.140 a 142:

“Na sua configuração atual, a tutela da honra deve abranger as ofensas ao respeito, ao decoro, à dignidade, à consideração e à reputação, tanto da pessoa como de terceiros.”

Segundo Aparecida Amarante, a honra constitui um bem interno, uma vez que representa a essência moral da pessoa, mas também manifesta um bem externo, pois corresponde ao seu valor social.

De acordo com Stiglitz e Echevesti:

“O conceito de honra pode ser entendido em dois sentidos: no objetivo, consistente na reputação, bom nome ou fama que se goza ante os demais e no subjetivo, no sentimento de estima que a pessoa tem de si mesma em relação à sua própria consciência moral”.

Desta forma, a honra dos Requerentes reflete-se na consideração dos demais em relação à pessoa e ao sentimento destes. Aspecto relevante é o fato de o direito à honra não se resumir a situações como a calúnia, a injúria e a difamação, cuja reparação está prevista no art. 1.544 do Código Civil. Embora várias decisões judiciais utilizem-se de tais suportes fáticos, a honra pode ser agredida de outras formas.

O arbitramento econômico do dano moral muitas vezes cria situações controvertidas na doutrina e jurisprudência, em razão de o legislador pátrio ter optado, em detrimento dos sistemas tarifados, pela adoção do sistema denominado aberto, em que tal tarefa incumbe ao juiz, tendo em vista o bom senso e determinados parâmetros de razoabilidade.

Com efeito, há que se realizar o citado arbitramento com moderação, em atenção à realidade da vida e às peculiaridades de cada caso, proporcionalmente ao grau de culpa e ao porte econômico das partes. Ademais, não se pode olvidar, consoante parcela da jurisprudência pátria, acolhedora da tese punitiva acerca da responsabilidade civil, da necessidade de desestimular o ofensor a repetir o ato.

Sobre o tema, Maria Helena Diniz ensina que:

“(...) o juiz determina, por eqüidade, levando em conta as circunstâncias de cada caso, o 'quantum' da indenização devida, que deverá corresponder à lesão e não ser equivalente, por ser impossível, tal equivalência. A reparação pecuniária do DANO MORAL é um misto de pena e satisfação compensatória. Não se pode negar sua função: penal, constituindo uma sanção imposta ao ofensor; e compensatória, sendo uma satisfação que atenue a ofensa causada, proporcionando uma vantagem ao ofendido, que poderá, com a soma de dinheiro recebida, procurar atender a necessidades materiais ou ideais que repute convenientes, diminuindo, assim, seu sofrimento” (A Responsabilidade Civil por Dano Moral, in Revista Literária de Direito, ano II, nº 9, jan./fev. de 1996, p. 9).

Nesse sentido, Caio Mário também traz lição preciosa:

“um jogo duplo de noções: a- de um lado, a idéia de punição ao infrator, que não pode ofender em vão a esfera jurídica alheia (...); b- de outro lado, proporcionar à vítima uma compensação pelo dano suportado, pondo-lhe o ofensor nas mãos uma soma que não é o pretium doloris, porém uma ensancha de reparação da afronta...” ("Instituições de Direito Civil", vol II, Forense, 7ª ed., pág. 235).

O caso em debate se refere ao chamado dano moral puro, cujas circunstâncias e ofensas foram detidamente comprovadas nos autos, mais precisamente, o procedimento investigatório e a exposição do caso na mídia (fls. 08 e 21/29).

Apesar de inexistir orientação uniforme e objetiva na doutrina ou na jurisprudência de nossos tribunais para a fixação dos danos morais, é ponto pacífico que o Juiz deve sempre observar as circunstâncias fáticas do caso, examinando a gravidade objetiva do dano, seu efeito lesivo, natureza e extensão, as condições socioeconômicas da vítima e do ofensor, visando com isto que não haja enriquecimento indevido do ofendido e que a indenização represente verdadeiramente um desestímulo a novas agressões.

Assim, considerando os fatos, a situação social dos autores, a potencialidade do Requerido e o abalo sofrido pela exposição e investigação praticada pela autoridade policial, arbitro o valor da indenização em R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), posto que em casos muito menos graves, como negativação indevida nos órgãos de proteção ao crédito, os Tribunais têm fixado valores em torno de R$6.000,00 (seis mil reais).

Por outro lado, além do dano moral, os autores comprovaram a perda financeira, e, portanto, requerem reparação por prejuízos materiais decorrentes dos fatos narrados.

Assim, quanto ao pedido de Danos Materiais, para que seja caracterizada a reparação civil, se faz necessária a comprovação do nexo de causalidade entre a conduta indevida do terceiro e o efetivo prejuízo patrimonial que foi efetivamente suportado, devendo ser precisa também quanto ao valor da indenização pretendida, pois, o que se visa através da ação judicial, é a recomposição da efetiva situação patrimonial que se tinha antes da ocorrência do dano.

Os Requerentes pleitearam o pagamento de indenização a título de danos materiais no valor de R$ 326.312,72 (trezentos e vinte e seis mil trezentos e doze reais e setenta e dois centavos).

Resta evidente que os danos causados em razão do tempo em que a Fazenda Felicidade ficou lacrada, sem que os geradores pudessem ser utilizados, representou em uma grande perda econômica para os Autores, haja vista que necessitaram adquirir alimento animal em lojas agropecuárias, conforme documentos de fls. 277/300.

Ora, considerando que ficaram comprovados através da somatória das notas fiscais de fls. 277/300 os danos materiais sofridos, é possível concluir que o montante indenizatório a ser percebido pelos Requerentes é de R$ 326.312,72 (trezentos e vinte e seis mil trezentos e doze reais e setenta e dois centavos), exatamente conforme pleiteado na exordial.

Imperioso consignar que o Estado não juntou sequer uma prova contrária às alegações dos autores, se limitando a fazer meros apontamentos. Verifica-se que, de fato, não há nos autos nenhum documento, nenhuma ordem judicial dando conta da liberação para uso dos geradores apreendidos, assim sendo, conclui-se que até a presente data, formalmente, os referidos bens ainda não foram liberados, daí porque é justa a indenização aos autores pelos gastos que tiveram com a compra da ração animal, conforme comprovado pelos documentos fiscais de fls. 277/300.

Assim sendo, impõe-se a procedência dos pedidos.

DISPOSITIVO

ISTO POSTO, consoante a fundamentação supra, JULGO PROCEDENTES OS PEDIDOS, condenando o Requerido ao pagamento de indenização a título de danos morais no importe de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), bem como ao pagamento de indenização a título de danos materiais no valor de R$ 326.312,72 (trezentos e vinte e seis mil trezentos e doze reais e setenta e dois centavos).

O valor dos danos morais será corrigido monetariamente pelo IPCA a partir da publicação da sentença, conforme súmula 362 do STJ. Já com relação aos danos materiais, a correção se dará pelo INPC desde o evento danoso (27/11/2006) até o advento da Lei n. 11.960/2009 (29/06/2009), e após, pelo IPCA até o efetivo pagamento.

Quanto aos juros de mora, devem incidir no percentual de 6% ao ano, em ambos os casos, desde a citação válida até o advento da Lei n. 11.960/2009 (29/06/2009), e após, incidirá o percentual da caderneta de poupança até o efetivo pagamento.

Via de consequência, JULGO EXTINTO O PROCESSO, COM RESOLUÇÃO DO MÉRITO, nos termos do art. 487, I do CPC/2015.

Condeno o Requerido ao pagamento dos honorários advocatícios, que fixo no percentual de 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, nos temos do art. 85, § 3º, I do CPC/2015.

Intime-se.

Após, não havendo recurso voluntário, remetam-se os autos ao E. TJ/MT, para reexame necessário, consoante determina o art. 496, I, do CPC/2015.

Cumpra-se, expedindo-se o necessário.

Cuiabá/MT, 30 de Junho de 2016.

ROBERTO TEIXEIRA SEROR

JUIZ DE DIREITO





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