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Comportamento
Quinta - 25 de Janeiro de 2018 às 17:44
Por: Isabela Mercuri/olhar direto

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Foram 63 milhões de visualizações em três semanas, e Jojo Maronttinni, mais conhecida como Jojo Toddynho, passou de ‘funkeira que cantou com a Anitta’ para uma das apostas de hit do carnaval em janeiro de 2018. Gorda, negra e da favela, sua irreverência vai muito além do sutiã número 58. Que tiro foi esse, que essa mulher disparou ao ganhar os holofotes de toda a mídia?

Para o cantor mato-grossense Hendson Santana, criador do projeto ‘Música Gorda’, e militante contra a gordofobia, o racismo e a homofobia, a presença de Jojo é só o começo. “Artistas como eu, Jojo, Liniker, Pabllo Vittar, Karol Conká serão cada vez mais vistos por aí, e agora, não somos nós que temos que ter coragem pra enfrentar esse mundo, mas é o mundo que vai ter que ser corajoso suficiente pra aceitar e principalmente respeitar a nossa presença, porque acho que essa revolução está só no começo”, disse.

Hendson, 26, além de cantor, é publicitário. Enquanto ainda trabalhava em agências, conta que teve que encarar a crueldade da mídia em relação às pessoas gordas: “Já trabalhei em campanhas em que tive que excluir foto de negros em anúncios, minimizar silhuetas e rejuvenecer pessoas. Imaginem o quanto isso foi sofrível pra mim sendo negro e gordo? Mas eu precisava pagar as contas, e hoje tenho mais clareza do quanto isso é perigoso”.

Por este motivo, não há inocência ao analisar o ‘boom’ de Jojo e outros artistas. Longe de ser uma iniciativa das grandes corporações, o cantor acredita que o caminho foi outro. “Eu acredito que com a popularização da internet, e principalmente das redes sociais, os artistas fora do mainstream e principalmente fora dos padrões, criaram formas de expor seus trabalhos com mais liberdade criativa e manter sua identidade, sem serem tão polidos pela indústria fonográfica”, afirma. “Com isso a grande mídia, e as marcas vem cada vez mais cedendo a esses anseios da sociedade. Apesar disso, devemos lembrar que a mídia e as grandes empresas estão preocupadas com audiência e suas metas de mercado, pois, por mais bacana que seja ver um personagem trans na novela das oito, a gente percebe que ainda tem falha na abordagem e no discurso empregado na trama, pois eles criam um pseudo-ambiente de aceitação, mas ainda mantém seus estereótipos pra continuar agradando o público conservador”.

Aproveitando-se da época propícia para enaltecer as minorias, a mídia não perde tempo. Por um lado, continua explorando a imagem da mulher negra, hipersexualizada, para ganhar dinheiro. Por outro, não se arrisca a nadar contra a maré. “Eu vejo muitos comentários maldosos, o mais recente que eu lembro é da atriz Joana Balaguer que fez um post associando a música "Que tiro foi esse?" à violência, bala perdida, com intuito de desqualificar o trabalho dela, sem saber que a expressão ’que tiro’ nasceu da comunidade LGBT que significa um elogio do tipo: "que arraso!". Agora falando da mídia, ainda não me deparei ainda com nenhum ataque ou abordagem desrespeitosa, afinal, pra um veiculo desrespeitar uma artista com mais 50 milhões de visualizações no youtube seria um tiro no pé, né?”, questiona Hendson.

Com menos visualizações, o preconceito já começa a aparecer mais, mesmo que de forma sutil. Hendson conta que no início de sua carreira tinha um grupo de jazz e uma banda de rock, e “eu era um artista convencional, muito atento a técnica vocal e a musicalidade, o que de certa forma já era desafiador porque eu não acreditava que ganharia essa atenção. Antes disso já cheguei em lugares pra cantar em que as pessoas olhavam e diziam "É esse mesmo o cantor?", pensavam até que eu era o road da banda”, lembra.

Nesta época, o cuiabano alcançou espaço na televisão, rádios e sites, e cantou em diversas casas de Cuiabá e do interior de Mato Grosso, festivais e até que gravou seu meu primeiro EP. “Então eu comecei a ver que eu precisava ser mais do que uma voz afinadinha. Eu precisei imprimir no meu repertório, no figurino e nas performances todos os aspectos que compunham a minha identidade e personalidade. Ai que nasceu o "Música Gorda", um projeto que traz canções que combatem a ditadura do corpo, que ao mesmo tempo fala de sentimento, negritude e muito da cultura LGBT. E nesse processo ocorreu um distanciamento de alguns veículos de comunicação, algumas casas de show já não me convidam pra cantar, mas por outro lado eu encontrei um público novo, novos apoiadores que compreendem mais dessa nova linguagem, e pra falar a verdade, me sinto muito mais feliz agora”.

Com o novo projeto, Hendson já cantou pra mais de 30 mil pessoas na Parada da Diversidade de Cuiabá, levou seu show pro Teatro SESC Arsenal e Teatro Zulmira Canavarros. Atualmente, ele está gravando um single que pretende lançar no primeiro trimestre deste ano.

“Foi uma forma que achei de empregar vários contextos, como eu disse, tem muito da cultura afro, musica negra como R&B, disco, funk, soul e o pop. Utilizo do meu corpo, pra reafirmar minha particularidade física enquanto gordo. A minha feminilidade, seja no figurino, na maquiagem e nas performances. Enfim, acho que o discurso está no projeto em si de sempre procurar normatizar a diversidade como um todo”.

Jojo Toddynho, apesar de não cantar músicas declaradamente para combater a ditadura do corpo, o faz sendo auto-suficiente e tendo auto-estima. “Vivemos num país em que mais da metade da população é negra e que representam também, a maior parte da população pobre do país. E diariamente somos depreciados por uma elite branca, e no caso da Jojô sendo mulher, negra e gorda piora ainda mais, pois entra num "pacote" de tudo que a sociedade julga como ruim. A mulher preta que é sexualizada ou inferiorizada não só pela pele, mas pelo cabelo crespo, a gorda que não pode ser feliz e saudável com seu corpo, etc”, comenta Hendson. “Ver mulheres como Jojo quebrando esses paradigmas, sem nenhuma vergonha se expor, e mais, tendo voz e visibilidade através da música é libertador pra ela e pra outras meninas. Vejo muitas amigas da periferia com o mesmo perfil que não conseguem fazer coisas simples como estudar, namorar, trabalhar e ter o mínimo de uma vida social por medo de serem discriminadas. É para as pessoas verem o quanto a representatividade é necessária e ajuda a quebrar o preconceito nas pessoas”, finaliza.





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