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Judiciário e Ministério Público
Quinta - 27 de Maio de 2021 às 12:32
Por: Jacques Gosch/RD News

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Oservidor público lotado do escritório do Ibama em Sinop e Alta Floresta, de iniciais H. L. M. F., relatou em depoimento prestado na Delegacia de Repressão a Corrupção e Crimes Financeiros (Delecor) da Polícia Federal em Brasília que era pressionado para elaborar notas técnicas favoráveis a empresários ligados ao setor da agropecuária em Mato Grosso. A pressão seria exercida por Leopoldo Penteado Butkiewicz, assessor especial do ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles.

O depoimento de H.L.M.F. está anexado no inquérito com mais de 500 páginas que tramita no Supremo Tribunal Federal sob a relatoria do ministro Alexandre de Moraes. O sigilo foi levantado nesta quarta (26) e a íntegra divulgada pelo jornalista Fausto Macedo, do Estadão. A Polícia Federal investiga a participação de agentes públicos na exportação ilegal de madeira, colocando sob suspeita a atuação do próprio Ricardo Salles.

No depoimento, H.L.M.F. foi questionado se tinha conhecimento da alteração de despachos para prejudicar a fiscalização das infrações ambientais. Em resposta, o servidor afirmou que, entre março e abril deste ano, chegou uma demanda na SIAM, proveniente do gabinete da Presidência do Ibama, para subsidiar os argumentos da Advocacia Geral da União (AGU) numa Ação Civil Pública do Ministério Público Federa (MPF) que questiona os efeitos do Despacho Interpretativo n° INU/DOCUMENTOI, referente à revogação da IN 15/2011, sobre a necessidade de prévia autorização de exportação de cargas.

Neste caso, H.L.M.F. relatou conhecer o despacho que auxiliou a legalização retroativa de milhares de cargas que haviam sido remetidas ao exterior sem a respectiva autorização. No entanto, alegou que não teve qualquer participação neste ato.

De acordo com o depoimento, os argumentos da demanda do Gabinete da Presidência para auxiliar a AGU tinha objetivo de demonstrar que não houve prejuízo nas fiscalizações do Ibama.

“A ideia era demonstrar que o Despacho Interpretativo não havia causado prejuízo para a fiscalização e que essa demanda está pendente ainda de atendimento, mas já é possível inferir dos dados até então obtidos e das próprias circunstâncias do caso que se não houve, haverá em breve, grave prejuízo às atividades de fiscalização, seja pela legalização de cargas enviadas ao exterior, seja pela anulação de todos os autos de infração relacionados a exportação que ainda estão pendentes de julgamento. Além disso, que a pressão vinda de cima seria justamente para que os dados apresentados pelo depoente e demais técnicos no sentido de que não houve prejuízo”, diz trecho do depoimento de H.L.M.F.

O servidor relatou que o Despacho Interpretativo não foi a única situação em que técnicos do Ibama sofreram pressão para elaborar notas técnicas. H.L.M.F. também revelou que Instrução Normativa Conjunta nº 1 estabeleceu procedimentos com maior celeridade nas etapas iniciais, tendo fixado prazos inexequíveis para os atos instrutórios, levando à precarização das análise processuais. Segundo ele, a situação criou uma fase processual inútil e protelatória ao ritmo do processo sancionador.

Leopoldo começou discutir comigo e me mandou embora para casa e dizendo que o meu computador seria apreendido e inspecionado pela Corregedoria do órgão. Eu questionei o porquê disso, o Wagner pediu que eu me retirasse. Todo ocorrido deixou bem claro para mim que toda essa confusão se deu em razão do teor da Nota Informativa firmada por mim e cujo teor claramente não agradou Leopoldo e Wagner

Servidor do Ibama H.L.M.F

“Essa normativa gerou um ambiente propicio ao surgimento de situações ilícitas, na medida em que o processo avança à seção de conciliação sem uma análise da adequação da sanção naquela etapa. Em suma, as alterações suprimiram a fase de análise preliminar dos autos de infração, o que balizaria e daria segurança ao conciliador, evitando margem a eventuais desvios nessa fase do processo. A situação ficou tão grave que os fiscais, desde então, teriam de identificar os alvos previamente, prever o cenário que encontraria em campo, submeter esse relatório prévio, ou ficha de alvo à autoridade superior que, em assim concordando permitiria que o fiscal fosse a campo e realizasse a fiscalização e com isso houve grave perda da autonomia para fiscalizar e multar os infratores ambientais”, completa no depoimento.

Segundo H.L.M.F. , a quantidade de julgamentos de autos de infração entre 2019 e 2020 reduziu de cerca de 20 mil em 2019 para menos de 6 mil em 2021. Neste caso, o servidor explica que boa parte dessa redução nos julgamentos se deu em razão da implantação de audiências de conciliação e de alterações em um contrato de informática do Ibama.

De acordo com H.L.M.F., desde o início dessa gestão, foram menos de 300 conciliações, sendo 5 no ano passado e o restante em 2021 . Afirma ainda que o atual gargalo de audiências é de cerca de 14 mil.

Pressão Sofrida

Em depoimento, H.L.M.F. relata que ao chegar para trabalhar no dia 6 de maio deste ano, foi surpreendido por Leopoldo Penteado, assessor especial do Gabinete do Ministro Ricardo Salles. Além de Penteado, estavam presentes o representante de uma terceirizada e o superintendente de Apuração de Infrações Ambientais, Wagner Tadeu Matiota.

Na conversa, Wagner Tadeu Matiota informou que não estava satisfeito com o teor da Nota Informativa NI 9868495/21-SIAM, de 05 de maio de 2021.

“Wagner disse que não queria mais que eu ficasse naquela sala, que era para pegar suas coisas e ir para outra sala. Eu indaguei se poderia pegar meus arquivos na sua máquina e nisso, Leopoldo veio até mim com o claro intuito de me intimidar e se colocou na minha frente ‘quem você pensa que é, para agir dessa forma e ainda ficar aqui?’, referindo-se claramente ao teor da Nota Informativa. Leopoldo começou discutir comigo e me mandou embora para casa e dizendo que o meu computador seria apreendido e inspecionado pela Corregedoria do órgão. Eu questionei o porquê disso, o Wagner pediu que eu me retirasse. Todo ocorrido deixou bem claro para mim que toda essa confusão se deu em razão do teor da Nota Informativa firmada por mim e cujo teor claramente não agradou Leopoldo e Wagner”, relata no depoimento.

H. L. M. F. trabalha na Superintendência de Apuração de Infrações Ambientais (SIAM) desde de 2015. O departamento é ligado diretamente ao gabinete do presidente do Ibama. Em quase seis anos na SIAM, o servidor afirma nunca havia presenciado uma atuação tão direta de um assessor ligado ao ministro do Meio Ambiente.

Reprodução

Depoimento Salles

Em trecho do depoimento, H. L. M. F. relata pressão exercida por Leopoldo Penteado e Wagner Matioto na sede do Ibama

“Eu atua na área de infrações ambientais desde 2015 e que em todo esse período jamais havia visto um assessor direto do Ministro do Meio Ambiente atuar de forma direta dessa forma ali no Ibama, transparece da atuação de Leopoldo é que ele se encontra ali na SIAM justamente para ser o homem do Ministro naquele setor”, diz trecho do depoimento.

H. L. M. F. lembrou que Leopoldo Penteado anteriormente era Secretário Adjunto de Qualidade ambiental no Ministério do Meio Ambiente e que atualmente exerce funções de assessor especial do gabinete do Ministro Ricardo Salles. O servidor apontou que Leopoldo desde o início de 2021 começou a passar muito na SIAM e que é responsável pela legalização de cargas ao exterior e que dá ordens no interesse por exercício de atividade agropecuária em Mato Grosso.

Já Wagner Matioto é tenente-coronel reformado da Polícia Militar de São Paulo. O militar não possui qualquer experiência na área ambiental.

O presidente do Ibama Eduardo Fortunato Bim, Leopoldo Penteado Butkiewicz, e Wagner Tadeu Matiota, e mais seis dirigentes do Ibama foram alvo de busca e apreensão da Polícia Federal no último dia 19. Todos estão afastados dos cargos por decisão do STF.





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