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Judiciário e Ministério Público
Sábado - 18 de Setembro de 2021 às 09:33
Por: Welington Sabino/Folha Max

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A discussão jurídica numa ação penal contra uma mulher que tentou furtar um botijão de gás em Várzea Grande foi parar no Supremo Tribunal Federal (STF), após passar por todas as demais instâncias. E por lá, na mais alta corte do Poder Judiciário, prevaleceu uma sentença do Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT) que condenou a ré a seis meses de recuclão pelo crime de tentativa de furto qualificado, ignorando todos os apelos da defesa para que fosse aplicado o princípio da insignificância.

A ministra Cármen Lúcia, relatora do habeas corpus impetrado no Supremo pela Defensoria Pública, concordou com os acórdãos do TJ e do Superior Tribunal de Justiça (STJ) de que esse princípio não poderia prevalecer por causa do histórico da ré, que já respondia a outros dois processos pelo crime de furto. Ela negou seguimento ao habeas corpus, mas concedeu a ordem de ofício “apenas para fixar o regime aberto para início do cumprimento da pena privativa de liberdade”.

Consta nos autos que o fato ocorreu em 16 de dezembro de 2017, por volta da meia noite, numa residência localizada na rua Moisés Nadaf, bairro Altos da Boa Vista, em Várzea Grande, quando a ré juntamente outra pessoa identificada somente por um apelido tentaram substrair um botijão de gás avaliado em R$ 200.

A mulher e o comparsa pularam o muro e adentraram na residência da vítima, cortaram a mangueira do fogão para a subtração do botijão de gás. Ocorre que a vítima chegou no local, deparando-se com a ré na ação delitiva, pois o comparsa dela fugiu. A Polícia Militar foi acionada e levou a mulher para a delegacia onde ela confessou a tentativa de furto.

A ação penal contra ela tramitou 5ª Vara Criminal de Várzea Grande e recebeu sentença de mérito em junho de 2019, na qual a mulher foi absolvida, pois o juiz Luís Augusto Veras Gadelha julgou extinta a punibilidade. No entanto, o Ministério Público recorreu e conseguiu reformar a sentença no Tribunal de Justiça, que condenou a ré a seis meses de reclusão, em regime inicial semiaberto. Desde então a defesa vem recorrendo do acórdão pedindo aplicação do princípio da insignificância.

A Defensoria Pública sustenta que a avaliação do botijão de gás pelo Tribunal de Justiça de Mato Grosso, no valor de R$ 200 foi “demasiadamente equivocada, pois, essa premissa resultou em circunstância (valoração jurídica) com fito de embasar o afastamento do princípio bagatelar, entretanto, segundo a Agência Nacional do Petróleo (ANP), a época, o valor da res em questão era avaliado em R$ 66,00 (sessenta e seis reais)”.

Essa tese, no entanto, foi desconsiderada pelo STJ e agora pela ministra do Supremo. Eles afastaram a tese de insignificância com base no histórico criminal da ré, pois não era a primeira vez que ela era processada pelo crime de furto.

“A reiteração delitiva gera não apenas o desgaste jurídico na sociedade, como déficit de segurança jurídica e de confiança da sociedade no sistema de justiça, não sendo, por isso, indiferente jurídico. Bem de pequeno valor objeto de furto dezenas de vezes sem reação estatal desserve o sentido do direito que obriga todos na sociedade. Há que se dar resposta diferente ao furto esporádico de um bem de valor insignificante ou multiplicado em práticas repetidas do mesmo delinquente”, consta em trecho da decisão reproduzindo o entendimento do STJ que havia negado o habeas corpus.

Em seu relatório, a ministra Cármen Lúcia pontuou que o Tribunal de Justiça de Mato Grosso ao afastar a aplicação do princípio da insignificância ao caso dos autos, assinalou que o valor da res furtiva não pode ser considerado desprezível e ressaltou também ser a terceira condenação da ré por crime de furto.

“Na espécie, observo que a res furtiva foi avaliada em R$ 200,00 (duzentos reais), valor que não pode ser considerado desprezível, sobretudo porque teria provocado desfalque considerável no orçamento familiar do ofendido caso a apelada tivesse atingido seu intento. Diga-se de passagem que a não consumação da subtração não é o bastante para o afastamento da tipicidade da conduta, limitando-se a provocar reflexos na dosimetria da pena”, escreveu a relatora.

Cármen Lúcia também citou outros dois processos contra a mulher. “Assim, não há falar em ausência de reprovabilidade do comportamento da acusada, que insiste em investir criminosamente contra o patrimônio alheio, a despeito das admoestações do Poder Judiciário. Evidencia-se, nos autos, a contumácia delitiva da paciente. O que decidido no Tribunal estadual harmoniza-se com a orientação jurisprudencial deste Supremo Tribunal”.

Conforme a ministra, o princípio da bagatela também é afastado quando comprovada a contumácia na prática delitiva. “Mesmo praticando crimes de pequena monta, o criminoso contumaz não pode ser tratado pelo sistema penal como se tivesse adotado condutas irrelevantes, pois crimes considerados ínfimos, quando analisados isoladamente, mas relevantes, quando em conjunto, seriam transformados pelo infrator em ilícito meio de vida”.

Por fim, a magistrada ponderou que o Tribunal de Jusitça estabeleceu regime inicial semiaberto para cumprimento da pena privativa de liberdade com fundamento nos maus antecedentes da paciente, o que segundo Cármen Lúcia, mostra-se desproporcional. “Pelo exposto, nego seguimento ao presente habeas corpus, mas concedo a ordem de ofício (caput do art. 192 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal), apenas para fixar o regime aberto para início do cumprimento da pena privativa de liberdade”, despachou a ministra no dia 9 deste mês.





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