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Nacional
Quinta - 31 de Janeiro de 2008 às 10:44
Por: Silas Martí

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Com a bandeira do Brasil cravada no protetor de boca e um "Jesus" tatuado nas costas, Marcelo França, 26, entra no ringue. O curitibano franzino se aquece, exibe os músculos e ostenta o verde-amarelo dos dentes na cara do adversário.

Menos de três minutos depois, deixa a jaula de 25 m2 com sangue escorrendo dos lábios e um rasgo no olho esquerdo.

"Faltou gás", conclui França, estendido no chão e à sombra dos holofotes --mais um dentre dezenas de jovens lutadores que recebem R$ 700 para entrar no ringue, ganhando ou perdendo. Eles têm transporte e hotel pagos pela Rio Heroes, empresa de Miami que organiza lutas de vale-tudo em um galpão na periferia de Osasco, na Grande São Paulo.

A luta é transmitida ao vivo via satélite para Las Vegas, onde o sinal é distribuído pela internet, contornando a lei brasileira ao receber apostas por sites no exterior --um deles com sede na Costa Rica. Os sites patrocinam o evento e estampam as suas marcas no ringue.

"Eu sou o juiz, na verdade mais do que o juiz. Sou um animador. É uma rinha de briga.

Eu boto pilha e torço para quem está ganhando", diz o brasileiro Jorge Pereira, vice-presidente da Rio Heroes, que vira locutor diante das câmeras, anunciando no começo de cada embate e em inglês tortuoso: "ao vivo, do Rio".

Faixa-preta em jiu-jitsu e cego do olho esquerdo, que rasgou numa luta, Pereira, radicado em Miami, veio ao Brasil a pedido do empresário Jason Atkins para recrutar lutadores de vale-tudo "que brigassem de verdade" --ou seja, sem luvas, árbitro ou tempo dividido em rounds, nos moldes do vale-tudo oficial.

Ele se defende dizendo que as apostas não são feitas no Brasil. Acrescenta que tem alvará de funcionamento, quatro seguranças armados, médicos e uma ambulância disponíveis --tudo pelo "amor ao esporte", já que, diz, os campeonatos não dão grande retorno financeiro, embora se recuse a citar cifras.

Mas o prédio na avenida dos Autonomistas, na periferia de Osasco, deveria abrigar uma concessionária de veículos, segundo a prefeitura, e não um ringue de luta-livre -a assessoria da prefeitura afirmou que "um fiscal irá vistoriar o local".

Segundo o promotor José Reinaldo Carneiro, qualquer coleta de apostas não-regulamentadas pelo governo é contravenção penal, desde que as apostas no site sejam feitas a partir do Brasil. Mas os organizadores dizem que os sites bloqueiam lances feitos no país.

Cego pela violência

Muito pouco das apostas feitas pela internet, ao mínimo de US$ 50, pinga no bolso dos lutadores. Look Macrena, 30, que já quebrou a mão e clavícula no vale-tudo, ganha R$ 1.000 por mês. "A gente se vira como pode. Estou para brigar mesmo, é soco na cara a toda hora", diz, atento à luta. "Joelho, joelho", grita, orientando um lutador.

"A testosterona é alta, mas é tranqüilo", diz Pamela Vogue, 27, 600 ml de silicone em cada seio, cabelo oxigenado e microbiquíni amarelo, esperando para entrar no ringue com um cartaz anunciando a grande final. Por R$ 200 anteontem, ela e quatro amigas tiraram uma folga da Solid Gold, boate em São Paulo onde fazem strip-tease, para colorir a batalha.

No 14º encontro do tipo no mesmo endereço, cerca de 200 pessoas se espremiam para ver a rinha humana.

"Quebra a cabeça dele", gritava, grudada na grade da jaula, a dona de academia Leila Werdini, 42, mulher do treinador de Ivonildo Cafu --o rapaz massacrado no centro do ringue. "Eu ajudo, cuido, tenho médico", dizia, enquanto incentivava a continuidade da luta.

Durou 13 minutos, a mais longa da noite. Tempo suficiente para Cafu sair carregado depois de bater a cabeça na grade, desmaiar e vomitar. No dia seguinte, a empresária afirmou: "Ele está ótimo, pronto para outra".

Colaborou WILLIAN VIEIRA, da Folha de S.Paulo





Fonte: Folha de S.Paulo

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