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Internacional
Sábado - 24 de Novembro de 2007 às 21:29

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A epidemia de metanfetaminas não é apenas foco do que ocorre nos EUA. Ela também tem uma base poderosa no coração da Europa Central. Laboratórios caseiros da droga estão surgindo por todo o país para produzir esse entorpecente barato e potente usando pseudoefedrina, substância encontrada em remédio para resfriado comum.

No ano 2000, a polícia invadiu 19 locais de produção de metanfetamina. No ano passado o número havia crescido para 416 –- isso num país com 10,2 milhões de habitantes. O apetite por metanfetaminas na cena das drogas tchecas cresceu devido à estranha engenhosidade incentivada entre usuários uma vez que foram separados de tóxicos importados pela cortina de ferro. Agora, o consumo da droga altamente viciante e freqüentemente injetável parece estar se espalhando a partir da República Tcheca em direção ao restante da Europa.

Se levada pelo fluxo de trabalhadores tchecos imigrando dentro da União Européia ou simplesmente ganhando maior apelo por ser uma alternativa à cocaína pela metade do preço ainda é algo incerto. Mas o número de países na Europa informando que realizou apreensões da droga mais do dobrou entre 2000 e 2005, de 11 para 25, segundo o Gabinete de Drogas e Crime das Nações Unidas. O uso de metanfetamina permanece de longe inferior ao da heroína e do crescente hábito de cocaína do continente.

Apesar da quantidade apreendida ter quadruplicado no mesmo período para mais de 150 kg, a quantidade é pequena quando comparada às mais de cinco mil quilos apreendidos nos EUA. Mas a preocupação é que a disseminação da droga na Europa represente a fundação -– em demanda, produção e distribuição –- de algo que poderia levar a uma explosão do uso da metanfetamina. O súbito crescimento da drogas nos EUA e sua expansão, passando de um problema regional para uma questão nacional é um aviso, segundo especialistas do gabinete anti-drogas das Nações Unidas. “Devemos temer que algo similar ocorra na Europa”, disse um especialista, Thomas Pietschmann, autor do Relatório Anual Mundial sobre Drogas das Nações Unidas.

Os legisladores tchecos e autoridades policiais estão tentando derrubar os pequenos produtores locais que, de acordo com oficias da polícia, estão preparando metanfetamina suficiente para todo o mercado da República Tcheca. Mas a experiência nos Estados Unidos mostrou que uma vez que a demanda estiver clara, poderá ser suprida pelo enorme fluxo do mercado de drogas global. Apesar de os EUA terem feitos avanços significativos na luta contra os pequenos produtores de metanfetamina com restrições mais severas às vendas de medicamentos usados em sua produção, enormes laboratórios no México e na Ásia continuam a suprir os usuários americanos. O desafio é “deter o mercado de metanfetamina enquanto ainda está nos seus primórdios”, disse Pietschmann. “Depois que ele já estiver estabelecido, será muito mais difícil.

“Pietschmann disse que além do país exportar a droga para nações vizinhas, os estados bálticos também a produzem para países do norte, incluindo Suécia e Finlândia; ele ouviu falar até de dois laboratórios descobertos em Viena, odne fica seu escritório. “A droga perigosa porque é fácil de produzir”.

Um “cozinheiro” (fabricante da droga) da pequena cidade de Jesenik, não muito longe da fronteira com a Polônia, disse que enviou diversos lotes de metanfetamina -– conhecida localmente pro seu antigo nome, Pervitin -– para amigos na Inglaterra que foram para lá pra trabalhar. “Eles queria escapar de Jesenik, escapar do Pervitin, mas acabaram chegando lá e me pedindo para enviar a droga para eles”, disse o homem, que cobriu o rosto e se recusou a dar seu nome com medo de ser processado. Em seu rudimentar laboratório, o mundo exterior parece estar isolado pelas pesadas cortinas isolantes improvisadas, tapetes velhos e cobertores pregados sobre as janelas.

O “cozinheiro” cuidou com extrema atenção de sua borbulhante mistura vermelha e disse que aquilo renderia mais de meio quilo de metanfetaminas caseiras. Apesar daquele lote de droga sozinho –- que poderia produzir centenas de doses -– valer, com base na média dos preços das ruas, cerca de US$ 1800, ele tinha tão pouco dinheiro que não podia nem fazer chamadas telefônicas com seu celular pré-pago porque não tinha crédito. Ele disse que não vendeu sua produção, mas a usou com amigos. A polícia do país diz que círculos tão unidos de usuários são comuns por aqui e a descentralização é parte da dificuldade em fechar as operações. “Se um deles é desbaratado, três outros brotam em outro lugar”, disse Bretislav Brejcha, chefe do grupo de prevenção e metodologia do quartel general da polícia.

No tempo em que a então Tchecoslováquia estava sob o jugo do comunismo, viciados tinham que reproduzir sua própria droga concentrando medicamentos. Essas drogas eram fabricadas por grupos pequenos e unidos de usuários, conhecidos como “esquadrões” e eram usadas para consumo do próprio grupo e não para distribuição e venda. A metanfetamina surgiu na cena local nos início da década de 70 e tanto ela quanto outras drogas explodiram com o fim do comunismo e abertura do país em 1989.

Dos cerca de 30 mil “usuários de drogas problemáticos” identificados pelo governo tcheco, 20 mil usam Pervitin -– nome utilizado para o comércio da droga quando os militares nazistas a ministravam aos solados e pilotos como antídoto contra fadiga. Entre os usuários problemáticos, 90% injetam a droga com agulhas -– prática conhecida nos EUA como “slamming” -– em vez de cheirá-la ou fumá-la. Mais de um terço dos usuários de drogas intravenosas da República Tcheca tem hepatite C, apesar de a taxa de contágio pelo vírus HIV permanecer baixa, inferior a 1%.

De acordo com o departamento de narcóticos dos EUA, a República Tcheca tem alto índice de uso de cannabis, o maior de todo para ecstasy e “de longe” o piro caso de abuso de metanfetaminas de toda a Europa. Eles talvez tenham sido encorajados a isso pela acessibilidade do ingrediente principal. A cidade de Roztoky, nas imediações de Praga, teve um das maiores fábricas de efedrina do mundo até 2002. De acordo com a polícia tcheca, esse foi o ano em que a fábrica começou a fechar sua produção da substância química. Não por coincidência, dizem eles, foi o ano em que o número de laboratórios que sofreram batida policial quase quadruplicou, passando de 28 no ano anterior para 104. A polícia disse que até aquele momento, grupos maiores e mais organizados estavam obtendo a efedrina da fábrica e produzindo a droga em quantidade para vender nas ruas. Agora, o sistema de produção voltou para as mãos de pequenos grupos como no tempo do comunismo está chegando a lugares pequenos e distantes. O parlamento está trabalhando numa lei para dar aos farmacêuticos controle sobre a quantidade de remédio para resfriado contendo pseudoefedrina que acham adequada para vender a um só consumidor. A pseudoefedrina é utilizada para produzir a droga quando a efedrina pura não está disponível. Outros afirmam que um registro nacional listando todas as vendas de substâncias usadas como matéria-prima na fabricação de drogas deveria ser obrigatório.

“Uma solução em que a farmácia irá decidir sem um registro nacional não vai resolver o problema”, disse Brejcha. A pessoa que “cozinha” a droga em Jesenik concordou com isso. “Alguns farmacêuticos consideram 100 caixas uma quantidade adequada”, disse o homem, que admitiu ter usado a droga por mais de uma década, mas disse que a fabricou apenas durante dois anos e meio. A uma curta distância da fronteira com a Polônia, Jesenik está entre os locais mais isolados de toda a República Tcheca. Não existem rodovias e até uma leve neve de novembro nas montanhas faz com que percorrer as estradas sinuosas se torne algo perigoso. Ao contrário de outras comunidades rurais, os habitantes não têm raízes profundas aqui. Pessoas de etnia alemã, que costumavam ser a população principal, foram expulsos depois da Segunda Guerra Mundial.

A maior parte das Indústrias da época do comunismo desapareceu depois que a Revolução de Veludo derrubou aquele governo. “Pessoas jovens e instruídas estão à toa”, disse Jiri Stana, o vice-prefeito. “Não há emprego para elas. Quem é inteligente o bastante está em Praga”. O governo local detém as estatísticas sobre o número de usuários da metanfetamina, mas o chefe de uma pequena clínica para viciados perto da estação de ônibus desta cidade de 12500 habitantes afirmou que os funcionários já doaram mais de 17 mil agulhas limpas em apenas dez meses. Em cidades maiores, a situação é realmente anônima”, declarou o diretor da clínica, Josef Vondrka, 31 anos, ele próprio um ex-usuário. “Aqui é mais pessoal. Ir a uma farmácia e pedir seringas acaba com o anonimato imediatamente”.

Vestindo capuz preto e grandes botas negras, ele não pareceria deslocado num show de punk hardcore. Mas as botas, disse ele, eram proteção caso pisasse em agulhas usadas. No centro, os clientes podem tomar banho, lavar suas roupas, tomar um café e receber aconselhamento. O centro também faz testes de HIV. Lenka, uma usuária de 23 anos que se recusou a dar seu sobrenome, disse que em manhãs recentes bateu na porta de cinco vizinhos –- todos usuários da droga –- e não conseguiu encontrar ninguém que lhe conseguisse uma agulha limpa. “Muita gente não começa a usar cheirando, como era antigamente”, declarou ela. Apesar de ser usuária há seis anos, Lenka afirma que se recusou a fabricar a droga por conta própria. “Se você começar a fazer isso, a coisa pode ficar muito perigosa”, declarou a jovem, “porque não dá mais pra parar”. O “cozinheiro” local da droga concorda. “Quando me perguntam como fazer metanfetamina, eu sempre digo ´Não vou te ensinar a fazer isso”, disse o homem enquanto acrescentava iodo à sua mistura. “Não faça isso. Quando você aprende a fabricar a droga, você morre”. “Acho que vou morrer por causa disso”, disse ele enquanto ficava atento ao termômetro enterrado na grossa mistura vermelha.




Fonte: New york Times

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