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Cultura
Sexta - 15 de Abril de 2005 às 23:10
Por: David Thompson

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Nova York - Já faz tempo, mas muitos ainda se lembram de que Stanley Donen (que completou 81 anos no dia 13) realizou Cantando na Chuva; que Cyd Charisse fez loucuras com suas longas pernas naquele filme, assim como em A Lenda dos Beijos Perdidos, A Bela do Bas-fond e Meias de Seda; que Elizabeth Taylor emprestou seus olhos violetas e seus cabelos pretos para testes de Technicolor; e que houve outras estrelas como Debbie Reynolds, Margaret O’Brien (que esmagou o homem de neve depois de Judy Garland ter cantado Have Yourself a Merry Little Christmas), e muito mais, sem esquecer do Mick, o senhor Rooney - salve, espírito jovial - que percorreu toda a escala, de Puck, em Sonho de uma Noite de Verão, a O Assassino Público n.º 1.

Eu sei, esses dois últimos filmes não foram considerados da Metro-Goldwyn-Mayer, mas ninguém é perfeito, e Mickey Rooney era o garoto americaníssimo em seu estúdio doméstico, que finalmente saiu do ramo cinematográfico na semana passada com sua aquisição pela Sony e por um grupo de investidores por cerca de U$ 5 bilhões. A morte dessa instituição, a MGM, foi anunciada muitas vezes ao longo de seus 81 anos de história. Em 1936, quando o menino prodígio Irving Thalberg morreu, houve quem dissesse que ela jamais seria a mesma. Mas foi, para o bem e para o mal. Thalberg amava Lon Chaney e Norma Shearer. Ele incentivou os Irmãos Marx, mas pôs canções em seus filmes, e cortou quase quatro quintos de Ouro e Maldição, o ambicioso épico de 10 horas de Erich von Stronheim. Meninos prodígios são freqüentemente meninos que ficam imaginando como podem levar a melhor.

Aí Louis B. Mayer, a figura paterna, chefe e adversário secreto de Irving, foi demitido em 1951 depois de chefiar a operação da Costa Oeste desde 1924, o mais alto salário dos Estados Unidos, amigo de presidentes e o mais genuíno e constante ator no estúdio. O que isso significava? Que ele percebeu que estava vivendo num filme o tempo todo. Ele era, como dizem, um homem que bebia seu próprio álcool e jamais percebia que estava bêbado.

Por 20 anos ou mais, a MGM pareceu o velho lugar, resistindo, refilmando um grande hit do passado, Ben-Hur, refazendo Núpcias de Escândalo como Alta Sociedade, e pondo a cabeça de leão em Doutor Jivago, 2001: Uma Odisséia no Espaço e Zabriskie Point. Mas, em 1969, o financista Kirk Kerkorian comprou o estúdio. Ele acabaria gravando as três grandes iniciais num bunker esmeralda em Las Vegas. Ele reduziu a produção de filmes, organizou uma venda de propriedades do estúdio - bagatelas como o sapatinho vermelho de Dorothy, nada de partir o coração - e teria queimado um grande volume de papéis (a história de nossa história) para fazer espaço.

Em 1985, Kerkorian possuía a MGM e a United Artists, e Ted Turner subseqüentemente comprou o pacote dele para poder possuir a coisa que talvez mais amasse no mundo, E o Vento Levou, e assim ter os direitos de vídeo à biblioteca da Metro. Despojada desses ativos, a propriedade reduzida e cada vez mais esfrangalhada voltou para Kerkorian.

Giancarlo Parretti foi o proprietário seguinte, e, depois, em 1993, a Sony comprou a propriedade de Culver City, o que quer dizer, os estúdios de gravação, o edifício Thalberg, a colunata grega do Bulevar Washington e todo o sentimento que fora deixado.

Três anos depois, o obstinado Kerkorian voltou à carga, mais velho e com menos idéias em cada volta. Agora, a coisa toda pertence a algumas companhias de investimento e à Sony.

Para ajudar no pagamento da compra, o pessoal será reduzido de 1.500 para 200. Nada será deixado além de algumas poucas pessoas para operar uma pequena biblioteca, e as memórias de pessoas como Mick. À medida que os estúdios se transformam em bibliotecas, e os filmes se transformam em digitais, o cinema - as grandes coisas que já fizemos - parece fadado a se tornar experiências miniaturizadas, com tomadas externas, finais variados e diretores que se lembram de como eles eram inteligentes.

Não que a MGM tenha sido o melhor estúdio, embora tenha se saído melhor que a maioria em matéria financeira. Ele nem sempre foi tão ousado quanto a Warner Brothers, a Paramount ou a RKO. Gostava de projetar uma visão muito segura, conservadora, da imaginação americana.

E podia trapacear: embora reivindicasse E o Vento Levou como um filme da MGM, aquela coisa imensa se deveu à obsessão de David O.Selznick, que teve toda razão de ficar longe de Mayer (o homem que também era seu sogro). Obsessão criativa não era mesmo a coisa da Metro, e o estúdio só tirou E o Vento Levou, enfim, da loucura de Selznick e por um conjunto de acordos secretos feitos pela ex-mulher de Selznick (e filha de Mayer). Foi um assunto familiar, razão de sobra para não se ficar demasiado sentimental sobre ele.

Por outro lado, é o estúdio onde King Vidor dirigiu Judy Garland cantando Over the Rainbow e, depois, quando idiotas acharam a canção muito triste, Mayer disse: “Deixem no filme.” Foi o estúdio que lançou pelo menos duas horas de Ouro e Maldição, e Monstros (que de algum jeito passou sem ser percebido), Agora Seremos felizes, América (um filme espantosamente belo de 1944, de novo de King Vidor), além de boa parte de Buster Keaton, O Vento (com Lillian Gish), A Roda da Fortuna, Intriga Internacional, David Copperfield (aquele com W. C. Fields como Micawber), todo Garbo, a maior parte do Gable, A Loja da Esquina, de Fred Zinnemann, Ato de Violência, Fred Astaire cantando By Myself e dançando no teto e - bem, vocês os conhecem, façam sua própria lista.

Essa empresa foi criada por pessoas que fugiram da Europa Oriental com pouquíssima educação e um desejo admirável de serem bons americanos. Se esse foi uma esperança ilusória ou um sólido ideal ainda é uma questão em aberto; pode ser relevante respondê-la dizendo que a indústria cinematográfica em Los Angeles ainda não tem seu próprio grande museu.

A Academy of Motion Picture Arts and Sciences está cuidando disso neste momento. Mas há quem diga que o cinema foi passageiro. Ele veio, ele foi, como O Vento. Se você esteve lá no tempo certo jamais esquecerá.Mas você será esquecido. Quanto a se transformar a memória numa instituição, talvez a idéia sempre tenha sido demasiado frágil. É como Agora Seremos Felizes, em que Margaret O’Brien ouve sua irmã Judy cantar o mais belo blues de Natal de todos os tempos, e depois corre para o jardim e destrói seu homem de neve num acesso de fúria. E você percebe, a família dela estava planejando sair da cidade, e ela imaginava que jamais poderia voltar para casa.

David Thomson é escritor. Seu mais recente livro é The Whole Equation: A History of Hollywood





Fonte: Agência Estado

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