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Comportamento
Domingo - 31 de Março de 2024 às 08:42
Por: Andrelina Braz/Mídia News

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Amanda e Anna são casadas desde 2020 e enfrentam o preconceito diariamente

O último dia 25 de março foi marcado pelo Dia Nacional do Orgulho LGBTQIA+, mas pouco se tem a comemorar. Um dia depois, milhares de publicações nas redes sociais xingavam uma servidora trans de uma escola de Várzea Grande por discursar contra bulliyng e homofobia aos alunos da instituição.

Não podíamos ficar na mesma sala, não podíamos ficar nos corredores e qualquer proximidade éramos advertidas

Uma pessoa gravou a fala e compartilhou na internet, o que gerou acusações de que ela estaria “doutrinando” crianças. Nas reações, mensagens tratando a profissional no masculino e outras pedindo a demissão dela.

O discurso da profissional teria se originado após um episódio de homofobia dentro da instituição.


Docentes em instituições de ensino localizadas na Capital, o casal Amanda Bernardo e Anna Lisboa lidam com o preconceito desde o período em que estudavam. Elas são casadas desde 2020, mas namoradas desde a adolescência.


“Quando começamos a nos relacionar, contamos aos nossos pais e as coisas ficaram péssimas. Sofremos dentro de casa e fora dela, principalmente na escola. Tive que sair de casa aos 16, porque morava com um padrasto preconceituoso e agressivo. Dentro da escola, a gente sofria com todos os funcionários. Não podíamos ficar na mesma sala, não podíamos ficar nos corredores e qualquer proximidade éramos advertidas” relembrou Anna, que hoje tem 26 anos.

Na época, as jovens estudavam em uma escola pública localizada na região central de Cuiabá. Com pesar, elas recordam de traumas ocasionados pelos servidores da Instituição, que não velam o preconceito e as perseguiram nos corredores da escola.

Para evitar a violência, Amanda recordou que teve que mudar de turno escolar e, consequentemente, de rotina durante o período do ensino médio.

“Lembro que no final do ano, a moça que cuidava do pátio me chamou e pediu perdão, porque ela era obrigada a ficar seguindo a gente pela escola. Metade da nossa sala nos acompanhou até a sala do diretor, gritando, porque a gente não estava fazendo nada de errado, e eles [Instituição] sabiam disso”, acrescentou Amanda.

Agora como profissionais, e mesmo com a diferença de uma década, o cenário de preconceito continua se repetindo na rotina das duas.

“Hoje em dia me considero uma mulher desfem [não performa feminilidade] e também por ser autista, me sinto confortável com poucas roupas. Trabalhávamos em um lugar onde pessoas destilavam preconceito de várias formas possíveis", disse Anna.

"Certo dia, vi pessoas usando certo tipo de roupa e resolvi usar também, mas me chamaram na direção da escola para me dizer que não podia parecer um homem dentro da escola. Que eu tinha que me vestir como mulher para continuar trabalhando, mesmo que minha roupa fosse similar a de outras mulheres da Instituição”, acrescentou.

Sabendo do impacto que a Instituição de ensino pode causar na vida de pessoas queers, Amanda disse crer que o preconceito contra pessoas LGBT+ deve ser combatido em ambientes públicos e sociais.

Confesso que ainda vivo com medo, por exemplo, de algum aluno saber que sou casada com minha esposa

“Confesso que ainda vivo com medo, por exemplo, de algum aluno saber que sou casada com minha esposa, contar para os pais e se isso tumultuar a gente [e o nosso trabalho]”, disse Amanda.

“Eu penso assim: as mudanças têm que vir da criação, ou seja, esse preconceito estrutural tem que ser discutido para que as futuras gerações não passem por essas coisas, mas me pergunto como acabar com esse preconceito estrutural?”

“Quando meu pai descobriu, ele correu na escola para pedir orientação e a escola orientou ele de uma forma. Então, hoje sei que é dever da escola educar a comunidade de pais e responsáveis, porque fora dos portões, tem crianças morrendo e sendo espancadas”, afirmou Amanda.

Luta diária

Advogada e ativista, Daniella Veyga é uma das que lutam diariamente para mudar o cenário de preconceito que se vê em Mato Grosso. Ela se tornou no ano de 2020 a primeira mulher travesti a conseguir o registro na Ordem dos Advogados (OAB-MT).

Para ela, populações colocadas à margem da sociedade, terem a oportunidade de ocupar o centro da mesa de discussão é essencial para reverter o cenário de preconceito e exclusão.

“Nossos corpos estão se colocando em espaços que antigamente não éramos bem-vindas, que não éramos acostumadas a estar. A partir desse momento, estamos mudando essa narrativa", afirmou ela.

Acervo pessoal

Daniella Veyga

Daniella Veyga é a primeira mulher trans a se inscrever na OAB-MT

"Nós estamos nas universidades, estamos nas ruas, nos ambientes sociais. Então, a partir do momento que nos movimentamos, conseguimos movimentar toda uma máquina social, uma máquina política, para que a gente possa ser vista” acrescentou.

Para Daniella, com as eleições municipais se aproximando, a presença de candidatos LGBTQ+ e a apresentação de projetos de governo com políticas públicas voltados a grupos marginalizados é essencial o avanço de pautas sociais que gerem igualdade social a todos.

“Mato Grosso não garante [a execução plena dos direitos LGBT+]. Esse é um estado de políticos conservadores que são reflexo dos seus eleitores, que também são conservadores", disse ela.


"No interior, as pessoas LGBT+ são mais hostilizadas, com violência moral, física e psicológica, de forma constante. Em Cuiabá, ainda há um avanço social, ainda que tímido, mas tem esse avanço, isso junto com alguns movimentos sociais possibilita que a gente cobre políticas públicas” afirmou.


Coragem

Diante do cenário de insegurança, grupos sociais continuam se mobilizando em Cuiabá e pelo estado. Anna, Amanda e Danielle sabem a importância que a luta de projetos sociais pode trazer para a conquista de direitos que protegem e garantem direitos igualitários a populações LGBT+.

“Ainda é difícil ser uma pessoa LGBT, não só em Mato Grosso, mas no Brasil e no mundo todo. Só que a gente tem um diferencial: temos coragem. Porque se a gente enfrenta tudo que enfrenta, a gente tem coragem de procurar emprego e de ir para o fronte de batalha” finalizou Daniella.





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