Habemus papa
Os governantes, em geral, usam a religião para justificar o seu poder e permanência- até de décadas, governando sem contestação. A expressão acima- “habemus papa” é usada pelo Vaticano, para informar ao povo que foi eleito um novo Papa: Agora, temos um novo governante. O ditador general Franco, "Caudilho da Espanha pela Graça de Deus" referia-se frequentemente à Providência Divina: "Deus colocou em nossas mãos a vida de nossa Pátria para que a governemos".
O mundo sabe como ele governou, com sangue, terror e mortes de adversários e população civil indefesa. O marechal Idi Amin Dada, ditador de Uganda, garantia ao povo que conversava com Deus, em sonhos, que ratificava seus atos. Um jornalista perguntou: "o senhor conversa com frequência com Deus"? Resposta: "só quando necessário". Já em Gana, os eleitores cantam assim a figura de Nkrumah: "o infalível, o nosso chefe, o nosso Messias, o imortal".
Bolsonaro não fica atrás. É o novo “messias”, enviado por Deus, segundo seus seguidores, para a redenção do Brasil: infalível; não pode ser contestado, é aclamado diariamente por bolsonaristas agressivos e violentos, nas redes sociais e nas ruas. Ele próprio o revelou, após a fala de um pastor evangélico do Congo, Steve Kunda: "Na história da Bíblia, houve políticos que foram estabelecidos por Deus. Um exemplo quando falam do imperador da Pérsia Ciro. Antes do seu nascimento, Deus fala através de Isaías: 'Eu escolho meu servo Ciro'. E o senhor Jair Bolsonaro é o Ciro do Brasil. Vocês querendo ou não".
Seu slogan de governo coroa a ideia: "Brasil acima de tudo; Deus acima de todos". O Ministro das Relações Exteriores disse textualmente que Bolsonaro era “enviado divino”. As mensagens do tuite, que é o Diário Oficial do governo, e de seus seguidores, atesta o fato.
Pesquisa mostra que, em 2019, de cada 100 tuítes postados com a palavra Bolsonaro, quatro traziam citações a Deus, Jesus ou Cristo. Entre os mais citados também apareceu Satanás, como fez questão de mencionar, em sua postagem o usuário do Twitter Beto Silva. "Satanás e seus asseclas amam a mentira. O problema é que a mentira nunca prevalece sobre a verdade. Resumindo: eles continuarão fracassando e Bolsonaro continuará cavalgando no lombo deles".
Parodiou Glauber Rocha: o santo guerreiro e o dragão da maldade. O Bispo da Igreja Universal, Edir Macedo, pede que Deus 'remova' quem se opõe a Bolsonaro. E acusou políticos de tentarem "impedir o presidente de fazer um excelente governo". Disse ainda que Marcelo Crivella enfrenta "impeachment do inferno".
Antes lulista, agora bolsonarista. Rei morto, rei posto. Herói, salvador da pátria, guerreiro, super-homem, pai dos pobres e até enviado dos Céus. A imprensa, porém, ao tecer críticas a esse endeusamento e mostrar que o herói tem pés de barro, é demonizada, ridicularizada, porta voz dos inimigos.
Não tenho certeza se é esse o tipo de governante que o Brasil precisa e elegeu, que vive no palanque, que precisa de passeatas de apoio, aos 5 meses de governo, enquanto o país desmorona na violência, no desemprego. A perda de credibilidade precoce é patente; a desilusão dos que voltaram num anti-lula, também; sem falar na falta de rumo do governo, das constantes mudanças de dirigentes dos órgãos, brigas que ele mesmo implementa nas redes sociais, com o apoio dos filhos, um guru desrespeitoso e boçal, um verdadeiro apartheid social por meio da guerra da polarização discursiva, que contamina a todos, seguidores ou não.
Somos um Estado teocrático? Precisamos de um Aiatolá? Segundo especialistas, a passeata prevista de apoio no próximo domingo pode ter dois resultados: mostrará a fragilidade precoce do governo- pouco apoio público, ou acirrará a divisão ideológica nacional e os confrontos entre executivo, legislativo e judiciário e os “inimigos” reais ou fictícios, como assistimos diariamente. Qualquer dos dois cenários será péssimo para o momento atual que atravessamos.
O problema parece estar na não realização das expectativas de campanha. Sem novidades relevantes no campo econômico doméstico e com um carregado noticiário político negativo para a família Bolsonaro no Rio de Janeiro, todas as fichas estavam depositadas na sua perfomance de Estadista, que não tem se realizado, principalmente na sua relação com o Congresso Nacional, com declarações e desmentidos de amor e ódio. O jornal francês Le Monde aborda o governo Bolsonaro como um problema para o país. O diário apresenta Bolsonaro, como “o Trump dos trópicos”.
O jornal avalia que, três meses depois de ter tomado posse, “o presidente brasileiro parece não estar tomando a medida de suas responsabilidades, abordando seu eleitorado mais radical e esquecendo o resto do país, que enfrenta desafios assustadores”. Confirmando sua reputação como “Trump dos Trópicos”, ele é rápido para castigar os inimigos eternos: “o socialismo, mídia ou os direitos humanos.
O mínimo que podemos dizer é que o começo do governo é decepcionante”, diz Thomaz Favaro, da Control Risks. “Houve um equívoco de que ele tinha uma base sólida de apoio, mas acho que percebemos que essa base não é tão forte quanto pensávamos”, acrescenta. O jornal reporta que o líder brasileiro, apresentado como “um populista de direita”, anunciou que queria tornar o Brasil mais seguro e criar empregos. “Em vez disso, elogia a ditadura militar e envergonha o país no exterior”.
O texto diz que, mesmo entre seus eleitores, a euforia há muito se transformou em desilusão profunda. ”A prometida recuperação econômica não veio. Em vez disso, o governo, que é dominado pelos evangélicos, militares e ultraconservadores, é mencionado por incompetência, escândalos e lutas internas pelo poder”.
Desde o início do seu governo, seu mandato foi marcado por “lutas internas em sua administração”, “insultos a adversários e aliados”, “elogios à ditadura brasileira de 1964-1985” e à escassez de leis aprovadas pelo Congresso”. (tradução livre). Em resumo: temos um “papa”, mas decepcionante como o foram muitos papas na história da Igreja Católica. É torcer para que ele acerte o rumo, mesmo que seja com uma “ajuda” divina. "Não só de fé vive o homem, mas também de pão e seus compostos e similares." Machado de Assis.
(*) Auremácio Carvalho é Advogado.
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