Os efeitos e a utilização "social" de antidepresivos foram tema de debate ontem durante o Congresso Cérebro, Comportamento e Emoções, que acontece em Gramado (RS) até sábado (12).

Que o uso desses medicamentos atenua traços da personalidade do paciente, ninguém discorda. O que os médicos discutem é se esse resultado é nocivo ou se deve ser encarado como uma decorrência previsível do tratamento.

A base da conversa foi a pesquisa do psiquiatra Valentim Gentil, do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da USP, que há 20 anos estuda o efeito dos antidepressivos em voluntários sem diagnóstico da doença. Segundo os dados apresentados por ele, 30% das pessoas que não têm sintomas de depressão e se voluntariam a tomar os remédios relatam alguma modificação na sua maneira de ser, desde uma maior leveza no trato dos assuntos cotidianos até uma felicidade artificial.

Em um vídeo mostrado à plateia, um dos voluntários da pesquisa relata que seu humor melhorou com o uso do antidepressivo, que voltou a ser mais brincalhão com os colegas de trabalho e que ganhou mais paciência para fazer compras com a mulher. Mesmo assim, não gostaria de continuar tomando o medicamento. "É artificial, e não gosto de nada artificial."

SOLUÇÃO FÁCIL

Para o psiquiatra Diogo Lara, da PUC-RS, há um preconceito em relação à ação dos remédios sobre o humor dos pacientes. "Se a pessoa muda porque começa a fazer exercícios físicos, tudo bem. Se a causa são os remédios, aí não pode."
Lara disse, durante o debate, que há uma espécie de campanha para que as pessoas superem seus problemas por meio do sofrimento ou da terapia, como se a medicação fosse uma espécie de solução fácil.

As mudanças na personalidade, segundo os estudos de Gentil, são revertidas com o final do tratamento ou até mesmo com a substituição do antidepressivo por um placebo. O problema da alteração de comportamento, portanto, seria mais preocupante para pacientes que fazem tratamentos mais longos com os remédios.

Gentil tocou também na questão do uso "cosmético" dos antidepressivos, como forma de a pessoa melhorar sua performance social. "Até que ponto fazemos uma intervenção terapêutica, e até que ponto, "cosmética"?", questionou.
"O álcool e, agora, o Viagra, estão no mesmo nível dos antidepressivos sob esse ponto de vista", afirmou o psiquiatra Rodrigo Bressan.