O brasileiro de origem italiana Fernando Lattarulo aguarda por notícias de sua mulher, a jornalista italiana Angela Lano, 47. Ela estava no comboio de barcos organizado pela ONG Free Gaza, um grupo de seis navios, liderados por uma embarcação turca, que transportava mais de 750 pessoas e 10 mil toneladas de ajuda humanitária para a faixa de Gaza.

O comboio foi atacado na madrugada desta segunda-feira pelo Exército de Israel, incidente que deixou ao menos dez mortos e cerca de 30 feridos.

"Ela tinha intenções de morar uns dois anos no Brasil, pois ficou impressionada ao ter contato com a comunidade islâmica no País. Disse que se fosse assim no mundo todo, não haveria tantos problemas", conta Lattarulo, que mora em Turim, no norte da Itália, e tem família em Brasília.

Em seu site, Lano conta que colaborava para jornais como "La Repubblica" e "Il Manifesto" e especializou-se em árabes e islamismo.

"O último contato que tive com ela foi às 2h aqui da Itália (7h em Brasília) por telefone via satélite e ela me contou que estavam sendo interceptados por navios de guerra israelenses", conta Lattarulo. Depois disso, ele perdeu o contato com a mulher. A notícia oficial que teve há pouco foi de que o navio já atracou, mas que todos seriam deportados imediatamente de Israel.

O grupo tentava furar o bloqueio de Israel à entrega de mercadorias aos palestinos. De acordo com a imprensa turca o ataque ocorreu em águas internacionais, mas as forças de defesa de Israel alegam que as embarcações tinham invadido seu território.

"Angela disse que no navio eles estavam fazendo um curso de não-reação, estavam sendo ensinados a não reagir a nenhum tipo de agressão."

"Isso foi um sequestro. Eles estavam em águas internacionais. Havia deputados europeus nos navios. Isso não pode acontecer, um ataque de um Estado desse tipo", diz Lattarulo, inconformado.

O presidente da Autoridade Nacional Palestina (ANP), Mahmoud Abbas, decretou três dias de luto nos territórios palestinos devido ao ataque israelense à "Frota da Liberdade". Em comunicado emitido na cidade cisjordaniana de Ramallah através da agência oficial palestina "Wafa", Abbas não anunciou, no entanto, uma interrupção do diálogo indireto de paz que mantém com Israel.

Cineasta brasileira

A cineasta brasileira Iara Lee estava a bordo de um dos barcos, mas ainda não se sabe se ela está entre as vítimas da ação israelense.

O último contato feito por Iara ocorreu na noite de ontem, quando, segundo amigas, ela postou mensagem no site de relacionamentos Facebook anunciando que o barco em que ela estava fora cercado pela Marinha de Israel. A brasileira embarcou na última quinta-feira a partir da Turquia e vinha dando notícias graças a uma conexão internet disponível no barco em que ela estava.

Em carta escrita antes do embarque, Iara justificou a participação na missão a Gaza dizendo que pretendia chamar atenção para o que ela considera "grave abuso de direitos humanos" cometidos por Israel contra a faixa de Gaza.

Além de militar pela paz e pelo diálogo entre culturas, Iara Lee é uma produtora e cineasta brasileira de ascendência coreana radicada nos EUA. Entre suas obras estão os documentários "Synthetic Pleasures" (1995), que trata do impacto da alta tecnologia sobre a cultura de massas, e "Modulations" (1998), considerada uma das obras cinematográficas mais importantes sobre música eletrônica.

Iara é divorciada e não tem filhos.

Itamaraty

O governo brasileiro condenou nesta segunda-feira, em nota oficial, o ataque ao comboio humanitário organizado pela ONG Free Gaza, um grupo de seis navios liderados por uma embarcação turca que transportava mais de 750 pessoas e 10 mil toneladas de ajuda humanitária para a faixa de Gaza, deixando ao menos dez mortos e cerca de 30 feridos.

A nota indica que o governo convocou o embaixador de Israel ao Itamaraty para que seja "manifestada a indignação do governo brasileiro com o incidente e a preocupação com a situação da cidadã brasileira".

"O Brasil condena, em termos veementes, a ação israelense, uma vez que não há justificativa para intervenção militar em comboio pacífico, de caráter estritamente humanitário. O fato é agravado por ter ocorrido, segundo as informações disponíveis, em águas internacionais. O Brasil considera que o incidente deva ser objeto de investigação independente, que esclareça plenamente os fatos à luz do Direito Humanitário e do Direito Internacional como um todo", diz o governo brasileiro no comunicado.

Explicação israelense

O ministério das Relações Exteriores de Israel compilou uma nota tentando justificar o ataque do Exército israelense contra a "Frota da Liberdade" na madrugada desta segunda-feira (31). Traduzido para várias línguas e divulgado pelas embaixadas israelenses ao redor do mundo, o documento visa conter a rejeição da comunidade internacional ao ataque, julgado como "desproporcional".

O governo afirma que os tripulantes das seis embarcações não eram ativistas e sim terroristas. Para embasar sua defesa, o ministério das Relações Exteriores publicou vídeos que mostrariam como os tripulantes tentaram atacar os soldados.

Segundo a nota o chanceler israelense, Avigdor Lieberman, "os membros da embarcação não estavam em missão de paz e são, na verdade, terroristas que atacaram os militares das FDI [Forças de Defesa de Israel] quando estes abordaram a embarcação que se dirigia à faixa de Gaza".

Ainda de acordo com o comunicado, as tropas israelenses teriam tentado "dialogar e alcançar um entendimento com os organizadores da frota.

O comunicado lembra ainda que "todas as solicitações de Israel ao Hamas para que fosse autorizada a entrada da Cruz Vermelha na faixa de Gaza, com o fim de visitar e atender o soldado israelense sequestrado, Gilad Shalit, foram negadas".

Para o governo israelense a tentativa do comboio humanitário de furar o bloqueio à faixa de Gaza e entregar suprimentos à região foi uma "violência pré-planejada pelo grupo que atacou as FDI e Israel não permitirá qualquer ofensiva ao seu Estado por parte de grupos terroristas ou seus apoiadores".

COM SAMY ADGHIRNI