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Terça - 22 de Novembro de 2011 às 07:09

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Os ativistas egípcios podem identificar o momento em que sua revolução começou a se desviar do caminho: foi o dia da maior vitória deles, quando manifestantes em êxtase com a queda do presidente Hosni Mubarak aplaudiram o exército que tomou o lugar dele. Os manifestantes gritaram "o exército e o povo são uma mão só".

Nos nove meses transcorridos desde então, os generais governantes --todos nomeados por Mubarak e defensores acirrados do governo dele-- mantiveram controle férreo sobre um processo que os revolucionários esperavam que desmontasse o regime antigo, em uma transição para a democracia.

As forças armadas reforçaram seu domínio, concedendo-se poderes avassaladores, e a governança do país vem fraquejando, deixando os egípcios preocupados com a turbulência nas ruas e a economia em falência.
Os grupos de jovens que arquitetaram o levante de 18 dias contra Mubarak que começou em 25 de janeiro foram afastados, marginalizados e isolados.

"Não deveríamos ter saído das ruas. Entregamos o poder de bandeja aos militares", disse o ativista Ahmed Imam, 33 anos. "Os revolucionários voltaram para casa antes da hora. Pegamos o espólio de guerra e partimos antes de a batalha ter chegado ao fim."

Meses de raiva com o modo como os militares vêm lidando com o período de transição transbordaram neste fim de semana, desencadeando enfrentamentos na praça Tahrir, no centro do Cairo, que terminaram com 20 manifestantes mortos e centenas de feridos.

Os manifestantes reivindicavam inicialmente que as forças militares anunciassem rapidamente uma data para a transmissão do poder a um governo civil, mas o clima mudou no domingo, após uma tentativa das forças de segurança de esvaziar a praça.

Agora os manifestantes estão dizendo que os generais não passam de uma extensão do regime de Mubarak e estão pedindo que o governante militar marechal de campo Hussein Tantawi e seu conselho de generais renunciem em favor de uma administração civil interina.

As eleições que começam em 28 de novembro para a escolha do primeiro Parlamento pós-revolucionário prometem ser o primeiro pleito justo e limpo na história recente. Mas, ao invés de um clima de alegria e entusiasmo, os egípcios parecem estar mais confusos. O sistema eleitoral é complexo e desajeitado, e a votação será feita ao longo de meses. Muitas pessoas não têm clareza sobre quem são os candidatos.

Os partidos fundamentalistas islâmicos --especialmente a poderosa Irmandade Muçulmana-- estão previstos para serem os maiores ganhadores, ficando com a maioria dos assentos no Parlamento. Mas, não importa quem ganhe, há dúvidas quanto a se o próximo governo terá força suficiente para desafiar os generais, que continuarão onde estão e que vêm opondo resistência a reformas importantes.

As forças armadas já estão tentando dominar a maior prioridade do Parlamento: a formação de uma comissão para redigir uma nova Constituição. Mas o Conselho Supremo das Forças Armadas o organismo de comando dos generais e entidade governante exigiu um papel político para si como "protetor" da Constituição, poder de veto sobre a redação do documento e cláusulas que manteriam em segredo o orçamento militar.

Quando for eleito um presidente a eleição para presidente está prevista inicialmente para o final de 2012 ou início de 2013, é provável que o vencedor fique em dívida com os generais, ou porque terá formação militar, ele próprio, ou porque os militares talvez tenham adquirido poderes mais abrangentes.

"Se eu tivesse saído do Egito na véspera da revolução, em 24 de janeiro, e voltado hoje, eu não saberia que uma revolução ocorreu, exceto pela falta de segurança e a deterioração da economia", disse o Nobel da Paz Mohamed ElBaradei, reformista destacado, durante participação em um talk show da TV na semana passada.

É um contraste marcante com o que aconteceu na Tunísia, onde a primavera árabe começou com protestos que levaram à queda, em 14 de junho, do homem forte Zine El Abidine Ben Ali. As eleições realizadas no país em outubro foram acompanhadas por manifestações de entusiasmo e otimismo. Os islâmicos emergiram como o partido mais forte, mas mesmo liberais preocupados com a influência crescente do clero enxergaram a votação como vitória democrática.

Fato significativo, os militares tunisianos quase não exerceram papel na transição, tendo ficado no segundo plano enquanto um governo interino civil governava o país. Os partidos políticos e reformistas tiveram uma voz no sistema através do Alto Comitê para Realizar as Metas da Revolução, organismo com 150 membros que atuou como organismo quase legislativo. A autoridade ficou claramente centrada em civis que a população tinha liberdade de contestar e criticar.

No Egito, nas palavras de ElBaradei, o governo civil vem atuando como pouco mais que "secretário" do conselho dos generais. Este vem atuando de modo sigiloso, emitindo decretos às vezes difíceis de entender, reprimindo críticos e procurando desacreditar grupos responsáveis pela revolução, descrevendo-os como sendo "comandados desde o exterior", para que a população se volte contra eles.

Os generais submeteram pelo menos 12 mil civis a julgamento em tribunais militares e têm sido acusados de torturar detentos.

O prestígio dos militares recebeu um golpe duro com os choques ocorridos durante um protesto de cristãos coptas em 9 de outubro, no qual morreram 27 pessoas, em sua maioria cristãs. Vídeos mostraram soldados passando sobre manifestantes com veículos blindados.

Os militares tentaram negar que as tropas tenham aberto fogo contra manifestantes ou atropelado manifestantes propositalmente, atribuindo a violência a cristãos e a "mãos ocultas".

Além disso, os generais decidiram implementar as profundamente odiadas leis de emergência de Mubarak e não têm desativado alguns dos aspectos mais tenebrosos do regime deste. Depois de dissolver e renomear a detestada agência de segurança do Estado, vista como responsável por alguns dos piores abusos cometidos no governo do líder deposto, permitiram que ela conservasse a maioria de seus oficiais, e resistiram a chamados para barrar o acesso a cargos públicos de membros do partido governista de Mubarak.

"Eles vem ficando hostis em relação a nós, e o discurso deles sempre está cheio de paranoia, xenofobia e referências a conspirações estrangeiras", disse o ativista de direitos humanos Hossam Bahgat. "Acho que eles estão convencidos de que os egípcios não estão qualificados para a democracia."

Os liberais vêm discutindo onde erraram; alguns dizem que deveriam ter conservado o movimento nas ruas. Desde a queda de Mubarak os protestos continuaram, mas em escala muito menor.

Os manifestantes forçaram os militares a recuar em algumas de suas ações, mas, de modo geral, os movimentos políticos vêm tendo dificuldade em unir-se na agenda dos protestos. A Irmandade Muçulmana, em especial, vem em grande medida se abstendo de participar, exceto quando surgem questões ocasionais que motivam sua liderança.

Alguns dos protestos dos progressistas vêm sendo duramente reprimidos pelas forças militares.

"Para explicar em termos simples, no momento chave quando o presidente renunciou os revolucionários não conheciam seus próprios pontos fortes e fracos", disse Negad Borai, advogado e ativista dos direitos humanos. "Não estavam preparados para aquele momento histórico."

Outros ativistas acham que os revolucionários não conseguiram canalizar sua popularidade para partidos políticos fortes. Para ele, o fato de os revolucionários terem se recusado a sentar-se para negociar com os generais os afastou do processo decisório.

"A rejeição terminante deles aos militares, e seu isolamento das ruas, os converteram em uma espécie de elite na internet", disse Mustafa el Naggar, ativista destacado e co-fundador de um partido político, o el Adl, ou Justiça.

Mesmo assim, alguns revolucionários estão otimistas. Eles argumentam que os generais provavelmente iriam reativar a economia ou devolver a lei e ordem às ruas. O fato de não terem conseguido fazer isso, argumentam, vai forçá-los a retornar aos quartéis, em algum momento, e permitir a realização de um processo democrático liderado por civis, sob a pena de enfrentarem uma nova reação popular.

O maior medo dos militares parece ser cair sob uma autoridade civil. Os quatro presidentes que o Egito teve desde o golpe de 1952 que derrubou a monarquia saíram das fileiras militares. Isso possibilitou às forças armadas construir um Estado dentro do Estado, com grandes interesses empresariais e grande poder político. O mesmo se aplica a muitos governadores de províncias e presidentes de importantes instalações estratégicas e outras, como aeroportos e portos marítimos.

As dificuldades econômicas crescentes e a segurança tênue levaram muitos a se perguntar se a revolução foi uma coisa positiva, afinal.

Os índices de criminalidade chegam a níveis que não eram vistos havia anos, a violência sectária aumentou, e a polícia, que sumiu das ruas dez meses atrás em circunstâncias que não foram inteiramente explicadas, ainda não as retomaram plenamente. Tudo isso vem ajudando as forças armadas a se retratarem como salvadoras da pátria.

É tudo muito distante do idealismo de uma revolução travada por um povo que durante muito tempo foi criticado como sendo apático.

Durante os dias emocionantes da revolução, os manifestantes sonhavam com a democracia em um Egito livre do governo autoritário que durante décadas reprimiu as liberdades, fraudou eleições e ignorou a tortura e a corrupção. Na praça Tahrir, a noção que os ativistas tinham de harmonia sectária, diversidade e autonomia foi posta em prática.

"Cada um de nós enxergou o Egito que queríamos ali mesmo, na praça", diz o ativista Ahmed Ghamrawy. "Meus melhores momentos foram quando vi manifestantes recolhendo o lixo, distribuindo comida ou pedindo desculpas quanto esbarravam em outras pessoas."

O colunista destacado Bilal Fadl diz que a revolução conseguiu "incluir as massas na equação política, pela primeira vez", mas não as manteve ali. "O maior erro da revolução é o fato de ter deixado de comunicar-se com as ruas", disse Fadl.






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