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Nacional
Domingo - 20 de Junho de 2010 às 23:37

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Divulgação

A frota de motos cresce no Brasil e com ela o número de vítimas do trânsito com sequelas gravíssimas.

Um estudo do Hospital das Clínicas de São Paulo mostra que aqueles que escapam da morte enfrentam uma dura rotina. E a pesquisa traz uma surpresa: os motoboys não são mais a maioria das vítimas.

Um ano e meio numa cama. Ombro e braço esquerdos sem vida - os nervos que os ligavam à coluna foram rompidos A perna não pode tocar o chão, porque falta um pedaço do fêmur, o osso da coxa - ficou no asfalto. Ele bateu em outra moto. As duas em alta velocidade. O raio-x mostra o osso quebrado, a parte que falta e que uma cirurgia no dia seguinte vai tentar corrigir.

“Eu acho que no imaginário do motoqueiro, às vezes passa a ideia de que existem duas situações possíveis: ou eu morro, e está resolvido o problema, ou vou viver. Só que entre a morte e a vida deste motoqueiro, e é isso a proposta do trabalho, é mostrar que há uma série de problemas que vão causar um ônus para este indivíduo tremendo ao longo da vida dele”, diz o dr. Marcelo Rosa.

No Instituto de Ortopedia do Hospital das Clínicas de São Paulo, o doutor Marcelo Rosa viu se multiplicar o número de mutilados pelos acidentes de moto. É para lá que são encaminhados os casos mais graves, que precisam de cirurgias de alta complexidade. Ele coordenou um estudo para medir a dimensão dessa tragédia.

Impacto
A pesquisa acompanhou 84 pacientes que foram internados no Hospital das Clínicas de São Paulo entre maio e novembro do ano passado. Esses pacientes foram acompanhados durante seis meses. O resultado é um retrato assustador do impacto desses acidentes sobre a sociedade. Em custos hospitalares, no prejuízo provocado por esses jovens que deixam o mercado de trabalho e no efeito devastador para as vítimas e suas famílias.

“Abalou psicologicamente tudo. Minha esposa, meus filhos, tudo, tudo, família. Por que, como cuidar de uma pessoa que vai chegar em casa deficiente?”, desabafa Danilo Américo. Ele ia no corredor entre os carros. Um deles fechou o espaço.

“Já caí no chão sem o pé, totalmente, não tenho nem palavras para dizer o fato”. O pé foi decepado. Trinta dias no hospital. Cinco cirurgias. Uma delas reimplantou o pé.

“Foi pesado, você ver a tua vida, a vida dos teus filhos se desestruturarem em fração de segundos. É muito difícil, você não sabe o que vai fazer, não sabe como vai ser o teu amanhã, você não tem como planejar o teu amanhã, o amanhã dos teus filhos. É doloroso”, conta a mulher de Danilo.

Mônica parou de trabalhar dois meses para cuidar dele. Os gastos subiram, a renda caiu. “Eu estou há um ano afastado. Eu vivi mais com ajuda do meu pai, do meu sogro, com salário da minha esposa”, disse Danilo.

“Eu acho que foi a parte mais humilhante. Foi mais essa parte de você ter que pedir ajuda, foi até mais doloroso que o próprio acidente, ele ficar parado, ele se sentia muito inútil”, revelou Mônica.

O Ministério da Previdência não tem um cálculo de quanto o país gasta em benefícios para acidentados de moto. Mas a pesquisa mostra que seis meses depois do acidente, 82% dos pacientes ainda não tinham voltado a trabalhar, nem retomado atividades simples do dia-a-dia.

A enfermeira Carla Decanini faz um imenso esforço para ficar independente. Trinta dias no hospital, seu organismo perdeu a batalha para a infecção e ela teve uma perna amputada. “A gente se sente horrível, incapaz, feia. É horrível a sensação, muito ruim”.

Carla ficou deprimida. Ganhou 20 quilos, perdeu o que ganhava cuidando de pacientes em casa, depois do trabalho no hospital. “Fora a parte financeira que a gente sofre com isso, fica nervosa porque o dinheiro não entra”.

R$ 35 mil por acidente
Em média, os pacientes ficaram 18 dias no hospital. Fizeram mais de duas cirurgias e custaram R$ 35 mil ao SUS cada um. Encontrar quem sofreu mais de um acidente não é difícil. Alexsandro Gonçalves teve cinco.

“Já quebrei maxilar, quebrei a clavícula, os quatro metatarsos no pé e lesão no joelho”, conta Alexsandro . A mão foi esmagada contra a parede de um túnel, quando bateu a 70 quilômetros por hora. “É uma velocidade normal. Tem cara que anda a 80, 90”, explica Alexsandro.

“80% dos motoqueiros acham que não são culpados. Eles acham que está tudo certo, eles acham que andar a 70 por hora entre os carros é correto”, diz o Dr. Marcelo. A 70 quilêometros por hora, o impacto de um homem de 70 quilos contra o muro é de 13 toneladas.

Esta semana o Conselho Nacional de Trânsito tornou obrigatório treinamento especial para motoboys, que só poderão exercer a profissão se tiverem 21 anos de idade e dois de habilitação.
Mas em São Paulo, eles são só um em cada quatro motoqueiros.

O perfil do acidentado também mudou. Há cinco anos, mais da metade das vítimas de moto em São Paulo eram motoboys, que trabalham com a motocicleta. Hoje, 67% das vitimas são trabalhadores, que usam a moto como meio de transporte.

“Eu acho que a moto é um meio transporte imprescindível na sociedade atual, só que ela precisa ter regras, e regras diferentes da do carro. A moto não pode ser considerada o limite de velocidade, não pode ser igual ao do carro. O risco de uma pessoa que dirige uma moto é muito maior”, acredita o Dr. Marcelo.

O doutor Marcelo sabe do que fala. É de moto que o médico se desloca entre um hospital e outro em São Paulo, a cidade que tem mais de 400 mortes de motoqueiros por ano. No país, são mais de 161 mil feridos por ano.

Epidemia
“É uma epidemia, porque os números mostram um alto índice de acidentados de moto, um alto índice de sequelados, Tudo o que caracteriza uma epidemia, toda a mobilização da área da saúde, custos sociais, isso tem que ser caracterizado como epidemia. Como a que tivemos da gripe suína. Como epidemia, elas exigem medidas fortes, precisam de estudos estatísticos adequados, precisam da intervenção da engenharia de tráfego, precisa de medidas fortes como foi tomado na gripe suína”, diz o médico.

Reencontramos Flávio de manhã no dia seguinte. Com muita dor antes de entrar para sua oitava operação. A equipe de cirurgiões trabalhou oito horas na perna dele. Fixou o fêmur quebrado, e botou um enxerto de osso para alcançar o joelho.

Em outro ponto do hospital, Carla vive um grande momento: aos 35 anos, reaprende a andar. Hoje leva a prótese para casa. “Grande dia, para poder treinar em casa, pegar intimidade, sair na rua, com segurança. Com a muleta é cansativo. A prótese é diferente, é como se tivesse a perna mesmo”, comemora.

Vinte e quatro horas se passaram. Mais 23 jovens brasileiros perderam a vida em cima de uma moto, quando Flávio acordou da cirurgia. O médico explica que é preciso esperar. Sem complicações, ele pode voltar a andar. “Amo demais minha filhinha e minha esposa. Moto na minha vida nunca mais”.






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