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Sexta - 22 de Agosto de 2008 às 10:50
Por: José Roberto Castilho Piqueira

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Falar sobre futebol é entrar no terreno do sagrado, do imponderável, das paixões e do fascínio eterno pelas onze camisas de nosso time do coração, disputando a magia de dominar a bola, donzela caprichosa e exigente, levando-a ao gol adversário com a habilidade de um fino conquistador ou com a valentia de um bravo guerreiro.

Mas não é o futebol um jogo de acertar um corpo esférico, impulsionado por uma seqüência de chutes, para o interior de um conjunto de pontos, delimitado por um retângulo desenhado por três pedaços de madeira? O corpo a ser impulsionado tem massa conhecida, o campo de jogo situa-se sobre o solo, em região em que a aceleração da gravidade é conhecida?

Então, desconsiderando a questão psicológica e comportamental dos jogadores, árbitros e torcida, o futebol segue leis da Física e, vários de seus principais movimentos, como cobranças de falta, escanteios e passes podem ser equacionados e estudados. Até mesmo o flexionar de pernas de um centro-avante que procura o cabeceio e o posicionamento do saudoso Leônidas, ao dar uma bicicleta, podem ser equacionados.

Assim fazem vários países desenvolvidos na preparação de seus atletas: estudando a disciplina “Dinâmica do Movimento” aprimoram graciosas ginastas, velozes nadadores, saltadores e corredores, levando-os a façanhas impensáveis pelo homem em seu dia-a-dia.

A pergunta que fica é: por que essa parafernália científica se aplica tão bem a esportes como ginástica olímpica, atletismo e natação e é menos eficaz em esportes como basquete ou futebol?

Mais ainda, de onde surge um gênio como Pelé, capaz de movimentos plasticamente perfeitos e de precisão absoluta? De onde surge o Sobrenatural de Almeida, de Nélson Rodrigues, que faz o Zidane dar um “chapéu” no nosso fenômeno e abater um país todo em uma única jogada?

Uma pessoa medianamente versada em ciência diria, parafraseando o genial Gérson de Oliveira Nunes: uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa.

Nossa visão científica é, ainda, impregnada pelo determinismo que se origina na Mecânica Newtoniana: conhecendo-se a posição e a velocidade de um corpo em seu instante inicial e todas as forças atuantes em um dado intervalo de tempo, determina-se a posição do corpo ao final.

Seguir essa visão levaria à conclusão de que, ou o futebol é um jogo totalmente previsível, ou não é explicável cientificamente.

Acontece que o futebol é não linear e, portanto, imprevisível, mas explicável cientificamente.

O que é um fenômeno físico não linear? É aquele em que o todo não é uma mera superposição das partes. O fato de existirem fenômenos não lineares mudou a maneira dos cientistas olharem o mundo e de interpretá-lo pelas leis físicas.

Começou com Poincaré, no início do século XX, passou por nomes como Lorenz, Andronov, Faiguenbaum e até pelo brasileiro Jacob Palis. Agora, levando em conta a não linearidade, entende-se a “sensibilidade à condição inicial”.

Pequenas mudanças nas condições iniciais produzem grandes mudanças no comportamento global do sistema. Essa é a idéia, que popularizada com o nome de teoria do Caos, se propagou da Matemática para a Física, dela para a Biologia e Química e, das duas, para a Ciência Comportamental.

A genética tem, no modelo de dupla-hélice do DNA, explicações para a hereditariedade. Mas a não linearidade faz Pelé ter em seu código genético uma pequena variação em relação ao restante de sua família, fazendo emergir o gênio em meio à complexidade.

Naquela célebre final da Copa América, o goleiro da Argentina defendia com o peito, o atacante passava o pé sobre a bola quando Diego resolveu se livrar dela, no último segundo, lançando-a para a área. Houve um evento único, singular, o gol de Adriano. Todo o estado de espírito dos platinos se extinguiu, fazendo-os chutar de maneira pífia pênaltis que não erram.

Para o fascinante mundo da imprevisibilidade futebolística, a mesma explicação de que o todo não é uma mera superposição das partes. Para o mundo criado em nosso imaginário por Pelé, Maradona, Puskas, Gerson e Zidane, a explicação que brota dos cérebros de Poincaré, Lorenz, Heisenberg, Andronov e Feiguenbaum.





Fonte: Professor titular da EPUSP

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