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Economia
Sábado - 12 de Maio de 2007 às 07:37

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À frente da diretoria da Federação da Agricultura e Pecuária de Mato Grosso, desde junho de 2004, Homero Pereira, eleito deputado federal em nome de um projeto coletivo do setor, avalia nesta entrevista as dificuldades que, desde então, estão sendo enfrentadas pelos produtores rurais. Homero demonstra ainda preocupação com a aglutinação de propriedades na mão de poucos, um dos muitos reflexos da crise na área rural. Confira os principais trechos da entrevista.

JORNAL DA FAMATO (JF): O início do seu primeiro mandato foi em meio a uma das piores crises da agropecuária brasileira e a gestão chega ao fim, com o setor ainda em crise. O que isso representa para a entidade?

HOMERO PEREIRA (HP) – Representa um grande desafio, aliás, não é uma crise nova, é a mesma. Nós tivemos neste primeiro mandato, desde 2004, 2005, 2006, até agora, em 2007, todo ele marcado por esta crise, a pior que o setor já viveu e não conseguimos sair dela até hoje. Tivemos ações pontuais, mas não houve por parte do governo nenhuma medida contundente, estruturante, para tentar uma solução pra crise. Foi isso que marcou infelizmente a nossa gestão.

JF – A mobilização da classe foi importante, o que ela ensinou ao produtor neste período?

HP - Obviamente, que a mobilização é sempre importante porque já temos dificuldades estando mobilizados, se não tivéssemos uma articulação, o problema seria ainda maior. Eu sempre estimulo os nossos produtores a estarem organizados, unidos, na busca dos seus legítimos direitos e na defesa dos seus interesses.

JK – Qual foi o saldo das reuniões, audiências e movimentos da classe produtora realizadas para tentar resolver a situação?

HP - Não podemos dizer que não tivemos nenhum tipo de conquista. Houve sim. Aconteceram prorrogações dos investimentos, ou bem ou mal, teve o FAT Giro Rural (linha do Fundo de Amparo ao Trabalhador para financiar produtores com dívidas na iniciativa privada) que foi uma conquista, para uma parcela dos produtores foi importante, depois tivemos o Pesoja e do Prepo (leilões da Conab), foram todos instrumentos de política agrícola que o governo lançou no intuito de tentar alguma medida compensatória para os produtores, principalmente, no tocante à perda de renda e frete. Esses instrumentos, por si só, dado à sua fragilidade, por serem inéditos, não solucionaram a crise porque a política macroeconômica do governo liderada pela questão cambial e somada à questão da logística, talvez tenha sido o fator mais importante no impacto da renda do produtor. Os instrumentos minimizaram pontualmente a crise em um ou outro município, porém, não como um todo. Por isso, não deixaram de ser conquistas, fruto da mobilização do produtor. Os instrumentos (Pesoja e Prepo) carecem de um maior aperfeiçoamento para que possam atingir o objetivo pelo qual foram concebidos, que ser uma medida compensatória para os produtores que mais precisam, mas, infelizmente, não atingiu este objetivo.

JF – Além do problema do endividamento do setor, quais os outros problemas enfrentados pela Famato e pelo produtor rural, conseqüentemente, nos últimos anos?

HP – Nós tivemos inúmeros problemas. Eu quero ressaltar os principais além do endividamento e da crise. O primeiro deles é a questão trabalhista. Tivemos problemas sérios durante este ano, Mato Grosso despontando na mídia nacional, nos relatórios do Ministério do Trabalho como um dos estados campeões em utilização de mão-de-obra escrava. Nós tivemos que atuar muito fortemente nesta área tentando desmistificar este problema. Existe um problema de legislação trabalhista no Brasil. A legislação foi construída e elaborada tendo uma visão do trabalho urbano, não levando em consideração as características do trabalho no meio rural, que é diferenciado. O trabalho é a céu aberto, tem época que chove muito, tem época que não chove, tem a questão da abertura de novas áreas. Ainda não solucionamos o problema e temos que continuar o debate.

Uma outra questão é a dos conflitos fundiários e indígenas. Invasões de terras, problemas de documentação de áreas com um Instituto de Colonização e reforma Agrária (Incra), ampliação de áreas indígenas, a criação de novas reservas, problema de faixa de fronteira de Mato Grosso com a Bolívia, O problema fundiário e o agrário são questões que tomam muito tempo da federação, neste período.

JF – A questão na faixa de fronteira com a Bolívia também deixou os produtores e as entidades bastante preocupadas em relação à defesa sanitária, por que?

HP - Na defesa sanitária animal, a metade de Mato Grosso não é habilitada para exportação, conseqüentemente o preço do gado é menor do que na região habilitada, Os focos de febre aftosa que tivemos no Pará, em Mato Grosso do Sul, e na Bolívia, deixaram o produtor apreensivo. Tivemos inúmeras reuniões sobre o assunto, tentando dar mais tranqüilidade ao produtor, Problemas que não foram resolvidos ainda, principalmente, quanto ao credenciamento para a exportação para a União Européia. Por fim, temos o problema ambiental que é “decano”, desde a publicação da Medida Provisória 2.166, ainda não superado e que está na nossa pauta. Nós instituímos na federação a comissão de Meio Ambiente que está interagindo com ONGs, tentando desmistificar a questão da reserva legal, desmatamento, recuperação de mata ciliar combinado com o último relatório do ITCC sobre o aquecimento global que exige de todos nós uma postura diferenciada diante desta constatação. Nós estamos ampliando a discussão com as ONGs, tentando mostrar que o produtor pode ser um grande parceiro neste processo de preservação do meio ambiente desde que ele enxergue também valor econômico no seu ativo ambiental.

JF – Como seria esta compensação?

HP- A questão ambiental sempre foi discutida no Brasil na ótica do passivo ambiental, nunca foi discutida na ótica do ativo e nós temos o maior ativo ambiental do mundo e Mato Grosso, por conseguinte, tem a sua parcela. É importante que o produtor veja no Pantanal, no Cerrado e na Floresta em pé e não desmatada, um valor financeiro. Que ele receba por serviços ambientais, que possa prestar para sociedade como um todo, e aí, certamente, nós teremos um exército de ambientalistas. Estamos interagindo com as organizações ambientalistas, procurando construir propostas. No legislativo já existem propostas tramitando. Estamos viajando mundo afora levando esta proposta para fazer um grande pacto pela produção e pela preservação onde a gente possa ter um ponto de equilíbrio entre estes dois aspectos. A Famato tem e continuará tendo um papel fundamental nesta matéria que extrapola o interesse de uma ou de outra cultura. Ela permeia todas as culturas, seja na agricultura, seja na pecuária, seja na floresta, enfim, queremos ser pró-ativos nesta discussão e tentar levar a bom termo.

JF – O que a Famato contabilizou nestes três anos do seu mandato?

HP – A Famato esteve à frente de todos os movimentos e mobilizações da classe, como também das negociações junto ao governo federal. A cada mandato a federação consolida a nossa posição, não como entidade única, exclusiva, mas como uma entidade importante na representação dos produtores. Estimulamos a criação da Aprosoja (Associação dos Produtores de Soja de Mato Grosso), a entidade nasceu dentro da federação incentivada por nós, o nosso vice-presidente (Rui Prado) é o presidente da associação. Institucionalmente, a Famato articulou para que as associações - seja por interesse econômico ou por cultura - se estabelecessem e se estabilizassem. A federação é a grande articuladora do setor produtivo em Mato Grosso, catalisa todos esses movimentos como a entidade mais antiga de representação - são mais de 40 anos – procurando ser contemporânea com as dificuldades atuais, fazendo encaminhamentos na busca de soluções da melhor forma possível.

JF - Vários sindicatos rurais foram criados desde 2004 e a federação deve chegar até meados deste ano com 80 novas entidades no interior. O senhor avalia isso como conseqüência deste trabalho?

HP - Nós iniciamos um movimento para garantir maior capilaridade ao sistema. É uma tendência que estamos concretizando gradualmente e, no próximo mandato, pretendemos concluir a criação de mais de 100 sindicatos. Esta é uma forma de a gente estar mais presente junto aos produtores, dando mais legitimidade à nossa representação.

JF – A participação ativa dos produtores rurais nos movimentos e reuniões foi visível. Mas, agora na Safra 2006/2007, quando parece que o agricultor teve um pouco mais de fôlego, não há uma certa desmobilização da classe?

HP – Isto é natural, a Famato e a atuação classista refletem a situação que o produtor está vivendo. Na crise, as instituições são mais acionadas. Se ele está conseguindo resolver o problema sozinho, não. Mas é sempre importante o produtor participar do sindicato, das associações da federação independentemente da situação que ele esteja. Este ano há uma falsa impressão de que os problemas estão encaminhados e a gente tem conversado com produtores e sabemos que não está. Há muita pendência, vai haver uma inadimplência grande nos investimentos e a gente tem que dar solução, por isso, é preciso a união da classe, a participação do produtor nas instituições, sob pena de ficarmos isolados.

JF – O senhor identifica outras ameaças ao movimento ruralista no estado?

HP - Eu já ando preocupado com a movimentação que está havendo em Mato Grosso que é a grande concentração de propriedades na mão de poucos produtores. Nós já tínhamos uma matriz fundiária diferente dos outros estados da federação, aqui em Mato Grosso, para poder viabilizar economicamente a atividade principalmente da agricultura comercial, precisávamos ter escala, plantar em volume maior. Só que, com a crise, os m

édios e pequenos produtores estão arrendando as suas propriedades para grandes grupos e isso, não é bom porque fere a questão da representatividade, traz problemas sociais, a gente perde muito o poder de barganha junto ao governo federal, perde credibilidade junto à sociedade organizada que, naturalmente, já tem uma visão preconceituosa sobre o nosso movimento. Temos que ficar atentos em relação a isso.

JF- Qual foi o papel da classe produtora na sua eleição à Câmara Federal?

HP - O meu mandato também foi caracterizado pela decisão do nosso segmento de ter ou ampliar a sua representação no Congresso Nacional. Depois de muita discussão, foi decidido ter um projeto político coletivo, lançando alguns produtores rurais, entre eles o meu nome, e graças a Deus, houve sucesso, até pelo fato de não ser um projeto pessoal, mas sim coletivo. Todos os municípios tiveram participação importante na minha eleição, tanto no campo quanto na cidade. Eu espero agora, corresponder a esta confiança que me depositaram prestando serviço baseado em valores éticos, morais com transparência e compromisso com as causas que nos propusemos a defender e, assim, no exercício do nosso mandato minimizar a dificuldade não só do nosso setor, mas de toda a sociedade.

JF – Quais as suas perspectivas para um segundo mandato como presidente da Famato?

HP – Este é mais um desafio colocado também pelos companheiros pra gente tentar potencializar as ações da Famato com o mandato de deputado federal e vice-versa. Pra termos uma atuação diferenciada, em Brasília, o cargo de deputado agrega um valor à Famato e à federação e valoriza o cargo de deputado federal. A gente espera poder tirar proveito desta situação e, com a reeleição, neste segundo mandato, queremos fazer uma transição destes anos de crise, para anos que sejam marcados pela superação das dificuldades, tendo incorporado ensinamentos com as experiências vivenciadas na crise. Que a gente possa, quando tivermos novas dificuldades, estar mais preparado. Essa é a minha expectativa: que tudo isso tenha servido de lição não só para a instituição, mas também para os produtores, pra que eles possam se posicionar mais, ser mais competitivos, mais competentes ainda, trabalhar melhor em relação aos investimentos versus receita, fazendo uma produção cada vez mais sustentável, seja econômica, social e ambientalmente. É isso que vai dar um maior alicerce e maior tranqüilidade para o produtor ser bem-sucedido no Estado de Mato Grosso.





Fonte: 24 Horas News

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