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Politica Brasil
Terça - 24 de Abril de 2007 às 14:54
Por: Cecília Melo

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O Conselho de Ética da Câmara dos Deputados decidirá esta semana se reabrirá o processo disciplinar contra três deputados reeleitos, que foram acusados de quebra de decoro por envolvimento nos esquemas do mensalão e dos sanguessugas na legislatura passada. Na última semana, o deputado federal Dagoberto Nogueira (PDT-MS) deu parecer contrário à reabertura dos casos alegando que os parlamentares foram “absolvidos nas urnas”. Especialistas, no entanto, consideram o argumento inválido e explicam que a não retomada dos processos infringe a Constituição e contraria recente decisão do Supremo Tribunal Federal (STF).

O relatório do deputado Nogueira foi a resposta a uma consulta protocolada por quatro partidos – PMDB, PT, PR e PP – sobre a validade de processos disciplinares contra deputados por atos anteriores à posse do atual mandato. Articulados, os partidos da base aliada tentam invalidar o pedido feito pelo PSOL para reabertura de processos contra dois deputados envolvidos no escândalo do mensalão (Paulo Rocha, PT-PA e Valdemar Costa Neto, PR-SP) e um envolvido no caso dos sanguessugas (João Magalhães, PMDB-MG). Os três renunciaram a seus mandatos, antes de responderem a processo no Conselho de Ética, para fugirem da cassação e se reelegeram.

O parecer do relator sugere que o Conselho nem sequer analise representações contra deputados baseadas em fatos ocorridos antes da legislatura em vigor, sob a justificativa de que a reabertura de processos seria uma “ofensa à soberania popular”. “O povo sabe julgar talvez mais do que nós (deputados)”, argumenta Nogueira. Pelo que tudo indica, a Comissão deverá acatar as justificativas e “engavetar” os processos.

O professor e especialista em Direito Constitucional Gabriel Dezen Junior, autor de diversos livros sobre o tema, diz que as justificativas apresentadas no intuito de barrar o processo contra os “mensaleiros” não possuem fundamento. Segundo o especialista tanto o argumento da absolvição nas urnas quanto o da “unidade de legislatura” previsto na Constituição – pelo qual os trabalhos legislativos de uma legislatura e outra não se comunicam - não impedem a retomada dos casos.

Ele lembra por exemplo, o caso do ex-Deputado Pinheiro Landim (PMDB-CE), que reeleito em 2003, teve que renunciar pela segunda vez para escapar de processo de cassação reaberto por decisão do então presidente da Casa. Landim havia sido acusado pela Polícia Federal de envolvimento na compra de habeas-corpus para uma quadrilha de traficantes na legislatura anterior. Acabou reeleito, mas teve que, mais uma vez, abrir mão do mandato para não ser cassado.

De acordo com Dezen, na ocasião, o STF decidiu pela total possibilidade de reabertura do processo de cassação do parlamentar reeleito, assinalando que "a desqualificação (renúncia) do parlamentar não impede que ele venha a candidatar-se novamente”. “Eventualmente, pode reeleger-se. Mas sobra, ainda, à Câmara, o exercício do seu poder para cassar novamente o mandato do dito membro", dizia o documento.“Diante da determinação, se a Comissão de Ética concluir pela impossibilidade de reabertura, estará colidindo frontalmente com a Constituição Federal vigente e com jurisprudência recentíssima do STF”, defende Dezen.

Quanto à justificativa de "absolvição" nas urnas, Dezen ressalta que não é função dos eleitores decidirem sobre o decoro dos deputados. Pela Constituição, a decisão é responsabilidade do conjunto dos membros do Parlamento. Afinal é exatamente para isso que os parlamentares são eleitos pelo povo. “Além disso, da mesma forma como os deputados renunciantes retornaram à Câmara pelo voto, também o foram os demais que querem reavaliar o decoro de suas condutas recentes, sendo constitucionalmente dado a estes o direito de ver tais questões julgadas pelo Plenário da Casa”, completa o especialista.

PSOL poderá recorrer

De acordo com dados do Departamento Intersindical de Assessoramento Parlamentar (DIAP), os três deputados acusados de quebra de decoro, não atingiram sequer a quantidade mínima de votos para ocupar uma cadeira na Casa Legislativa, somente pela votação pessoal. Pelo sistema proporcional (pelo qual são eleitos os deputados no Brasil) os três precisaram da “ajuda” dos chamados “votos de legenda” (no partido) e de colegas de coligação mais populares entre os eleitores para assumirem os postos.

Segundo o cientista político Antônio Flávio Testa é inegável que houve quebra de decoro, mas o corporativo falou mais alto e a Casa acabará “engavetando” os processos. Testa alega que a vontade popular precisa ser entendida caso a caso. “O Conselho não pode considerar essa vontade como soberana e capaz de apagar ilícitos cometidos na legislatura passada. Se ele assim proceder, estará atuando ‘politicamente’ e não tecnicamente”, acrescenta. O também cientista político Leonardo Barreto compartilha a opinião. “A eleição não pode servir à impunidade. A vontade popular não tem o poder de inocentar alguém que descumpriu a lei”, aponta Barreto.

Se a Comissão decidir pela não reabertura dos processos de perda de mandato, qualquer parlamentar - incluindo os do PSOL que solicitaram a retomada dos casos - poderá utilizar um mandado de segurança contra a decisão. “A utilização dessa ação constitucional levará ao conhecimento e à decisão do STF os fundamentos da decisão negativa da Comissão de Ética, permitindo ao Supremo restaurar a eficácia da Constituição Brasileira, evitando mais essa lesão direta e flagrante à nossa ordem constitucional”, conclui Gabriel Dezen. “Queda-de-braço”

O pedido de reabertura do processo foi apresentado pelo PSOL, no início de março. A votação do parecer era para ser na quarta-feira passada (18), mas acabou adiada para o dia 25. Costa Neto e Paulo Rocha renunciaram a seus mandatos, no ano passado, depois que seus nomes foram envolvidos no escândalo do mensalão. Com isso, se livraram do processo de cassação e puderam ser reeleitos. Magalhães foi um dos cinco deputados suspeitos de envolvimento no esquema sanguessuga que conseguiu ser eleito novamente. Os outros quatro tiveram seus processos julgados, mas foram absolvidos.

Antônio Mendes Thame, deputado federal do PSDB-SP acredita que os acusados devem ter seus processos analisados imediatamente. “Se não, seria praticamente dizer que o Conselho de Ética não pode funcionar no caso de pessoas eleitas. Vamos funcionar para quem então?”, argumenta Thame.

Outra questão relevante e delicada é sobre a legitimidade desta ação e se ela é legível de acordo com o regimento interno da Câmara. O ex-presidente da Câmara Aldo Rebelo (PCdoB-SP) disse que o regimento permite a abertura de processos contra deputados que renunciaram antes de serem submetidos à investigação do Conselho. Apesar disso, Arlindo Chinaglia (PT-SP) ressaltou que é necessário seguir um trâmite regimental.

Para os dois cientistas políticos este é um assunto controverso. Barreto explica que o regimento não é claro em relação a isso. “Desta forma, podemos esperar uma batalha jurídica pela frente”, acrescenta. Para Testa, o processo deve ser baseado não só nas regras internas como nas previstas na Constituição. “O grande problema é que as leis são interpretadas politicamente, por isso, o caso pode não avançar”.

Para o relator, como não houve nova denúncia, não há como os processos prosseguirem. Nogueira afirma que um deputado não pode ser denunciado duas vezes pelo mesmo motivo. "Esse é um princípio do direito. Se ele foi absolvido, ou se ele foi condenado, ou, ainda, se não foi julgado em função da denúncia, não pode haver um novo processo sobre o mesmo fato”, argumenta. O líder do PSOL, deputado federal Chico Alencar, foi o único a contestar. Ele já admite a derrota da tese do seu partido. Mas acrescenta: “O Conselho viraria uma grande gaveta de pedidos de processos”.





Fonte: Contas Abertas

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