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Cidades/Geral
Quarta - 07 de Março de 2007 às 16:45
Por: Wilson Lemos

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Enquanto entregues à nossa indiferença corríamos, como sempre, nessa maratona sem sentido que nos leva rumo ao imprevisível, a vida na veloz/cidade mais uma vez tecia um drama. Mais que um drama, uma tragédia. Dessas que revelam toda a hediondez da bestialidade dos homens. Na metrópole que um dia foi maravilhosa e onde agora cresce, cresce a seara das flores do mal, uma estrela perdia o seu brilho e deixava de iluminar o mundo.

Quem ouviu o gemido pungente que vinha das entranhas da terra e o sopro gelado que descia do céu? Quem ouve ainda o silêncio dos pássaros, vê o cinza das nuvens e a tristeza das flores que ainda se quedam em reverência à estrela que deixou de ser?

Numa via dolorosa da cidade refém da violência e do medo uma criança morreu. Na inocência protetora que Deus lhe dera como graça, certamente não sofreu a expectativa da hora derradeira, não pressentiu a morte que chegava para arrebatar-lhe o sorriso e fazê-la mártir.

Presa indefesa dos demônios da noite, o menino chamado João foi arrancado da vida. Mas fez-se anjo e evolando-se deixou a terra. E evolar é elevar-se voando e desaparecer no espaço integrando-se ao Infinito. Que outro verbo mais rico e mais apropriado teria eu para referir-me à ascensão de um anjo?

Exposto aos perigos das trevas do mundo, o menino João viveu seu martírio. Diante da cena dantesca de sua morte brutal, como sufocar no peito a revolta, prender na garanta o grito de cólera? Como não clamar como o poeta “vinde ver, vinde ouvir, homem de terra estranha, este meu grito atormentado e aflito, que parece um grito de montanha, de quebrada em quebrada acordando o infinito” ? Como, pois, imaginar contendo o pranto seus momentos derradeiros, o seu corpo inerte sem vida entregue à natureza? Como não chorar em desespero sua ausência, mesmo sabendo que a sua alma libertada, já na adaptação do divino e nos seus primeiros contatos com a eternidade se regozija e canta no aconchego dos braços de Deus?

Ah, menino João, anjo-menino do Rio de Janeiro, fevereiro e março, desse Rio de todos os meses e de todos os anos, desse Rio que há muito deixou de ser lindo e assombra os seus filhos... Por que os homens de pedra, os seres sem alma, os anjos negros das trevas anoiteceram teus olhos, apagaram teu sorriso, arrebataram teus sonhos e ceifaram teus amanhãs? Por que roubaram tão cedo a tua meninice e te privaram da bola e da pipa, dos teus passeios na praia onde brincando sonhavas erguendo teus castelos de areia e feliz apanhavas conchas e estrelas do mar?

Ah, menino João Hélio, hélio que é sol, menino do Rio que se fez anjo e agora é do céu... Até quando a indiferença de todos nós, pálida de espanto e medo, acovardada permitirá que as bestas galopem sem freio arrastando os inocentes? Até quando, menino João, a maldade do homem devastará a terra e a selvageria desses filhos de Herodes continuará, inexorável e impiedosamente, supliciando Cristo enquanto assassina os pequeninos de Deus?

Que as pedras clamem e seu clamor alcance os céus. Que os ventos da ira santa se façam tempestade fustigando os covardes, sacudindo consciências e quebrando o silêncio dos indiferentes. Quem sabe, assim, meu menino João, se ouça finalmente a voz das ruas. E finalmente, assustando os homens de pedra, seja ouvido o retumbante grito plural dos que pedem lei e clamam por justiça.

(Wilson Lemos = E-mail: wfelemos@terra.com.br)





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