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Cultura
Quinta - 21 de Setembro de 2006 às 09:13

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Sobre o show de Chico Buarque, no Tom Brasil, a questão não é o quanto é "paulista" ou "carioca" --de resto, estereótipos de pouca utilidade.

A dualidade se estabelece entre o compositor e o homem de shows (ou showman, como queiram). O compositor continua sublime. A dificuldade em classificá-lo é uma pista de sua grandeza: ouviu muito samba-canção e bossa nova, mas soube redefini-los. Buscaram enquadrá-lo na "música de protesto", porém sua canção é maior que isso, transcende a política. "Carioca", o disco novo, demonstra que o autor de letras e melodias mantém o estado de excelência, vide "Outros Sonhos" ("Guris inertes no chão/ falavam de astronomia/ E me jurava o Diabo/ que Deus existia").

Com as 12 músicas do disco recém-lançado e 16 dos álbuns anteriores (além de "Voltei a Cantar", de Lamartine Babo), o show não poderia ser ruim. De fato, não é. Poderia ser melhor? Certamente. E aqui se encontra outro Chico, o homem que volta ao palco após sete anos.

Em entrevista poucos dias antes da estréia, Chico afirmou que os shows hoje em dia não permitem improvisos, são mais "rigorosos, profissionais". Isso não significa, contudo, que inexista espaço para o imprevisível -e este pouco dá as caras. Não se fala em distribuir piscadelas para mocinhas e senhoras afoitas. Ou mandar recados políticos. A conversa é outra. Acompanhado por grandes instrumentistas, Chico poderia ousar um tanto mais nos arranjos, apresentar as músicas com novo frescor em relação à forma como foram gravadas. Por que tão tímido esforço de reelaboração? Sob a complexidade da obra buarquiana, há sempre nuances a serem descobertas.

Dois exemplos na música brasileira. Sem alarde, com convicção, João Gilberto reconstrói uma música sempre que a retoma. "Saudosa Maloca" nunca é a mesma. Nos shows, Maria Bethânia dá vida nova às canções gravadas. Suas apresentações são, em geral, melhores que os CDs de estúdio porque ela instala no palco o risco, a instabilidade. Ok, os exemplos incluem mestres, mas não são deles, os mestres, dos quais se fala desde a primeira linha deste texto?

Em "Carioca", há um extremo cuidado na costura das músicas, nenhuma sucede outra por acaso. Nesse processo, surgem belas e quase escondidas canções do passado, como a revelar um não menos nobre lado B da carreira de Chico. "Mambembe" é um exemplo.

No entanto, essa atenção na escolha do repertório chega um tanto enfraquecida ao palco. Diversas interpretações transmitem uma sensação de incompletude, de que tudo poderia ser mais intenso, forte ainda que sutil. Não me refiro ao estilo charmosamente retraído do cantor; seria tolo pensar em passos de sambista e virtuosismos ao estilo de Cauby Peixoto. No entanto, há momentos em que parece faltar confiança (entusiasmo?) do Chico que canta em relação aos versos do Chico que compõe. Distante da emoção, o homem do palco não chega a sufocar a poesia do compositor, mas a limita. Entre as últimas músicas, "Sem Compromisso" promove enfim a conciliação entre as metades. Chico, agora um só, parece feliz.

Ao final, o público aplaude efusivamente. E assim será provavelmente até o fim da temporada. Com as palmas na memória, imagino se essas ressalvas não nascem de uma expectativa descabida. Será? Não é legítimo esperar sempre muito de Chico Buarque?





Fonte: Folha de S. Paulo

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