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Cultura
Terça - 12 de Setembro de 2006 às 09:06
Por: Alex Antunes

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A cena musical paraense é diferente de tudo o que se ouve no resto do país. Existem gêneros populares bem interessante, como a guitarrada e o tecnobrega. A guitarrada mistura ritmos locais e caribenhos com o som das guitarras, e o tecnobrega é um som brega sobre bases eletrônicas -as bandas locais chegam a samplear Kraftwerk, por exemplo (o que lembra um pouco o que já aconteceu no funk carioca, quando o Bonde do Tigrão "roubou" as bases agressivas dos belgas do Front 242 para colocar letras de safadeza por cima).

Mas e o rock paraense, como fica? Para responder a essa pergunta, o festival Se Rasgum no Rock teve sua primeira edição nos dias 1º, 2 e 3 de setembro. Realizado no lindo e ecológico parque dos Igarapés, o festival escalou alguns nomes conhecidos nacionalmente como Wander Wildner, Cachorro Grande e Mundo Livre S/A.

E mais uma seleção de quase 30 bandas independentes, a maior parte locais, mas também do Mato Grosso (Vanguard),Rio (The Feitos), Pernambuco (Superoutro) e São Paulo (Bazar Pamplona), além de dois outros Estados da região Norte, Amazonas (Mezatrio) e Acre (Los Porongas).

O que deu para perceber é que há uma cena local de Belém já há umas duas décadas, baseada em gêneros "ortodoxos" como o metal e o punk, e uma cena mais recente, voltada para uma "misturinha" ao modo do Recife pós-mangue beat, com mais abertura para a eletrônica e para a música brasileira.

O som da selva

Essa tal misturinha foi antecipada pelo Cravo Carbono, a primeira banda de Belém que se interessou em resgatar a música local, e agora nela cabem rock, dub (caso do Sevilha), guitarrada com surf music (La Pupuña), toques da vanguarda paulista de Arrigo Barnabé e Itamar Assumpção (A Eutérpia), pós-punk e rap (Coletivo Rádio Cipó).

Todas essas apresentaram shows interessantes e sonoridades criativas -como no sensacional momento em que a Rádio Cipó recebeu o veterano Mestre Laurentino, 78, da ilha do Marajó, para tocar harmônica e apresentar um rock impagável (Laurentino também cantou seu hit "Lourinha Americana" junto com o Mundo Livre, que a regravou).

Outras bandas locais mais "fofas", como a Suzana Flag, ou mais roqueiras, como Johnny Rockstar, também fizeram bonito. A região Norte transmitiu uma ótima impressão. Um dos bons shows do festival foi o dos acreanos Los Porongas, que fazem um rock'n'roll com letras bem cuidadas -às vezes soa como a Legião Urbana com um guitarrista nervoso.

Outra surpresa da "selva" foram os amazonenses Mezatrio, que combinam música complexa à moda progressiva (certos arranjos chegam a evocar King Crimson e Genesis) com uma sensibilidade ao estilo Los Hermanos. E funciona... O festival também deu bolas dentro ao escalar convidados de outros Estados, como os ótimos The Feitos -extravagâncias pop parecidas com as de Los Piratas, mas um Los Piratas meio maldito, mais cínico e venenoso. E a já falada Vanguart, de Mato Grosso do Sul, que tem influências rock e folk de Bob Dylan, Neil Young, Nick Drake e Beatles -e que não faz nada feio, exalando credibilidade e animação, mesmo compondo em inglês.

A vingança do metal

E essa seria a cara do festival: uma mescla simpática de sons locais e pegadas mais "indie", no coração de um parque cercado por mata fechada e rios. Seria, se uma banda de heavy metal não tivesse roubado a cena. Quando o Madame Saatan pisa no palco, o ambiente simplesmente se transforma. Uma certa displicência estilosa indie dá lugar a posturas agressivas e estudadas dos músicos, sob a neblina das máquinas de fumaça.

O batera Ivan massacra seu instrumento com precisão e determinação, impondo um clima pesado e tenso. Baixo e guitarra são uma parede de noise. E a alma da banda, a vocalista Sammlyz, se joga e se contorce pelo palco, soltando a voz, em português, com a desenvoltura de uma Ivete Sangalo do mal (não há outro jeito de explicar isso), mesmerizando a platéia com um charme misto de sedução, dominação e cumplicidade. Dá para imaginar com facilidade que essa banda tem um futuro pela frente.

A essa altura do campeonato é a hora de se perguntar: por que uma banda de metal tão moderno e eficiente surgiria exatamente em... Belém do Pará? Bom, talvez pela mesma razão que, há 20 e poucos anos, a pacata Minas Gerais pariu um monstro chamado Sepultura.





Fonte: 24HorasNews

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