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Politica Brasil
Segunda - 03 de Abril de 2006 às 14:56
Por: Isaac Bigio

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(Londres, BR Press) - O ETA, uma das grandes insurgências nascidas dentro da União Européia, propõe abandonar as armas e converter-se num movimento legal como o fez o IRA na Irlanda. Com isto, o mundo estaria assistindo à transformação de dois grandes grupos armados. Seguirão estes passos outros movimentos armados de Ocidente, como os grupos radicais da América Latina?

Há dois anos do atentado contra passageiros nos trens de Madri, o grupo separatista basco ETA anunciou cessar fogo definitivo. Estes separatistas se propõem seguir o caminho que seus camaradas do Exército Republicano Irlandês (IRA, em inglês) iniciaram e que os conduziu ao desarmamento. O paradóxo é que um dos fatores que tem galvanizado tal evolução foi o fato de o Atlântico Norte estar sendo golpeado pelos macroatentados perpetrados por fundamentalistas islâmicos, oriundos do Oriente Médio. Estes, em vez de ter provocado a radicalização dos grupos subversivos da região, geraram o oposto. O assassinato indiscriminado contra civis provenientes de todas as classes, etnias e credos gerou uma em massa repulsa contra o terrorismo. Tanto, que vários dos setores sociais que apoiávam o IRA e o ETA lhes pediram uma mudança.

O 11 de Setembro de 2001 produziu novas reações. Por um lado, conduziu a incursões no Afeganistão e Iraque, as mesmas que substituíram tiranos hostis a Washington. Por outro lado, a rejeição popular aos macroatentados de Nova York, Washington, Madri e Londres conseguiu ir pressionando o IRA e o ETA. Isto, por sua vez, veio impactando outras guerrilhas que compartilham com eles um discurso socialista: desde os zapatistas mexicanos às Farc e o ELN colombianos.

O ETA e o IRA foram as dois grandes organizações armadas de Europa Ocidental. Ambas sustentam que representavam os direitos de suas respectivas nações (bascos e irlandeses) de deixarem de ser as últimas colônias dos que foram os maiores impérios reais atlânticos (Espanha e Reino Unido). Sua estratégia original consistia em produzir violentamente a saída das tropas espanholas ou britânicas de suas respectivas nações, a fim de ´liberá-las´ e torná-las ´repúblicas socialistas´.

Democracia representativa

Nessa luta conseguiram representar uma minoria importante da população basca ou da norte-irlandesa que os via como seus representantes. Assim se formaram partidos legais, onde os pró-insurgentes chegavam a capturar sempre mais do oitavo dos votos. No entanto, um maior avanço destes movimentos ficava freado pelo fato de que a maioria da população aceita a democracia representativa e uma solução negociada.

O 11 de Setembro teve um impacto muito importante para os irlandeses, porque uma grande parte deles vive ou tem parentes nos EUA. Muitos que financiavam ou apoiávam o IRA sofreram na própria carne o que era um ataque terrorista. Depois do 11-S, o IRA anunciou seu desarmamento. Depois do atentado do 7 de julho de 2005, em Londres, terminou aceitando o desarmar-se por completo.

O atentado do 11 de Março de 2004, em Madri, produziu uma estranha relação: produziu a queda do maior inimigo do ETA, o Partido Popular (PP). José María Aznar, cujo partido encabeçava as enquetes preelectorales, quis tratar de capitalizar eleitoralmente a repulsa ao 11-M jogando-lhe a culpa aos insurgentes bascos deste atentado.

Se o ETA tinha se catapultado nos anos 60, com ações audazes contra Francisco Franco, os sucessores do generalíssimo (o PP) potenciaram-se no poder transformando aos radicais bascos no inimigo número um. O ´fator ETA´ inicialmente levantou os pós-franquistas e depois produziu sua queda. A dureza com a que o PP reprimiu e isolou aos separatistas bascos não os destruiu, mas os obrigou a ir renunciando à luta armada.

Domesticação

Encontramo-nos num mundo no qual estamos vendo a domesticação das antigas insurgências armadas de origem socialista que nasceram durante a Guerra Fria, (de fins de 40 a fins dos 80). Depois de seu fim, constata-se o incremento de relativamente novas insurgências fundamentalistas islâmicas.

Estas mudanças obedecem um padrão mais geral. Durante a bipolaridade, as potências socialistas apoiávam movimentos de libertação nacional contra o imperialismo ocidental. No entanto, desde 1989 vemos que os poderosos partidos comunistas que governavam o bloco soviético se desaprumaram, caindo junto com seus sistemas de economias estatizadas e planificadas sob um partido único.

De outro lado, os partidos comunistas que regem a China, o Vietnã e mesmo Cuba procuraram fazer as pazes com o capitalismo, atrair investimentos privados multinacionais e pacificar a seus meios geográficos. Em contrapartida, no Oriente Médio o fundamentalismo islâmico, que antes foi armado ou financiado pela CIA para atacar a Moscou, agora se vira contra Ocidente.

Estes movimentos expressam uma rejeição à globalização liberal, mas de uma perspectiva diferente à dos marxistas. Estes querem manter o conservadorismo social e teocrático, bem como criar uma poderosa elite econômica e política muçulmana que faça contrapeso à ocidental. Históricas transformações

Desde fins dos anos 80, vemos um processo mundial no qual as velhas guerrilhas de raiz marxista vão abandonando o caminho de proclamar ou querer revoluções socialistas para ir propondo processos de paz e desarmamento. Fazem conceções aos sistemas de mercado e democracias representativas.

A Organização para Libertação de Palestina (OLP) aceita reconhecer Israel, em troca de maior autonomia e promessas de independência em certas áreas da Palestina histórica. Nelson Mandela, na África do Sul, renunciou à violência para desarticular instituições do segregacionismo racial sul-africano, se transformando num estadista que expande os interesses e as influências de seu pujante setor empresarial.

Na Irlanda do Norte os republicanos destróem suas armas depois de ter saboreado o poder como ministros regionais ou em várias prefeituras (incluindo a capital, Belfast). Depois que abandonaram sua estratégia de querer jogar militarmente aos britânicos para reunificar à ilha irlandesa, agora crêem que podem lutar pela unidade com a República de Irlanda enquanto mantêm certa presença britânica em sua região.

Insurgentes de América

Na América Latina, as antigas guerrilhas da Nicarágua, El Salvador e Guatemala se converteram em partidos legais. De todas elas, só os sandinistas conseguiram tomar o poder violentamente, ainda que depois não seguiram o caminho de Cuba (desapropriar todas as empresas e criar uma economia planificada, regida por um partido anticapitalista) e optaram pela manutenção de formas de mercado e democracia representativa (que, depois, a oposição usaria para deslocá-los pacificamente do governo).

Com Bush

O interessante é que a América Central é a região hispânica que mais segue política, econômica e diplomaticamente George W. Bush. Um dos fatores que potencializa os conservadores centro-americanos é o espectro das antigas insurgências que pudessem trazer caos econômico e a cessação do fluxo da ajuda ou as remessas que provêm dos EUA.

Zapatistas

A antiga guerrilha prefere optar por ser uma oposição quase permanente no plano eleitoral, pois crê que voltar ao caminho armado afetaria novos interesses contraídos e poderia isolá-la num contexto internacional adverso. Os zapatistas anunciaram uma "turnê" legal do subcomandante Marcos depois de doze anos do início de sua rebelião. Sua guerrilha os ajudou a conquistar popularidade e hoje concebem que a mudança deve vir mediante uma pressão popular que pode fazer transformações graduais, quem sabe com um governo inicial de López Obrador.

Na América do Sul, os antigos montoneros chegaram ao poder no Uruguai, mas só depois de ter aceitado o sistema político e econômico – a ponto de ser hoje um dos principais apoiadores do governo da Frente Ampla de Tabaré Vásquez. Na Bolívia, Álvaro García Linera se converte no primeiro ex-chefe de uma guerrilha marxista andina a chegar a ser vice-presidente constitucional. Deixou seu objetivo de querer destruir ao Estado boliviano para repensá-lo com uma república socialista e procurar sua reforma.

Focos guerrilheiros

Neste continente ficam só dois importantes focos guerrilheiros: Peru e Colômbia. No Peru, a subversão foi derrotada, mas o Mrta e o pedestrianismo agora propõem ir substituindo a luta armada para ir para uma solução negociada. Víctor Polay, chefe do Mrta, quis ser candidato. Abimael Guzmán, chefe senderista, ainda anima surtos armados na selva central, mas sua meta é procurar um acordo de paz, algo que seguramente poderia conseguir melhor se a centro-esquerda (e em especial Humala) chegar neste 28 de julho à presidência.

Na Colômbia, o M-19 e setores do EPL foram se integrando à legalidade desde os anos 80. As tentativas para que as Farc pudessem se integrar ao sistema falharam quando nos 80 os quadros do braço legal que animava as Farc (a União Patriótica) foram assassinados e quando o presidente colombiano, Álvaro Uribe, decidiu cancelar a zona de distenção que se lhes tinha permitido ao sul da selva.

Uribe, conquanto chegou ao poder prometendo mão de ferro, teve de adaptar-se pragmaticamente a uma conjuntura internacional diferente. Com um subcontinente que gira à centro-esquerda e com uma evolução internacional das guerrilhas marxistas para acordos de paz, ele foi lançando anzóis às Farc e ao ELN para que venham se acoplando ao sistema.

A gradual incorporação das antigas subversões armadas de origem socialista aos sistemas que eles antes catalogavam de "democracias burguesas" é algo que vai gerar diversas oposições. Por uma parte, há setores militantes marxistas baseados nos sindicatos, para quem isto é uma mostra da "descaracterização" da guerrilha pequeno-burguesa. Eles seguem promovendo protestos e greves em massa como se que quisessem chegar a uma "insurreição proletária".

Por outra parte, há setores duros na direita que crêem que não se pode dialogar com o terrorismo e que a repressão a estes movimentos deve seguir e estar unida a uma legislação que permita maiores atrativos ao investimento privado.

Dado o giro dos grandes partidos e governos comunistas e social-democratas do mundo para a aceitação da globalização do mercado, a tendência é que as insurgências baseadas em sua influência ideológica e logística vão procurando deixar do caminho das metralhadoras, para abraçar o caminho das urnas.

(*) Isaac Bigio é analista internacional e lecionou política latino-americana na London School of Economics.





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