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Internacional
Terça - 31 de Janeiro de 2006 às 08:44

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Um milhão de palestinos votaram na quarta-feira, 25/01, no II parlamento de sua história, produzindo um “tsunami” que gerou impactos em todo o Oriente Médio e, inclusive no mundo.

O Hamas, uma das quatro organizações fundamentalistas islâmicas, presente na lista norte-americana dos mais perigosos grupos terroristas do planeta, chegou ao poder na Palestina. Não o fez com as armas, mas através das urnas. Conquistou a maioria absoluta da assembléia legislativa palestina.

Se o Hamas tivesse ultrapassado um quarto dos votos, todo o processo de paz com Israel poderia cair por terra. No entanto, essa vitória absoluta, foi algo tão inesperado e completamente estarrecedor a nível internacional.

O Hamas se gaba de ter organizado dezenas de atentados suicidas. Este método foi inicialmente empregado pelo Hizbola (grupo de xiitas libaneses) contra alvos militares. Mais tarde, o Hamas o aplicou para alvos civis indiscriminados. Depois a Al Qaeda aprofundaria o citado método até fazê-lo em grande escala e em solo das potências ocidentais.

Depois do 11 de Setembro de 2001, a prioridade da única superpotência do globo é a luta contra o “terrorismo islâmico”. Ao polarizar o mundo entre Bin Laden, Bush pôde incrementar sua popularidade interna e o papel dos EUA no mundo. No entanto, essa política começou a mostrar que gera fortes resistências armadas no Iraque e no Afeganistão.

'O Hamas venceu, contudo, usando as eleições, as mesmas que foram o grande presente que as intervenções de Bush ofereceram para o Oriente Médio' Agora, pela primeira vez desde o 11 de setembro, triunfa um daqueles movimentos “terroristas”, contra os quais tem se dedicado toda a diplomacia norte-americana. O Hamas venceu, contudo, usando as eleições, as mesmas que foram o grande presente que as intervenções de Bush ofereceram para o Oriente Médio.

Israel e o Ocidente não lhe gostaram muito do resultado, mas o que está por vir é uma alternativa ainda mais indigerível. Se Arafat reconheceu abertamente o direito de Israel em 77% da terra que eles originariamente reclamavam como sendo da Palestina, o Hamas faz questão de pedir a destruição do citado estado e sua substituição por uma república muçulmana. Se Arafat era um maometano secular, o Hamas propõe uma sociedade teocrática, baseada na lei do Alcorão. Se Arafat era considerado um terrorista em pele de cordeiro, o Hamas se orgulha de explodir ônibus com crianças hebréias.

Os EUA e Israel não podem atrever-se a desconhecer as eleições e a lançar uma nova invasão sobre Gaza. Isto minaria toda sua estratégia que procura liberar o Oriente Médio. De outro lado, não podem negociar com um novo governo palestino que não reconheça a Israel.

A fim de dissolver esse impasse Bush e Olmert deixam aberta uma porta para um possível dialogo com o Hamas. Pedem-lhes que renuncie, se quiserem destruir Israel. Porém, o Hamas não mencionou isso em seu programa eleitoral e já faz um ano que mantém uma trégua com Israel. Alegam que não voltarão a lançar bombas humanas, desde que Israel não lhes provoque.

O fato de um dos piores grupos terroristas chegar ao poder mediante eleições patrocinadas por EUA pode ser visto como um maremoto que impactou todos os lados. Eleições em Egito (o maior país Árabe) poderiam dar uma forte representação (e quiçá, uma vitória) à Irmandade Muçulmana (o partido que criou o Hamas), assim como as eleições argelinas chegaram a ser vencidas pelos islamitas. No Iraque e no Líbano, grupos que organizaram atentados no passado compartilham o poder. No Irã, a dureza de Bush produziu um efeito contraposto e o novo presidente deseja agora um projeto nuclear próprio.

Em Israel existem vários setores que vão desde os pacifistas até militares crentes que as intervenções de Sharon não fizeram mais que debilitar aos palestinos moderados e fortalecer os radicais. Em março e abril de 2004, mísseis israelenses tiraram a vida do Xeque Yassin (líder espiritual do Hamas) e depois, de seu sucessor Rantissi. Esses assassinatos, em vez de desmoralizar o Hamas, deram-lhe mais popularidade e o empurrão que precisaram para que conquistassem o coração de muitos setores palestinos, crentes de que nada se conseguiu com dez anos das negociações de Fatah.

Os resultados palestinos se dão a dois meses das eleições gerais israelenses e, justo quando uma enquête do diário Tem Aretz anunciando que as facções do Likud estavam em seu pior momento (baixando a participação de 17 para 14, num congresso de 120 membros) enquanto os laboristas cresciam de 19 para 21 e o centro de Sharon (Kadima) avançava de 40 para 44 membros.

'Diferentemente de Mandela ou Adams, o Hamas não passou por um processo de prévio abrandamento para se chegar ao poder. E chega ao governo mantendo intacto seu arsenal e sua pregação militarista'

Os sionistas duros trataram de tirar vantagem de um possível governo do Hamas para procurar polarizar à opinião pública hebréia a seu favor. No entanto, o Hamas cometeria uma incrível torpeza se retomasse atualmente, atentados contra Israel e, com isso, provocasse novamente a ascensão da direita de Netanyahu. Olmert tirou como lição que já não é possível anexar todos os territórios ocupados na guerra de 1967. Fazê-lo, implicaria em ter que dar cidadania israelense a mais de três milhões de árabes com os quais, a população judia se converteria em apenas 45%, tendendo, futuramente, a ser ultrapassada demograficamente pelos hebreus.

A proposta da ultra-direita sionista (Moledet) de transferir a todos os palestinos é inviável e por isso os facções realistas sabem que devem abandonar as zonas cuja demografia lhes é impossível alterar. Depois da vitória do Hamas, Olmert poderá acelerar a construção do muro com o qual procura anexar o Leste de Jerusalém e o Oeste da Cisjordânia, mas sabe que deverá ir se retirando unilateralmente.

Para o sionismo pacifista o triunfo do Hamas se deve ao fato de que as facções hebréias encostaram aos moderados árabes tradicionais. De forma que seu papel seria o de voltar a construir essa relação.

Paradoxalmente, o triunfo do Hamas pode abrir a médio prazo novas negociações. Por um lado, é de esperar um governo de aliança entre Kadima e os laboristas que vão desgarrando-se de zonas da Faixa Ocidental. Por outro lado, o Hamas se vê obrigado a administrar um Estado e deve procurar evitar que se corte a ajuda internacional (a mesma que ameaça o Hamas nesse sentido) e deve procurar manter seu status quo com Israel.

Alguns setores pacifistas palestinos crêem que talvez o Hamas permitiria para a sobremesa uma melhor negociação. Por um lado, a Palestina dialogaria com mais peso e por outro, o Hamas poderia garantir um acordo final. Diversos políticos ocidentais esperam que o poder apazigúe o Hamas. Mas, diferentemente de Mandela ou Adams, o Hamas não passou por um processo de prévio abrandamento para se chegar ao poder. E chega ao governo mantendo intacto seu arsenal e sua pregação militarista.

A vitória do Hamas é uma derrota muito dura para Bush, pois abre precedente para outros movimentos islâmicos e “terroristas”. Poderia conduzir a um confronto armado entre palestinos e ainda, entre estes e Israel. Enquanto durarem as eleições israelenses é improvável que qualquer candidato significativo hebreu fale em negociar com o Hamas, mas uma vez passadas as eleições, é possível que se crie um clima nesse sentido.

O que podemos estar vendo pode ser uma nova partição. Desta vez não seria feita pelos pombos de ambos bandos (Laboristas e Fatah), mas pelas alas mais duras de ambos os lados. Essa seria mais uma convivência que futuramente poderia culminar numa frágil saída bi-estatal.





Fonte: Da Assessoria

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