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Cultura
Segunda - 28 de Novembro de 2005 às 22:46

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Brasília - A dieta do fim de semana em Brasília alternou o fácil e o difícil, o popular e o erudito, o digestivo e o quase indigerível. Isso para dizer que os dois longas concorrentes foram Depois Daquele Baile, estréia na direção do ator Roberto Bomtempo, e Veneno da Madrugada, adaptação do romance La Mala Hora, de Gabriel García Márquez, realizada pelo veterano e consagrado diretor Ruy Guerra.

O primeiro foi consagrado pelas palmas, o segundo dividiu-se entre o aplauso e a vaia por um público que parecia mais confuso do que entusiasmado ou decepcionado.

Reação talvez adequada para um filme que não corteja o gosto popular em um único fotograma. Em conversa com o Estado, Guerra disse que fez um filme a seu gosto "com fotografia escura, chuva do princípio ao fim e lama". Não é só isso.

O longa aposta na radicalidade total, com uma estrutura temporal complexa, em espiral, e uma estética nada realista. Destoante, portanto, de tudo o que se faz atualmente no melhor cinema brasileiro. Pelo jeito, mais uma vez, o diretor de Estorvo será colocado como um caso à parte no cinema de invenção brasileiro contemporâneo.

Ruy Guerra mobiliza seu potencial de inventor formal para falar de uma hipotética cidadezinha, isolada do mundo pela chuva, dominada por um alcaide (Leonardo Vieira) atormentado por uma terrível dor de dente, em luta contra a elite local, simbolizada pela viúva Assis (Juliana Carneiro da Cunha).

Há um mistério na relação do alcaide com a viúva, mas ela só ficará clara muito mais adiante. Enfim, é um filme que se resolve por camadas, em versões narrativas que se sobrepõem e se comentam, ou às vezes se negam. O diretor não nega a dificuldade de sua obra: "Não estou trabalhando preso a relações causais estritas, por isso talvez meus filmes estejam ficando cada vez mais complicados."

Ruy se confessa leitor e admirador da física moderna, a menos intuitiva das ciências, daí essa dificuldade buscada.

Não se trata, porém, de uma dificuldade estéril. É um cinema de investigação, que busca alternativas de linguagem e de estrutura. Fala, porém, de coisas bem concretas ao nível do conteúdo: o provincianismo político latino-americano (e portanto brasileiro), a corrupção, o mandonismo rural, que se estende às cidades, o relacionamento promíscuo entre o poder formal e o poder econômico.

Na soma das três versões desse embate pelo poder, uma quarta: a do filme. E uma idéia básica, que o percorre: a verdade não é algo dado, que se busca e eventualmente se encontra; é algo que se constrói.

No extremo oposto, Depois Daquele Baile se apresenta como um filme de atores, um elogio aos sentimentos simples e bons. Como estes andam em falta, foi muito bem recebido pelo público do Cine Brasília, que já mostrou, no passado, maior cumplicidade com a ousadia estética. Mas enfim, o tempo passa, o perfil do público muda e este, o do presente, amou a de fato bonita história de uma viúva, Dóris (Irene Ravache), cortejada por dois solteirões amigos, Freitas (Lima Duarte) e Otávio (Marcos Caruso).

Encenado numa Belo Horizonte idealizada e fotografada em tom esmaecido, o filme defende valores positivos, como a lealdade, a amizade acima dos interesses e, finalmente, a oportunidade de refazer a vida amorosa, mesmo em idade um pouco mais avançada. Tudo para agradar a um público carente de valores positivos, em meio à crise moral e existencial em que vivemos. O cinema pode revelar e inquietar. Pode também consolar e confortar. Os dois caminhos são possíveis. E há também outros a serem experimentados.




Fonte: Agência Estado

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