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Internacional
Sexta - 08 de Abril de 2005 às 15:40

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Vaticano - O decano do Colégio de Cardeais, Joseph Ratzinger, leu uma homilia, em italiano, durante o funeral do papa João Paulo II. No texto, o cardeal, um dos mais próximos colaboradores de João Paulo II e ele próprio um candidato à sucessão no Trono de Pedro, diz que a morte do papa é um momento de tristeza, mas também de "alegre esperança e profunda gratidão". Ratzinger compara o sofrimento do papa em seus meses finais à dor de Cristo, e a trajetória de João Paulo II à de São Pedro, o primeiro bispo de Roma e papa.

Abaixo, a íntegra do texto:

"Segue-me". O Senhor Ressuscitado diz estas palavras a Pedro. Elas são suas últimas palavras a este discípulo, escolhido como pastor de seu rebanho. "Segue-me" - este dizer lapidar de Cristo pode ser tomado como chave para entender a mensagem que vem a nós da vida de nosso amado falecido papa João Paulo II. Hoje sepultamos seus restos na terra como uma semente de imortalidade - nossos corações estão plenos de tristeza, mas ao mesmo tempo de alegre esperança e profunda gratidão.

Estes são os sentimentos que nos inspiram, Irmãos e Irmãs em Cristo, presentes aqui na Praça de São Pedro, nas ruas vizinhas e em vários outros locais dentro da cidade de Roma, onde uma imensa multidão, orando silenciosamente, reuniu-se ao longo dos últimos poucos dias. Saúdo-os todos de coração. Em nome do Colégio de Cardeais, também desejo expressar meus respeitos aos Chefes de Estado, Chefes de Governo e às delegações de vários países. Saúdo as Autoridades e representantes oficiais de outras Igrejas e Comunidades Cristãs, e bem como aqueles de diferentes religiões. A seguir, saúdo os Arcebispos, Bispos, padres, homens e mulheres religiosos e os fiéis que vieram aqui de todos os continentes; especialmente os jovens, a quem João Paulo II gostava de chamar de futuro e esperança da Igreja. Minha saudação é estendida, além disso, a todos aqueles pelo mundo que estão unidos conosco pelo rádio e televisão nesta celebração solene do funeral de nosso amado Santo Padre.

Segue-me - como um jovem estudante, Karol Wojtyla entusiasmou-se pela literatura, pelo teatro, pela poesia. Trabalhando numa indústria química, cercado e ameaçado pelo terror nazista, ele ouviu a voz do Senhor: Segue-me! Neste ambiente extraordinário, ele começou a ler livros de filosofia e teologia, e então entrou no seminário clandestino estabelecido pelo cardeal Sapieha. Depois da guerra ele pôde completar seus estudos na faculdade de teologia da Universidade Jagielloiana de Cracóvia. Com que freqüência, em suas cartas a padres e em seus livros autobiográficos, falou ele a nós sobre seu sacerdócio, para o qual foi ordenado em 1º de novembro de 1946. Nesses textos, ele interpreta seu sacerdócio com referência particular a três palavras do Senhor. Primeira: "Vós não me escolhestes a mim mas eu vos escolhi a vós, e vos designei, para que vades e deis frutos, e o vosso fruto permaneça"(João 15:16). A segunda é: "O bom pastor dá a sua vida pelas ovelhas" (João 10:11). E então: "Como o Pai me amou, assim também eu vos amei; permanecei no meu amor"(João 15:9).

Nessas três palavras vemos o coração e a alma de nosso Santo Padre. Ele realmente foi a toda parte, incansável, para dar frutos, frutos que permanecem. "Levantai-vos! Vamos!" é o título de seu penúltimo livro. "Levantai-vos! Vamos!" - com essas palavras ele nos despertou de uma fé letárgica, do sono dos discípulos de ontem e hoje. "Levantai-vos! Vamos!" ele continua a nos dizer, ainda hoje. O Santo Padre foi um sacerdote até o fim, pois ofereceu sua vida a Deus por seu rebanho e por toda a família humana, numa oblação diária de si mesmo a serviço da Igreja, especialmente em meio ao sofrimento de seus meses finais. E desta maneira ele se tornou uno com Cristo, o Bom Pastor que ama suas ovelhas.

Finalmente, "permanecei no meu amor": o papa que tentou encontrar todos, que tinha uma capacidade para perdoar e abrir o coração para todos, diz a nós mais uma vez hoje, com essas palavras do Senhor, que por permanecer no amor de Cristo aprendemos, na escola do Cristo, a arte do verdadeiro amor.

Segue-me! Em julho de 1958, o jovem sacerdote Karol Wojtyla começou um novo estágio em sua jornada com o Senhor, nas pegadas do Senhor. Karol havia ido aos Lagos Masuri para suas férias costumeiras, juntamente com um grupo de jovens que adorava canoagem. Mas ele levou consigo uma carta convidando-o a visitar o Primaz da Polônia, Cardeal Wyszynski. Ele podia adivinhar o propósito da reunião: estava para ser nomeado bispo-auxiliar de Cracóvia. Deixando o mundo acadêmico, deixando esse envolvimento desafiador com os jovens, deixando a grande empresa intelectual de lutar para compreender e interpretar o mistério daquela criatura que é o homem e de comunicar ao mundo de hoje a interpretação cristã de nosso ser - tudo isso deve ter parecido a ele como perder a si mesmo, perder o que havia se tornado a própria identidade humana deste jovem padre. Segue-me - Karol Wojtyla aceitou a nomeação, pois ouviu no chamado da Igreja a voz de Cristo. E então percebeu como são verdadeiras as palavras do Senhor: "Qualquer que procurar preservar a sua vida, perdê-la-á, e qualquer que a perder, conservá-la-á"(Lucas 17:33). Nosso papa - e todos nós sabemos disso - nunca quis preservar sua própria vida, mantê-la para si, ele quis dar de si mesmo sem reservas, até o último momento, por Cristo e portanto também por nós. E portanto ele veio a viver como tudo que havia dado nas mãos do Senhor voltou de maneira renovada. Seu amor pelas palavras, pela poesia, pela literatura se tornou parte essencial de sua missão pastoral e deu nova vitalidade, nova urgência, nova atração a sua pregação do Evangelho, mesmo quando é sinal de contradição.

Segue-me! Em outubro de 1978, Cardeal Wojtyla mais uma vez ouviu a voz do Senhor. Uma vez mais teve lugar aquele diálogo com Pedro transmitido no Evangelho desta Missa: "Simão, filho de João, amas-me? Apascenta minhas ovelhas!" À pergunta do Senhor, "Karol, amas-me?", o arcebispo de Cracóvia respondeu, do fundo do coração: "Senhor, tu sabes todas as coisas; sabes que te amo". O amor de Cristo era a força dominante na vida de nosso amado Santo Padre. Qualquer um que já o tenha visto rezar, que já o tenha ouvido pregar, sabe disso. Graças a suas profundas raízes em Cristo, ele foi capaz de suportar um fardo que transcende as meras capacidades humanas: ser o pastor do rebanho de Cristo, sua Igreja universal.Esta não é a hora de falar do conteúdo específico de seu rico pontificado. Eu gostaria apenas de ler duas passagens da liturgia de hoje que refletem os elementos centrais de sua mensagem. Na primeira leitura, São Pedro diz - e, com São Pedro, o próprio papa: "Na verdade reconheço que Deus não faz acepção de pessoas; mas que lhe é aceitável aquele que, em qualquer nação, o teme e pratica o que é justo. A palavra que ele enviou aos filhos de Israel, anunciando a paz por Jesus Cristo (este é o Senhor de todos)" (Atos 10:34-36). E, na segunda leitura, São Paulo - e, com são Paulo, nosso falecido papa - exorta-nos, proclamando: "Portanto, meus amados e saudosos irmãos, minha alegria e coroa, permanecei assim firmes no Senhor, amados" (Filipenses 4:1).

Segue-me! Juntamente com a ordem de apascentar o rebanho, Cristo proclamou a Pedro que ele morreria uma morte de mártir. Com essas palavras, que concluem e compreendem o diálogo sobre o amor e o mandado do pastor universal, o Senhor relembra outro diálogo, que teve lugar durante a Santa Ceia. Ali, Jesus havia dito: "Para onde eu vou, não podeis vós ir". Pedro disse a ele: "Senhor, para onde vais?" Jesus respondeu: " Para onde eu vou, não podes agora seguir-me; mais tarde, porém, me seguirás" (João 13:33,36). Jesus da Ceia dirigiu-se para a Cruz, dirigiu-se para sua ressurreição - entrou no mistério pascal; e Pedro não poderia segui-lo. Agora - depois da ressurreição - vem o tempo, vem este "mais tarde". Ao pastorear o rebanho de Cristo, Pedro entra no mistério pascal, dirige-se à cruz e à ressurreição. O Senhor diz isso nestas palavras: "...quando eras mais moço, te cingias a ti mesmo, e andavas por onde querias; mas, quando fores velho, estenderás as mãos e outro te cingirá, e te levará para onde tu não queres" (João 21:18). Nos primeiros anos de seu pontificado, ainda jovem e cheio de energia, o Santo Padre foi aos confins da Terra, guiado por Cristo. Mas depois, ele cada vez mais entrou em comunhão com os sofrimentos de Cristo; cada vez mais compreendeu a verdade das palavras: "e outro te cingirá". E nesta verdadeira comunhão com o sofrimento do Senhor, incansável e com intensidade renovada, ele proclamou o Evangelho, o mistério daquele amor que vai até o fim (João 13:1).

Ele interpretou para nós o mistério pascal como um mistério de divina misericórdia. Em seu último livro, escreveu: o limite imposto ao mal "é, no fim, Misericórdia Divina" ("Memória e Identidade"). E, refletindo sobre a tentativa de assassinato, disse: "Ao sacrificar-se por todos nós, Cristo deu um novo significado ao sofrimento, abrindo uma nova dimensão, uma nova ordem: a ordem do amor... Este é o sofrimento que queima e consome o mal com a chama do amor e tira até mesmo do pecado uma grande torrente do bem". Impelido por essa visão, o papa sofreu e amou em comunhão com Cristo, e é por isso que a mensagem de seu sofrimento e de seu silêncio se provou tão eloqüente e tão fértil.

Misericórdia Divina: o Santo Padre encontrou o mais puro reflexo da misericórdia de Deus na Mãe de Deus. Ele, que muito jovem perdeu a própria mãe, amou sua mãe divina ainda mais. Ele ouviu as palavras do Senhor crucificado como se dirigidas a ele, pessoalmente: "Eis aí tua mãe". E então ele fez como o discípulo amado: "a recebeu em sua casa". (João 19:27). Totus tuus. E da mãe, aprendeu a se moldar em Cristo.

Nenhum de nós jamais poderá esquecer como, naquele último Domingo de Páscoa de sua vida, o Santo Padre, marcado pelo sofrimento, chegou mais uma vez à janela do Palácio Apostólico e uma última vez deu sua bênção Urbi et Orbi. Podemos estar certos de que nosso amado papa está hoje à janela da casa do Pai, que ele nos vê abençoa. Sim, abençoa-nos, Santo Padre. Confiamos nossas queridas almas à Mãe de Deus, tua Mãe, que te guiou a cada dia e que há de guiar-te agora à glória eterna de seu Filho, nosso Senhor Jesus Cristo. Amém.





Fonte: AP

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