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Cultura
Quinta - 17 de Março de 2005 às 16:50

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O México comemora nesta sexta-feira o cinqüentenário da publicação do romance mais aclamado de sua literatura, Pedro Páramo, escrito por um dos autores mexicanos mais enigmáticos da história, Juan Rulfo (1917-1986).

Desde a data exata do seu nascimento até as razões que o levaram a parar de escrever, depois de publicar um romance e um livro de contos, quase tudo na vida de Juan Rulfo foi e continua sendo motivo de discussão entre os especialistas.

"Juan Rulfo costumava inventar lugares de nascimento e datas, ancestrais e mil e uma circunstâncias sobre sua pessoa", contou seu amigo íntimo e tutor legal durante anos, Juan Ascencio, que acaba de publicar a biografia não-autorizada "Un ser extraño en la tierra" (editora Debate).

Além de "Un ser extraño", destaca-se ainda a publicação, esta semana, de uma cópia das primeiras versões de "Pedro Páramo" - quando era intitulado Los Murmullos - e de um ensaio sobre como a crítica recebeu o romance, La recepción inicial de Pedro Páramo, escrito por Jorge Zepeda.

Antecipando-se às celebrações oficiais, o povoado de Comala (estado de Colima), fez uma festa nesta quarta-feira em homenagem à publicação do romance. Comala tem o mesmo nome da cidade mística de "Pedro Páramo", mas alguns estudiosos afirmam que a história se passa no estado vizinho de Jalisco.

Durante anos Rulfo afirmou ter nascido em 16 de maio de 1918 em Apulco, estado de Jalisco (oeste), embora na verdade tenha vindo ao mundo no povoado de Sayula, exatamente um ano antes, segundo revelou Ascencio em seu livro, fruto de quase 20 anos de intensas pesquisas.

Pedro Páramo foi publicado em 1955 e confirmou a fama da obra anterior, O Planalto em Chamas, mas enquanto o romance adquiria fama em todo o mundo (foi traduzido para mais de 40 idiomas), Rulfo se trancou em um mutismo quase anti-social com aqueles que não eram seus amigos.

Cinqüenta anos depois, Pedro Páramo é reconhecido de forma unânime como o romance que deu origem ao "realismo mágico" latino-americano, desenvolvido depois por autores como o colombiano Prêmio Nobel de Literatura Gabriel García Márquez, que sempre reconheceu sua dívida para com Rulfo.

As terríveis seqüelas deixadas pela Revolução Mexicana e a chamada Guerra Cristera, travada na década de 30 do século passado pelo governo contra os católicos, provocaram visivelmente em Rulfo uma alergia a tudo o que fosse esquadrinhar seu passado.

Rulfo preferia tecer fábulas sobre sua infância difícil, reforçou Ascensio. Este foi o caso da morte do seu pai, Juan Nepomuceno Rulfo, que foi muito menos gloriosa do que contava o escritor, segundo seu biógrafo não-oficial.

Juan Nepomuceno era um fazendeiro modesto de Jalisco, que uma vez açoitou um vaqueiro que levava o gado para pastar em suas terras sem sua permissão.

Anos depois, temendo a vingança do peão, o obrigou a acompanhá-lo em uma viagem por suas terras.

O vaqueiro, chamado Guadalupe Nava, temia por sua vez ser executado pelo "senhor rico". Assim, atirou primeiro pelas costas em Juan Nepomuceno, em um final digno de "Pedro Páramo", contou Ascencio em seu livro.

"Deixem-no tranqüilo, que ele muito o merece", pediu no domingo passado a viúva de Juan Rulfo, Clara Aparicio, durante homenagem no Palácio de Belas Artes.

Dona Clara pediu que apenas se fale da obra do marido e, para dar o exemplo, leu um trecho inédito de "Pedro Páramo", descartado há 50 anos por Juan Rulfo: a história do padre Villalpando de Comala e de suas fantasias com uma de suas fiéis, Susana San Juan.

"Pensou em Susana e esfregou as mãos para dar a bênção; em seguida um corpo nu se deitou ao lado dele, se beijaram... depois, ao se afastar, disse: tenho um dia pela frente, mas não sei o que acontecerá quando a noite chegar", leu dona Clara, enquanto o público, emocionado, calou como cinqüenta anos atrás.





Fonte: AFP

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