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Politica Brasil
Terça - 30 de Novembro de 2004 às 08:22
Por: Adriana Vandoni Curvo

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Catarino era um médico bem sucedido, o que era de se esperar. Tinha sido um jovem estudioso, aplicado e interessado na profissão que escolhera quando ainda era uma criança. Sua clínica muito bem freqüentada por abastados durante a semana, abria as portas para os menos favorecidos nos finais de semana. Tudo ia bem. Carreira, família e coração. Ah, o coração! Estava cada dia mais apaixonado por sua esposa e pela família que juntos construíram.

Tudo perfeito até que sua vida cruzou com o destino de um paciente. Errou! Cometeu um deslize que deixou marcas profundas e eternas em um dos seus pacientes. Logo ele?, pensava Catarino. Tentou reverter o problema de todas as maneiras possíveis e nada. Já não dormia. De uma hora pra outra, sua vida, com toda a perfeição que conseguiu alcançar, desabou.

Catarino não conseguia mais sorrir, mesmo tendo passado um ano do ocorrido. Ele tinha consciência do mal causado na família do paciente. Acompanhava o reaprender a viver de um homem, antes ágil, agora limitado. Um homem que era a própria luz e que agora só via a escuridão. Acompanhava o esforço de uma família para dar conforto àquele que sempre foi o conforto de todos. Mas só o amor da família não bastava para apaziguar a alma daquele paciente que Catarino tanto gostava. Homem batalhador, que conseguiu vencer todas as adversidades da vida para chegar à velhice com a serenidade e paz que merecia, não fosse tal erro.

Isso atordoava a mente de Catarino. Acompanhar a agonia e o morrer a cada dia de um homem que lhe era estimado. A relação do médico com seu paciente é muito maior e mais íntima que de qualquer outro profissional com seu cliente. Lia e relia, nas noites de insônia, o juramento que fizera ao se formar.

“Eu, solenemente, juro consagrar minha vida a serviço da Humanidade...praticarei a minha profissão com consciência e dignidade. A saúde dos meus pacientes será a minha primeira preocupação”. Logo com ele, um seguidor fiel da escola hipocrática que ao tratar não via religião ou crença dos pacientes. Tratava-os de acordo com a ciência que aprendera nos bancos da faculdade de nos centros cirúrgicos pelos quais tinha passado até chegar aonde chegou.

O código de Ética latejava no coração de Catarino. “Praticar atos profissionais danosos ao paciente, que possam ser caracterizados como imperícia, imprudência ou negligência”. “Isentar-se de responsabilidade de qualquer ato profissional que tenha praticado ou indicado, ainda que este tenha sido solicitado ou consentido pelo paciente ou seu responsável legal”. Muitas vezes, Catarino chegou a tentar se convencer que tivera sido convencido pelo paciente, mas sabia que nada disso tinha acontecido. Sabia que tinha se esquecido um detalhe, um mísero detalhe que hoje assombrava seus dias e noites.

Um dia estava examinando o tal paciente, transtornado pelos seus pensamentos e pela óbvia conclusão do irreversível quando este lhe falou, parecendo escutar seu coração: “Eu não sabia, Doutor, que isso estava em meu destino. Se soubesse não teria vindo procurar o senhor para me tratar. Me perdoe!”

Adriana Vandoni Curvo é professora de economia, consultora, especialista em Administração Pública pela FGV/RJ. Blog: http://argumento.bigblogger.com.br




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