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Nacional
Quarta - 13 de Outubro de 2004 às 05:56
Por: Carla Rodrigues

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Se fosse uma proposta isolada, a idéia do deputado fluminense Edino Fonseca (PSC) de patrocinar, com dinheiro do estado, instituições que ofereçam a cura da homossexualidade, poderia parecer até original. No entanto, todos os sinais são de que a iniciativa do parlamentar evangélico faz parte de um amplo movimento religioso – no qual católicos e pentecostais são estrategicamente isolados – que pretende classificar a homossexualidade como doença grave, passível, portanto, de cura. Em Brasília, quem colocou o tema em pauta foi o deputado Neucimar Fraga (PL/ES), que desde 2003 propõe no Congresso mais ou menos a mesma coisa que Edino defende no Rio: convênios financeiros entre governo e instituições privadas que promovam a cura da homossexualidade.

Parlamentares como Fraga e Fonseca estão ancorados em argumentos da psicóloga Rozangela Justino, que, apesar das recomendações contrárias do Conselho Federal de Psicologia, tem trabalhado no que ela batizou de “movimento de apoio aos que voluntariamente desejam deixar a homossexualidade”. Trata-se de oferecer ajuda a homossexuais que, segundo ela, estejam passando por “sofrimento psíquico”. São determinações como a de Rozangela que o Conselho Federal de Psicologia pretende combater. Uma resolução do conselho coíbe as práticas de apoio aos homossexuais que pretendam se “converter” à heterossexualidade.

Com o projeto de Fonseca, o debate que desde 1999 estava restrito ao universo dos psicólogos, chegou ao plenário da Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro. “Aprovar um projeto como esse vai desmoralizar a Assembléia”, diz o deputado Carlos Minc (PT), articulador da oposição que tem nas mãos, por enquanto, 11 votos contra e um abaixo-assinado com 1.200 assinaturas. As baterias de Minc apontam contra o projeto que, segundo ele, é pior do que parece. A proposta de Fonseca quer que a cura da homossexualidade seja feita através de convênios com instituições “governamentais, não governamentais, associações civis, religiosas, profissionais liberais e autônomos”. Minc lembra que é fácil caracterizar o projeto como sendo em benefício próprio, na medida em que Fonseca tem uma igreja que trabalha justamente com isso.

Saia-justa para Rosinha

Enquanto o debate esquenta na Alerj, no governo do Estado o tema tem sido tratado com cautela e preocupação. O subsecretário de Direitos Humanos, Paulo Bahia, participou da audiência pública em que o tema esteve em pauta. “Esta questão só chegará ao Executivo se o projeto for aprovado”, diz ele, tentando deixar claro que, embora Fonseca faça parte da base governista e a governadora Rosinha Garotinho seja evangélica, não haverá mobilização no governo pela aprovação da lei. Bahia se comprometeu a apresentar ao líder do governo na Assembléia, Noel de Carvalho, todas as manifestações contrárias ou a favor da proposta. “Os cristãos, sejam os evangélicos, sejam os católicos, querem a aprovação do projeto ”, diz ele.

O pano de fundo do debate sobre “cura de homossexuais” é a crença religiosa. Na Assembléia, identificam-se sinais de pressão da Cúria Metropolitana para que a bancada católica também apoie a proposta, que já passou em duas comissões: a de Saúde, presidida pelo também evangélico Samuel Malafaia, e a de Constituição e Justiça, presidida pelo deputado Domingos Brazão. A inconstitucionalidade da proposta é uma das saídas para derrubá-la: “O projeto cria despesas para o Executivo, o que é inconstitucional”, diz o deputado Luiz Paulo Corrêa da Rocha (PSDB). Este é um dos pontos em que Minc pretende se basear, mas não o único. Autor de uma lei que pune a discriminação por orientação sexual, o petista considera a proposta uma aberração e não está sozinho.

Na academia, quem bate pesado é Sergio Carrara, antropólogo, professor do Instituto de Medicina Social da Uerj e coordenador do Centro Latino Americano em Sexualidade e Direitos Humanos: “Do ponto de vista científico, não existe nada mais controverso do que a possibilidade de uma reorientação sexual. Não só não existem estudos que demonstrem cabalmente essa possibilidade, como não se conhecem os métodos para tal transformação. O projeto não tem, portanto, qualquer embasamento científico. Seria, para dizer o mínimo, absolutamente irresponsável o Estado investir dinheiro público em programas que se proponham a alterar a orientação sexual das pessoas.”

No governo, há justamente quem tema que, uma vez aprovado na Alerj, a decisão de vetá-lo ou sancioná-lo se transforme numa saia-justa para a governadora Rosinha. Se sancionar, ela estará fortalecendo a principal e mais grave crítica ao seu governo: a indesejável e reacionária mistura entre política e religião. Se vetar, Rosinha estará batendo de frente com seus principais aliados, os parlamentares evangélicos. Para defender o governo de qualquer acusação deste tipo, o subsecretário Paulo Bahia lembra que o governo do Estado apoiou o Programa Brasil sem Homofobia, do governo federal, e está trabalhando para aperfeiçoar os mecanismos de fiscalização da lei contra a discriminação. Enquanto isso, o movimento gay se queixa do esvaziamento do Disque-Denúncia Homossexual, criado na gestão da ex-governadora Benedita da Silva e mantido na ativa a duras penas.

Enquanto colhe críticas importantes na sociedade, o projeto de Fonseca está sem defensores públicos. Procurado insistentemente pela reportagem de NoMínimo, o deputado preferiu não se pronunciar sobre as razões que o levaram a apresentar a proposta.




Fonte: Ibest

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