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Politica Brasil
Terça - 31 de Agosto de 2004 às 16:48
Por: Vitor Gomes Pinto

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O Referendo Revogatório, resultado de cinco anos de mobilização nacional para retirar o presidente Hugo Chávez Frias do poder, transformou-se num tiro que saiu pela culatra. A oposição aceitou regras eleitorais que na prática não lhe davam qualquer chance de vitória, confiando ingenuamente em que apesar de tudo poderia derrotar a máquina governamental. Na ressaca da derrota do “sim” (a pergunta feita no Referendo era se o mandato presidencial devia ser revogado. O “não” significava a permanência de Chávez), nada mais resta à Venezuela do que prosseguir com a sua sina: o Movimento Quinta República (MVR), bolivariano, no comando. Até aqui não se tornaram realidade as virulentas denúncias da oposição de que houve uma grande fraude, acusando as máquinas eletrônicas de terem sido programadas com um “tope” para o “sim”, ou seja, deixando de computar votos contrários ao presidente a partir de um certo limite, o que inevitavelmente daria a vitória ao governo. Observadores da OEA, o Centro Carter e o embaixador brasileiro Valter Plecy Moreira encarregado de supervisionar os escrutínios, também nada conseguiram descobrir e terminaram por validar os resultados.

Para um total de 14 milhões de eleitores, 40% consagraram Chávez, 27% o negaram e 33% se abstiveram. A proporção dos ausentes (o voto não é obrigatório na Venezuela) foi inferior à observada nos sete pleitos anteriores também vencidos por Chávez, mas ainda assim significou que 4,6 milhões de cidadãos não quiseram opinar, ou melhor, opinaram contra a situação e a oposição. Não votaram os sempre omissos, os que odeiam políticos – um número cada vez maior na América Latina – e os que não se sentem afetados pelo que o governo faz ou deixa de fazer. Não obstante, a Venezuela piorou muito nos cinco anos de Chávez no poder: o dólar que valia 573 bolívares em 1999 com livre flutuação, hoje está a 1.920 no regime de câmbio controlado e a 2.600 bolívares no preponderante mercado negro; a população em estado de pobreza saltou de 25 milhões para 45 milhões dos quais 6,4 milhões em miséria absoluta; o preço da cesta básica aumentou em 160%; a taxa de desemprego evoluiu de 11% para 21% de acordo com o Centro de Documentação e Análise dos Trabalhadores.

As razões para o novo triunfo chavista são várias: a) a debilidade oposicionista, manifesta na sua desunião interna permanente e na incapacidade de escolher um líder para fazer frente ao forte e indiscutível carisma do presidente; b) o demasiado prolongamento da luta anti-Chávez nas ruas, o que causou o cansaço da população; c) o fiasco do golpe de abril de 2002 (depois da greve que paralisara longamente o país), fracassado após curtas 42 horas de remoção do presidente eleito; d) a aceitação dos recentes programas de saúde com médicos cubanos e de apoio educacional nas periferias (denunciados como oportunistas e populistas, mas para as comunidades mais pobres representaram bem mais do que haviam recebido dos governos liberais anteriores); e) a ampla disponibilidade de recursos para sustentar a campanha de Chávez, pois o dinheiro proveniente da grande riqueza nacional, o petróleo (o preço do barril que era de U$ 18 dólares em 1999 atualmente é de U$ 45), foi utilizado sem condescendências para mantê-lo no poder; f) a polarização eleitoral do país que colocou as classes média e rica, apoiadas pela mídia, de um lado, e a grande massa de desvalidos (classes D e E) de outro, fazendo com que esta se vingasse nas urnas, quando todos os votos e todos os homens e mulheres ao menos por um instante se igualam; g) a politização da campanha que terminou por colocar em segundo plano o julgamento do improdutivo governo do MVR, tirando força das propostas reformistas da oposição; h) as desastradas interferências da administração de G. Bush que apoiou o golpe ao mesmo tempo em que continuou comprando o petróleo venezuelano.

Chávez uma vez mais tem tudo para concretizar seu projeto de longo prazo desenhado desde 2000. É o claro favorito para as eleições de 2006 quando poderá ganhar um novo mandato que lhe permitirá permanecer treze anos no poder. Para isto, com humildade precisa reunificar seu dividido país. Não é o seu estilo. Para começar já decidiu desconhecer o Coordenadora Democrática que reúne as forças que o estão enfrentando. Quer criar uma nova e mais dócil oposição, como já tentou sem sucesso nas reformas dos sindicatos e do setor educacional. A Venezuela, em meio a tanta confusão, aguarda por um milagre para voltar a respirar.

Vitor Gomes Pinto
Escritor, Analista internacional
Vitor.Gomes@persocom.com.br




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