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Politica Brasil
Sábado - 10 de Julho de 2004 às 09:27
Por: Antonio Carlos Máximo

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Ressalvando-se algumas exceções, as grandes experiências socialistas do Século passado sucumbiram. Em parte, foram derrotadas pela violenta pressão capitalista; mas, por outro lado, também foram vítimas dos seus próprios erros na construção de uma sociedade mais justa. Dentre os inúmeros equívocos, amplamente reconhecidos, podemos recordar de um deles que fez com que aquelas sociedades pagassem um alto preço: a substituição do princípio da igualdade pelo princípio do igualitarismo.

Paulo Freire, meu professor na PUC/SP no início da década de oitenta, era enfático nessas questões: “não podemos confundir a moral com o moralismo, pois o moralismo é a falsificação da moral, assim como, o puritanismo é a falsificação da pureza, o legalismo é a falsificação da legalidade, o igualitarismo é a falsificação da igualdade”.

Pois bem, a nossa Lei da Educação – a Lopeb - também adotou o princípio do igualitarismo como sinônimo de igualdade. E disso decorre o tratamento universal de que todos os “profissionais da educação” concorrem, de igual maneira, para o desenvolvimento do ato pedagógico. Neste caso, acaba sendo desvalorizada a especificidade da ação pedagógica.

Ora, dizer que todo o pessoal da escola tem enorme importância para a educação escolar é muito diferente de dizer que todos são educadores. Então, quem seriam os educadores? São aqueles que estão ligados de modo intrínseco ao desenvolvimento do currículo escolar. E quanto ao currículo também há uma grande confusão.

Há uma concepção aberta, genérica, de que tudo o que acontece na escola faz parte do currículo, desde o trabalho metódico do professor, em sala de aula ou no laboratório, até a Festa Junina, passando pelo trabalho dos técnicos, da merendeira, do guarda, da coordenação pedagógica. Ou seja, tudo é educação. Esta concepção de currículo aberta, em alguns casos, chega até mesmo à negação da necessidade da existência da escola, como alguns autores defendem. Pra que escolas se tudo e todos são educadores?

Não é esta a concepção de currículo que está na base da proposta de governo do Estado de Mato Grosso, aprovada nas urnas em 2002.

A concepção que está na base da proposta do governo é aquela que entende que o currículo é um conjunto articulado de três elementos: o conhecimento, o professor e o aluno. Ou seja, o professor é o mediador metodológico que orienta o caminho da criança rumo ao conhecimento. Desse modo, esses três elementos – o aluno, o professor e o conhecimento - formam a alma do processo da educação escolar – que não pode ser confundida com outras inúmeras formas de se fazer educação.

Nessa concepção, o trabalho docente é essencial, insubstituível, e todas as outras tarefas escolares cumprem uma função coadjuvante, auxiliar; jamais uma função essencial. Ou seja, no limite, pode até haver uma boa escola sem a merendeira, mas jamais sem esses três elementos: professor, aluno e conhecimento. Isso não quer dizer que a merendeira não mereça ser bem remunerada. Mas não pode ser entendida como educadora, pelo menos enquanto estiver no exercício de fazer a merenda.

Isto posto, cabe salientar que a proposta diferenciada de recomposição salarial feita pelo Governo do Estado aos “profissionais da educação” não é destituída de fundamentação teórica no campo da educação. Ela parte de uma concepção de currículo diferente daquela que está no espírito da LOPEB. Por outro lado, também coloca em questão o princípio do igualitarismo visto como sinônimo de igualdade. Que todos precisam ganhar bem, nisso o governo concorda, e tem expressado publicamente essa verdade. Mas diferenciar o reajuste é exatamente a busca de tratar com justeza aqueles que exercem funções essenciais. Ou seja, se todos forem tratados de maneira igual, nessa concepção de educação, o governo tem consciência de que estará prejudicando fortemente aqueles que são a alma da escola: os professores. Precisamos saltar de uma concepção estreita que vê igualitarismo como sinônimo de igualdade para instalar, na escola, a unidade na diversidade. A educação escolar, de qualidade, tem que ser o resultado de um conjunto de ações diferenciadas. Cada qual deve assumir tarefas e responsabilidades diferentes, algumas essenciais; outras, coadjuvantes. Todas importantes, mas nunca iguais.

* ANTONIO CARLOS MÁXIMO é doutor em Educação e secretário-adjunto de Política Educacional da Secretaria de Estado de Educação (Seduc)




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