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Internacional
Sábado - 29 de Maio de 2004 às 12:20
Por: Paulo Cabral

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Porto Príncipe - Bastam algumas horas em Porto Príncipe para encontrar vários haitianos com a camisa da Seleção Brasileira de futebol e algumas bandeiras brasileiras pintadas em lojas e casas. A simpatia pelo Brasil é evidente. Quando descobrem que estão conversando com um brasileiro, os haitianos costumam reagir com um enorme sorriso, um caloroso aperto de mão e a invocação do nome de jogadores de futebol, principalmente Ronaldo.

A empatia entre colonizados – enquanto países como França e Estados Unidos são vistos como colonizadores ou imperialistas – pode ser uma poderosa arma na mão dos soldados brasileiros que terão, como uma das principais missões, a tarefa de ajudar a desarmar pacificamente a população haitiana.



"Eu percebi uma fascinação, quase uma veneração, pelo Brasil que vai além do futebol. Acho que eles vêem o Brasil como um grande e importante país em desenvolvimento e se sentem muito identificados conosco pela herança cultural africana", diz o secretário da embaixada brasileira em Porto Príncipe, Fernando Aparício da Silva, que chegou há um mês de Brasília para preparar o terreno para os militares.

"Acredito que as tropas brasileiras deveriam marcar presença no Haiti pela simpatia e pelo enfoque no trabalho conjunto, mostrando que a intenção é ajudar e não impor nada", diz o diplomata.

O primeiro contingente de 42 soldados brasileiros que vai participar da missão chega neste sábado ao país, em quatro aviões Hercules C-130, que vêm também carregados de equipamentos e suprimentos. Até o dia 1º de junho – quando a missão liderada pelo Brasil assume formalmente suas funções no Haiti – serão 140 militares brasileiros no país. O grosso da tropa – que deve ser de 1,2 mil da força total de 6,5 mil – chega de navio até o dia 20 de junho. Já há em Porto Príncipe seis oficiais brasileiros do Estado Maior da missão.

"Os brasileiros são muito bem-vindos. Bem melhor do que ter americanos aqui", disse à BBC Brasil o haitiano Henry, um entre os muitos desempregados do país que vivem de bicos, guiando os poucos turistas e os numerosos jornalistas e funcionários de organizações internacionais que ocupam os hotéis de Porto Príncipe. Apesar de ter aprendido inglês, segundo contou, trabalhando com missionários da Igreja Batista americana no Haiti, Henry tem uma opinião dura a respeito dos Estados Unidos, que considera "a pior nação do mundo".

O sentimento anti-americano que ele expressa é comum entre haitianos, que depois de diversas intervenções militares ao longo do século – começando em 1915 – reclamam muito de o país ser um quintal dos americanos. "As pessoas gostam muito do Brasil aqui e com certeza a maioria da população vai receber bem os militares brasileiros", disse o fotógrafo Evens Sanon.

Golpe - Mas o fotógrafo acredita que a simpatia pode acabar não sendo tão grande nas perigosas favelas de Porto Príncipe, onde se concentra a maioria dos partidários do presidente deposto Jean Bertrand Aristide. Para os membros do partido Familia Lavalas – que por duas vezes levaram Aristide ao poder – a saída dele da Presidência em 28 de fevereiro não passou de um golpe de Estado, e as forças estrangeiras que estão no país estariam apenas ajudando os golpistas.

De fato, o mandato de Aristide deveria expirar apenas em fevereiro do ano que vem. Para os opositores de Aristide, a situação de caos no país no início do ano seria justificativa suficiente para abreviar seu governo, mas os partidários dele não vêem aí nada além da deposição de um presidente democraticamente eleito.

A impressão de que houve uma ação orquestrada da mídia internacional para desacreditar o presidente – que foi reeleito com 80% dos votos no ano 2000, embora apenas 28% da população tenha ido às urnas – é bastante difundida. Suficiente para despertar, no mínimo, olhares de desconfiança sobre estrangeiros que apareçam nos guetos de Porto Príncipe.

Enquanto eu rodava devagar em grandes congestionamentos pelas ruas da Favela de Belle Vue – onde nasceu o partido Lavalas - diversos moradores perguntavam ao motorista, gritando no idioma creole, se o estrangeiro que estava no carro era a favor "dos cinco anos", o mandato completo, para Aristide.

Num ambiente dominado pelos chamados chimeres – os grupos armados de jovens partidários de Aristide – é prudente dizer que sim e deixar para depois discussões políticas mais aprofundadas. A resposta mais segura é apresentar uma mão espalmada, com os cinco dedos esticados representando os cinco anos de mandato, o atual sinal de identificação dos membros do Lavalas. Armas

Os chimeres, os ex-militares das Forças Armadas que foram extintas por Aristide e os membros das diferentes milícias armadas que apoiaram as diversas ditaduras que governaram o país estão deixando a atividade política de lado.

Todos eles, no entanto, continuam com as armas na mão, e grande parte, independentemente da filiação partidária, abandonou as pretensões e interesses políticos para mergulhar no banditismo puro. Um dos reflexos mais assustadores desta mudança são os relatos de quadrilhas de estupradores que invadem casas no meio da noite para violentar famílias inteiras, já que há bem pouco o que roubar nas favelas haitianas. Mas também no centro de Porto Príncipe há muito medo, com lojas fechadas para evitar assaltos ou depredações.

Desarmar esta população é uma das principais funções da Força de Estabilização da ONU para o Haiti que assume formalmente suas funções, sob comando brasileiro, no próximo dia 1º de junho.

Os cerca de 6,5 mil soldados devem substituir os 3 mil militares dos Estados Unidos, Canadá, França e China que compõem a Força Multilateral Interina, uma missão autorizada pela ONU, mas que não faz parte das operações comandadas pela organização.

Segundo o chefe do setor de comunicação da ONU em Porto Princípe, Rorome Chantal, avalia-se que 25 mil pessoas no Haiti tenham nas mãos armas ilegais. "O Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento já havia começado, ainda antes da saída do presidente Aristide, um programa-piloto de desarmamento, cujo modelo deve ser adotado de maneira mais ampla a partir de agora", explicou.

Segundo Chantal, os jovens são convidados a entregarem suas armas em troca de ajuda financeira para desenvolverem algum tipo de negócio. "Achamos que o desarmamento pacífico deve buscar reinserir na sociedade estas pessoas que se dispuserem a entregar suas armas", diz. Recursos Mas ele admite que ainda falta dinheiro para tocar o programa em grande escala.

Os recursos podem vir das gestões que o presidente Boniface Alexandre e o primeiro-ministro Jean Pierre Latortue – os dois líderes do governo provisório – estão fazendo junto à comunidade internacional para conseguir dinheiro para a reconstrução do Haiti.

"A decisão sobre como estes recursos vão ser gastos é do governo. Mas eu espero que a comunidade internacional entenda a importância de tudo o que está acontecendo neste país agora", diz Rorome Chantal.




Fonte: Enviado Especial/BBC Brasil

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