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Politica Brasil
Segunda - 08 de Março de 2004 às 16:15
Por: Vitor Gomes Pinto

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O Brasil está prestes a cometer mais um erro em sua política internacional. Acusado de dar sustentação ao confuso e cada vez mais despótico regime de Hugo Chávez na Venezuela, agora se prepara para enviar tropas ao Haiti numa “força de paz” da ONU cuja missão, além de colocar alguma ordem no caótico país centro-americano, poderá ser a de encobrir as trapalhadas já cometidas pelos interventores norte-americanos e franceses.

Jacques Chirac teria telefonado a Luiz Inácio Lula da Silva dizendo-lhe o quão fundamental seria para o Brasil até mesmo assumir a coordenação das forças de intervenção no Haiti. Os 15 países da Comunidade Econômica Caribenha, a Caricom que pedira à ONU, sem ser atendida, o envio de “casacas azuis” para defender Porto Príncipe do ataque de hordas bárbaras de rebeldes, declararam que não apoiarão o envio de tropas estrangeiras devido à remoção à força do poder do presidente Jean-Bertrand Aristide.

O presidente Hipólito Mejía da República Dominicana, país que divide a Ilha de Hispaniola com o Haiti, declarou sua neutralidade. Ele receia uma corrida de desesperados na fronteira, da mesma maneira que os EUA não querem uma nova invasão de balseiros em suas costas e por isso estão pagando salários e consertando os barcos da Guarda Costeira do Haiti.

Nem Aristide nem seus violentos opositores, que consumiram o país com suas gangues e esquadrões da morte, devem ser desculpados, mas isto não justifica o rompimento da democracia por forças externas. De acordo com os norte-americanos Randall Robinson (amigo de Aristide) e Maxine Waters (congressista pela Califórnia), com base em relato do próprio ex-presidente depois repetido à rede CNN, ele foi forçado a sair de sua residência em Porto Príncipe e seqüestrado por 20 mariners em uniforme de combate e armados para ser colocado em um avião cujo destino só conheceu ao pousar no aeroporto de Bangui, República Centro-Africana (RCA).

Cabe perguntar: quem faz o presidente Bush cometer tantos equívocos? Será o Secretário de Estado, General Colin Powell (65 anos), que de imediato negou tudo, ou o Secretário de Defesa Donald Rumsfeld (72), ambos antigos aliados dos falcões republicanos? Ou o jovem e ultraconservador Roger Noriega (45), Secretário-Assistente para o Hemisfério Ocidental que foi recebido com risos no Senado ao dizer que “no caso do Haiti foi uma difícil decisão mas creio que tomamos a mais correta, mas não apoiamos a saída violenta desse homem”. Talvez a idéia tenha surgido no grupo de apoio de Noriega, que inclui ex-membros do governo Reagan, como Otto Reich e Elliot Abrams, responsáveis por arbitrariedades na Nicarágua e em El Salvador nas décadas de 70 e 80. Talvez o General Hill, do comando sulista do Pentágono que coordena as forças de ocupação no Haiti. Ou, ainda, Robert Zoellick que embora seja o Representante de Comércio, é tido como um especialista em América Latina que seria ouvido quando se trata de uma decisão de peso sobre a região, como neste caso. Outra hipótese, menos provável, reside no embaixador no Haití, James Foley, que teria “bolado” o seqüestro junto com seu colega francês Thierry Burkard.

Não é gratuito nem casual o destino dado a Aristide, que em Bangui hospedou-se no palácio do presidente François Bezize, acompanhado pela mulher, um cunhado e dois guarda-costas. Bezize há um ano atrás derrubou com um golpe armado a Ange-Félix Patasse (em cujo governo era Ministro do Exército) que por descuido fora a uma reunião no Níger depois de cair no desagrado de franceses e americanos pelo acordo que fizera com o líbio Muammar Kaddafi em agradecimento pela proteção recebida em uma tentativa de golpe que sofrera pouco antes.

A RCA, ex-protetorado francês, com uma renda per-capita de 260 dólares consegue ser ainda mais miserável que o Haiti (U$ 400, mas cresceu 1% em 2003, mais que o Brasil que amargou o índice negativo de 0,5%). Bezize está pagando parte da dívida para manter-se no poder e, ao mesmo tempo, servindo de base para a reaproximação de EUA e França, de relações abaladas desde a invasão do Iraque.

O que o Brasil vai fazer ao participar desse complexo jogo de tantos interesses? 1.100 ou mais soldados, a maioria gaúchos de São Leopoldo e Caçapava, irão para defender o jurista Boniface Alexandre que ocupa temporariamente a presidência (o exército do Haiti foi dissolvido em 95) e impedir ataques e saques a hospitais e mercados? Ou compensar, com o famoso jeitinho brasileiro, a valentia de mariners e gauleses? Os haitianos não aceitam a presença externa.

Como disse Égalité Smith de 31 anos a um repórter do New York Times: “Eles (os americanos) raptaram Aristide. Não queremos guerra, mas também não queremos a ocupação do Haiti”.

Vitor Gomes Pinto Escritor, analista internacional, autor do livro Guerra nos Andes Vitor.gp@persocom.com.br




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