TJ revoga gratuidade a advogado que tenta receber R$ 232 milhões Tribunal entendeu que Fernando Ojeda tinha condições de arcar com despesas do processo
A 1ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJ-MT) revogou a concessão de assistência judiciária gratuita (isenção de pagar despesas processuais) ao advogado advogado Fernando Santos Ojeda, filho do desembargador aposentado Fortunato Ojeda.
A decisão é do dia 14 de outubro. O pedido para revogar o benefício foi feito pelos herdeiros do falecido empresário paulista Oscar Hermínio Ferreira Filho e de sua falecida esposa Maria Amélia Ferreira, em uma ação que envolve imóveis rurais avaliados em R$ 1,5 bilhão.
Nesta ação, o advogado Fernando Ojeda busca receber R$ 232 milhões a título de honorários, em razão dos serviços que prestou ao falecido empresário para garantir a posse dos imóveis.
O magistrado chegou a conceder uma decisão liminar (provisória) em que bloqueou este valor em favor do advogado, mas a decisão foi posteriormente revogada pelo Tribunal de Justiça (TJ-MT).
A gratuidade da ação havia sido concedida pelo juiz Gilberto Lopes Bussiki, da 6ª Vara Cível de Cuiabá. Na ocasião, o magistrado entendeu que a parte contrária não provou que o advogado possuía meios de arcar com as despesas do processo, orçadas em R$ 51,4 mil.
Porém, os herdeiros recorreram com a tese de que apesar da declaração de hipossuficiência (quando a parte diz que não consegue arcar com os custos sem prejudicar seu sustento ou o sustento da família), o advogado não teria o direito de receber a gratuidade.
O espólio do empresário, representado por seu filho Oscar Ferreira Broda, afirmou que Fernando Ojeda atua em processos de expressivo valor, possui escritório próprio em região nobre da Capital e “externa sinais de riqueza, utilizando veículos de significativo valor e frequentando bares e restaurantes da cidade”.
“Tudo isso, com devido respeito, é incompatível com a alegação de hipossuficiência”, argumentaram.
Por sua vez, Fernando Ojeda sustentou que não possui capacidade financeira para pagar as despesas do processo.
As circunstâncias acima expostas realmente não permitem a conclusão de que o recorrido não possui condições econômicas e financeiras para arcar com as custas do processo
“De fato o Impugnado não é miserável ou desprovido de bens, mas sua atual situação não lhe permite dispor de valores representativos justamente para fazer valer seus direitos, principalmente porque os valores das taxas e custas judiciais em nosso Estado não são módicos”, defendeu Ojeda.
Benefício revogado
Em seu voto, o relator do processo, desembargador João Ferreira Filho, afirmou que a simples declaração de hipossuficiência não é suficiente para garantir o benefício, “sendo necessária a oferta de elementos mínimos confirmatórios da pobreza alegada”.
Para o magistrado, o advogado Fernando Ojeda não pode ser classificado como uma “pessoa economicamente necessitada”.
“O agravado é advogado (profissional liberal), e não consta do instrumento recursal quaisquer informações quanto ao rendimento médio mensal
auferido por ele em decorrência de sua atividade profissional; ademais, apesar de ter se declarado pobre na concepção da lei, vez que apresentou declaração de hipossuficiência, afirmou, expressamente, que “não é miserável ou desprovido de bens”, consentindo, sem ressalvas, fossem realizadas “consultas ao Infojud (Receita Federal) e demais sistemas informatizados” sobre sua situação patrimonial (cf. fls. 22/29)”.
“As circunstâncias acima expostas realmente não permitem a conclusão de que o recorrido não possui condições econômicas e financeiras para arcar com as custas do processo, considerando, sobretudo, além de o valor perseguido na ação (R$ 232.295.202,60), o perfil social e profissional do mesmo”, ressaltou.
João Ferreira Filho também afirmou que a Justiça não pode manter a gratuidade quando há circunstâncias que comprometem a veracidade da informação de que a parte não pode custear a ação.
“Embora a lei não reserve o benefício da gratuidade processual apenas à clientela miseranda, àquele em estado de dolorosa e permanente penúria material, mas sim àquele que, na oportunidade do ajuizamento da demanda, não tenha capacidade econômica suficiente para custear o processo judicial sem comprometimento da subsistência pessoal e familiar, não há dúvida alguma, porém, que esse perfil nenhuma relação de correspondência mantém com a parte que, propondo a discussão judicial em valor que ultrapassa a cifra de R$ 200 milhões de reais, revela, pela própria descrição objetiva das circunstâncias que cercaram a lide, possuir situação patrimonial estável e apreciável, muito além da média”, justificou.
“Estando ausente, portanto, comprovação dos requisitos essenciais à concessão da assistência judiciária gratuita, entendo que o agravado é, sim, capaz de suportar as despesas processuais”, votou.
Estando ausente, portanto, comprovação dos requisitos essenciais à concessão da assistência judiciária gratuita, entendo que o agravado é, sim, capaz de suportar as despesas processuais
O voto de João Ferreira Filho foi seguido, de forma unânime, pelo desembargador Sebastião Barbosa Farias e pela desembargadora Nilza Maria Pôssas de Carvalho.
A ação bilionária
Fernado Ojeda ingressou na Justiça pedindo a indisponibilidade dos bens e contas do espólio do falecido empresário para garantir suposta dívida com honorários advocatícios.
Em junho do ano passado, Fernando Ojeda havia conseguido o bloqueio de R$ 232 milhões em seu favor. Porém, a decisão foi revogada em outubro daquele ano pela 1ª Câmara Cível do TJ-MT.
Conforme a ação, o advogado realizou a defesa do empresário em uma briga judicial sobre as áreas de terra da “Gleba Atlântica Grandes Matas”, localizadas no norte do Estado, nos municípios de Cláudia, Sinop e Itaúba.
Os imóveis rurais possuem área total de 142 mil hectares e são avaliados em R$ 1,5 bilhão.
No contrato firmado, segundo o advogado, ficou estabelecido que o empresário lhe pagaria 15% do valor total de cada imóvel que viesse a ser recuperado.
Outra cláusula do contrato também previa que, caso o contrato fosse rescindido unilateralmente por Oscar Ferreira, o advogado Fernando Ojeda teria direito de receber 10% do valor total da ação, a título de multa.
O empresário faleceu em 2007 e seu filho, Oscar Ferreira Broda, rescindiu unilateralmente o contrato, mas não pagou a multa prevista.
Em razão disso, o advogado entrou na Justiça, em 2012, pedindo o bloqueio de bens dos herdeiros para receber o valor da multa que, corrigida e atualizada, ultrapassa a faixa de R$ 232 milhões.
A princípio, a tese de Fernando Ojeda foi acatada pelo juiz Gilberto Bussiki, que determinou o bloqueio liminar dos R$ 232 milhões em favor do advogado. O bloqueio atingiu os bens e contas que estão em disputa na ação de inventário que tramita em São Paulo (SP).
O magistrado verificou que os fatos poderiam acarretar em insolvência, ou seja, o advogado poderia “ganhar e não levar” caso a ação fosse julgada procedente.
Porém, os herdeiros do falecido empresário recorreram sob a alegação de que o bloqueio foi uma “verdadeira inovação”, uma vez que o pedido inicial requeria o bloqueio no que tange à Gleba Atlântica, e não sobre todos os bens.
Eles contaram que o contrato em questão também foi celebrado com o advogado Efraim Rodrigues Gonçalves e, por isso, mesmo que o pedido fosse procedente, Fernando Ojeda teria direito a apenas metade dos R$ 232 milhões.
O argumento foi aceito pela 1ª Câmara Cível do tribunal, que revogou o bloqueio. O relator do caso, desembargador João Ferreira Filho, entendeu que a indisponibilidade determinada anteriormente era uma medida “drástica” e “precipitada”, pois não havia decisão reconhecendo o direito de o advogado receber o montante a título de honorários.
João Ferreira explicou que o possível bloqueio de bens, se procedente, só poderia ter sido determinado pelo Juízo da 4ª Vara Especializada de Sucessões de São Paulo/SP, local onde tramita o inventário dos bens do empresário. Na ocasião, o voto do magistrado foi acatado por toda a câmara.
Já o advogado Fernando Ojeda, em novo recurso, contestou o entendimento da 1ª Câmara Cível. Ele afirmou que a decisão teve “premissas equivocadas” e que deveria ter sido analisada com base nos artigos 798 e 799 do Código de Processo Civil, “que disciplinam o poder geral de cautela do juiz”.
O desembargador João Ferreira Filho discordou da alegação, uma vez que, segundo ele, a decisão teve respaldo em artigo previsto no Livro II do Código de Processo Civil, que regulamenta o processo de execução.
“A particularidade motivadora da opção pela reforma do ato decisório guarda relação com a impossibilidade de reserva de bens pelo Juízo da 9ª Vara Cível da Comarca de Cuiabá/MT, posto que a providência – disposição ou reserva de bens que constituem os espólios de Oscar Hermínio e Maria Amélia Ferreira – é de competência do Juízo pelo qual tramita a ação de Inventário, a saber, o da 4ª Vara Especializada de Sucessões de São Paulo/SP”, explicou.
O desembargador também afirmou que o próprio advogado sabia que apenas a Justiça paulista tinha a competência para bloquear os bens em seu favor.
“Tanto é verdade que, antes de formular o pedido que culminou na prolação da decisão agravada, pediu a reserva de bens perante o Juízo verdadeiramente competente para apreciar a matéria, e, mesmo de forma desnecessária, já que o agravado/embargante confessou o fato às fls. 159, os Espólios fizeram prova disso ao juntar os documentos de fls. 447/453”, relatou.
“Anotou-se, ainda, que o Juízo do Inventário deu de ombros ao pedido de reserva, mas, diante disso, o embargante nada fez; conformou-se ao ser sumariamente ignorado pelo Juízo Especializado e, como se assim pudesse proceder, formulou pedido idêntico de forma incidental em ação de Resolução Contratual que aqui em Mato Grosso tramita, na esperança de que qualquer pronunciamento judicial – de provimento, claro – aqui proferido pudesse suplantar o silêncio paulistano e reverberar – muito – intensamente no acervo patrimonial deixado aos seus herdeiros por Oscar Hermínio e Maria Amélia”, pontuou.
Ainda em seu voto, João Ferreira afirmou que, além de a Justiça de Mato Grosso não poder bloquear os bens, os herdeiros questionaram a existência da dívida.
“Constata-se que o Código de Processo Civil, ao regulamentar o processo de inventário, impede o próprio juízo universal de reservar bens em caso de alegação de inexistência da dívida, o que afasta ainda mais – se é que isso é possível – a pretensão de reserva de bens procedida pela decisão reformada pelo acórdão embargado”, entendeu.
O voto de João Ferreira Filho foi acompanhado pelo desembargador Sebastião Barbosa e pela desembargadora Nilza Maria Pôssas de Carvalho.
Gratuidade processual
De acordo com a Lei 1060/50, para receber a isenção basta que a parte afirme na petição que não possui condições de arcar com as despesas processuais sem que isso gere prejuízo para si e sua família.
No entanto, o artigo 5º inciso LXXIV da Constituição Federal também estabelece que o Estado só concederá o benefício para quem comprovar não possuir recursos para pagar as despesas processuais.
Ou seja, mesmo com a declaração de pobreza o magistrado pode negar o pedido se verificar que a parte tem condições de pagar as custas processuais.
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