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Politica Brasil
Segunda - 30 de Janeiro de 2023 às 09:05

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Como ministro da Agricultura, Carlos Fávaro assume uma pasta estratégica em duas das principais agendas do governo Lula, que tomou posse em 1º de janeiro: o combate à fome e o desenvolvimento sustentável, cumprindo metas e acordos assinados pelo Brasil.



“Não é possível nós termos abundância de produção, com safras cada vez maiores, e ter gente na ‘fila do ossinho’”, ressalta, em entrevista à Globo Rural. “O Ministério da Agricultura vai trabalhar sob a ótica do apoio à preservação ambiental, na busca do carbono neutro e que é possível fazer isso com crescimento da agricultura e combate à fome”, acrescenta.



Nascido em Bela Vista do Paraíso (PR) e produtor rural em Mato Grosso, Fávaro tem uma trajetória política ligada à sua atuação como representante do setor. Foi presidente da Associação dos Produtores de Soja e Milho de Mato Grosso (Aprosoja-MT) entre 2012 e 2013, vice-governador de Mato Grosso (2015 a 2018) e, depois de ocupar o cargo de senador interinamente, venceu eleição suplementar em 2020, e passou a ser titular.



No cargo atual, Fávaro diz querer ficar conhecido como um ministro contemporâneo, que pensou na necessidade de aumentar a produção agropecuária com sustentabilidade. Avalia de forma positiva a recriação dos Ministérios do Desenvolvimento Agrário e da Pesca e Aquicultura e afirma que muitos irão se surpreender com o “alinhamento” entre ele e a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, em matéria de sustentabilidade.



Fávaro conversou com Globo Rural em seu gabinete, no Ministério da Agricultura, na última quinta-feira (26/1). Na entrevista, confirmou que o deputado federal Neri Geller ocupará a Secretaria de Política Agrícola e disse que já lhe deu atribuições relacionadas ao Plano Safra 2023/2024. “Já determinei ao futuro secretário Neri Geller, junto com a sua equipe, para começar a interlocução com o Ministério da Fazenda”, afirmou.



Procurando demonstrar que está integrado à ideia de “transversalidade” do novo governo, o ministro da Agricultura afirma ainda que o Estado terá maior participação na política agrícola. Ressalta, por exemplo, que a Embrapa precisa de dinheiro público para pesquisas menos atrativas ao setor privado. E reafirma a necessidade de recompor estoques públicos.



Leia os principais trechos da entrevista e dê play nos vídeos para mais detalhes.



Globo Rural: ministro, como o senhor pretende posicionar o Ministério da Agricultura em duas agendas estratégicas assumidas pelo presidente Lula: o desenvolvimento com cumprimento das metas climáticas e ambientais do Brasil e o combate à fome?



Carlos Fávaro: Primeiro, devo dizer que o Ministério da Agricultura é muito bem estruturado, com servidores competentes, dedicados e com uma sequência de bons ministros. Ministros vocacionados, que conhecem profundamente o agronegócio brasileiro e, com essa equipe de técnicos e apoio à agricultura brasileira, nós saímos de 70 milhões a 80 milhões de toneladas em 2002 para 312 milhões a 320 milhões em 2023. Gostaria muito de ser reconhecido como um ministro contemporâneo, que pensou em como nós temos que aumentar a produção com sustentabilidade, respeito ao meio ambiente. Claro que o tripé da sustentabilidade passa pelo econômico, pelo lucro, e o setor vai muito bem. Mas também pelo respeito ao meio ambiente e, principalmente, a inclusão social. Não é possível nós termos abundância de produção, com safras cada vez maiores, e ter gente na “fila do ossinho”, passando fome. O grande legado que o presidente Lula vai deixar é tirar o Brasil do Mapa da Fome mais uma vez. E o Ministério da Agricultura tem um papel relevante. Em um primeiro momento, com a oferta abundante de alimentos, que já o faz, mas, depois, na expansão de área com respeito ao meio ambiente, sobre pastagens com baixa produção, que hoje estão degradadas e podem ser renovadas. É possível incrementar a área produtiva de 5% a 10% anualmente. Isso vai gerar emprego na cidade, oportunidades da indústrias e também oportunidades no campo. O Ministério da Agricultura vai trabalhar sob a ótica do apoio à preservação ambiental, na busca do carbono neutro e é possível fazer isso com crescimento ainda da agricultura e no combate à fome.



GR: O senhor, inclusive, falou sobre isso em sua viagem recente para a Alemanha. Como foi a receptividade internacional dessa agenda?



Fávaro: Posso ser muito objetivo nisso e muito sincero. O humor do mundo mudou a favor do Brasil. O mundo entendeu que voltamos a ter um presidente de diálogo, da diplomacia, do respeito à soberania de cada país. O presidente Lula foi sempre o grande embaixador brasileiro. E já retomou o bom diálogo com a América do Sul, buscando fortalecer o Mercosul. Já tem agenda com os Estados Unidos, vai ter agenda na União Europeia, com o governo chinês e eu percebi isso na Alemanha. Estive no encontro da agricultura verde nos últimos dias, onde participaram 66 ministros da Agricultura, mais 17 organismos internacionais, e vi lá um vento favorável às nossas políticas públicas. Um bom tratamento ao Brasil, as oportunidades que voltaram a ter. Fato disso, é que, nos primeiros dias, tivemos a liberação das importações pela China de plantas frigoríficas suspensas. Desde 2019, não vínhamos habilitando nada para a China. Também tivemos a habilitação de 11 plantas frigoríficas para vender para a Indonésia e habilitação do algodão brasileiro para poder comercializar no Egito. Sabemos a grife que é, o carimbo positivo que é o algodão brasileiro fazer parte do algodão egípcio. Tudo isso já aconteceu em 20 e poucos dias. Não é mérito do ministro da Agricultura. É da equipe técnica que trabalhou, dos empresários que fizeram tudo certo. Mas a credibilidade voltou a partir do presidente Lula. E tenho certeza de que vamos viver um momento de oportunidade no mercado internacional, de ampliar as relações comerciais.



GR: Mas para cumprir com essa agenda estratégica, o senhor tem um Ministério com uma estrutura bem diferente, com a volta dos Ministérios do Desenvolvimento Agrário e da Pesca. O que o senhor espera da articulação com os ministros Paulo Teixeira e André de Paula?



Fávaro: Estamos fazendo um governo transversal. É muito importante um governo ter políticas voltadas para cada setor. Eu sempre digo que não existem duas agriculturas. Existe uma agricultura empresarial, de larga escala, e uma agricultura familiar fundametal, que coloca alimentos nas mesas dos brasileiros, que tem uma baita rentabilidade, desde que tenha apoio, uma presença mais forte do Estado. Essa é a diferença. Uma propriedade média, grande, consegue contratar engenheiro agrônomo para dar assistência técnica, engenheiro florestal para fazer regularização ambiental da propriedade. Um pequeno sítio não tem essa capacidade financeira. Então, precisa do Estado presente, do crédito agrícola. Por isso, ter um Ministério do Desenvolvimento Agrário é tão fundamental, para tratar da regularização fundiária, tratar de capacitação, treinamento. Tudo isso muito mais focado. A mesma coisa é o Ministério da Pesca. É fundamental investir nas cadeias produtivas. Não dá para o Ministério da Agricultura tratar, por exemplo, do seguro-defeso, dos ribeirinhos, que são políticas muito vocacionadas, que são importantes. Mas todas essas áreas estarão interligadas ao Ministério da Agricultura. Vamos fazer política de transversalidade, apoiando toda forma de agricultura, pecuária, pescado juntos, com pequenos, médios e grandes produtores.



GR: Mas dentro dessa transversalidade, há questões a serem resolvidas. A situação da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) já está definida? Como vai funcionar essa gestão?



Fávaro: A Conab cumpre um papel para todos os produtores. O que eu tenho dito desde a transição é que não temos como ter política agrícola, Secretaria de Política Agrícola; não temos como ter apoio à comercialização para produtos que estão abaixo do custo de produção, se não tivermos vínculo com a Conab. Não conseguimos, na política de combate à fome e de controle da inflação, por exemplo, fazer algum estoque público esperando que a agricultura familiar vá fazer. Porque ela produz menos, baicamente para sua subsistência. O excedente é pequeno. Quem pode fazer o maior excedente para um estoque e garantir a chegada de milho competitivo aos produtores de proteínas no Nordeste é a agricultura de larga escala. Por isso, nós precisamos ter vínculo com a Conab. É uma questão de continuidade de política pública. A Conab tem a obrigação de continuar atendendo o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), o que não é para o Ministério do Desenvolvimento Agrário, mas do Ministério do Desenvolvimento Social. A Conab também precisa ter essa transversalidade. Eu não vejo problema nenhum e acho importante ter vínculos também com a agricultura familiar, mas não pode deixar de ter vínculo com o Ministério da Agricultura.



GR: A Conab, além disso que o senhor colocou, tem um papel importante de prover informações sobre a produção brasileira. Como está a discussão sobre esse aspecto do trabalho?



Fávaro: A Conab já faz um trabalho de informação relevante, mas pode e deve ser ampliado. Hoje, nós temos algoritmos à disposição para isso e, com maior número de informação, minimizarmos os impactos negativos e potencializar os impactos positivos. PTanto para a política pública quanto para a iniciativa privada. Posso dar exemplo. Se a gente tiver um bom conjunto de relatórios prevendo, por exemplo, uma estiagem, como está acontecendo agora no Rio Grande do Sul, eu direciono a política agrícola para o fortalecimento do seguro, do Proagro. Já essa mesma informação para a agroindústria, ela sabe que, talvez, terá menos estoques de milho e soja para as rações do conjunto de integradoras, ela se antecipa e faz as compras. A melhoria da informação é a garantia de maior excelência.



"A preferência ideológica de cada cidadão tem que ser respeitada. Mas também é importante o respeito ao resultado das urnas. Todos os que tiverem essa consciência e quiserem o bem do Brasil, estamos de portas as abertas." (Carlos Fávaro, ministro da Agricultura)



GR: Entrando mais na agenda de combate à fome. Claro que a agropecuária brasileira é parte integrante. Mas, como, de fato, pode e tem que atuar?



Fávaro: Produzir cada vez mais, mas não basta só isso. O Brasil já é um grande produtor de alimentos e tem muito excedente sendo exportado. Se isso só bastasse, não teríamos a “fila do ossinho” acontecendo em Cuiabá (MT), capital do maior Estado produtor de alimentos do Brasil. O incentivo à grande produção para o controle da inflação é fundamental, mas onde mais a agricultura pode colaborar? Na geração de empregos. A expansão sustentável da agricultura, a geração de oportunidades no campo e na cidade. Quando a gente vai plantar alguns hectares a mais, precisamos de trator, de implemento, precisamos de engenheiros agrônomos, precisamos de tratorista, precisamos de mecânicos, de quem desenvolve sementes, de quem desenvolve fertilizantes. A cadeia produtiva pode ser um grande gerador de oportunidades. Qualificar, treinar. O Sistema S de parceiro, o Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar) como parceiro do homem do campo para capacitar a mão de obra mais aperfeiçoada, demanda pelo agronegócio. É a oportunidade de criar o maior programa social que existe, que é o emprego, a renda para o pai de família. Então, produzir alimentos e ajudar a gerar mais emprego é, certamente, uma grande colaboração que a agropecuária brasileira vai dar no combate à fome.



GR: Falta um pouco mais essa visão de cadeia dentro do setor, ministro?



Fávaro: O agro é um grande gerador de empregos, principalmente a pequena propriedade. Mas nós precisamos treinar, capacitar e evoluir. Um programa que nós vamos fazer, já estamos desenhando na política agrícola, é para incentivar a conversão de pastagens degradadas. Imagine, à medida que você chega em uma pequena propriedade, onde tem meia cabeça por hectare de bovino, de vaca leiteira, você levar um programa que leve dez toneladas de calcário, uma tonelada de adubo supersimples, meia tonelada de cloreto de potássio, que faça matéria orgânica. Imagina o vigor que terá essa pastagem. Talvez seja possível ter três, quatro, cinco vacas leiteiras em um mesmo hectare. Vai aumentar a renda, certamente ele vai precisar de mais um colaborador. Um filho, em vez de ter que ir para a cidade para procurar emprego em um supermercado, em um comércio ou em uma loja, fica dentro da pequena propriedade, junto do pai, da mãe e da família, tendo renda e qualidade de vida. Então, investir nas tecnologias, na capacitação, no fomento da agricultura é, sim, política de combate à fome.



GR: Como reforçar esse papel da agricultura no combate à fome quando a gente vê que estatísticas apontam, por exemplo, para áreas cada vez menores de arroz e feijão?



Fávaro: Porque essa é uma lei de oferta e procura. Nós temos que respeitar. Talvez o hábito alimentar do brasileiro esteja mudando. Talvez ele esteja comendo mais farinha, comendo mais produtos derivados de trigo. E aí, vem a política complementar. A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) trabalha, por exemplo, para a expansão do cultivo do trigo tropicalizado, para do Centro-oeste e ampliar de acordo com o consumo. Temos que ter oferta de alimentos, mas de acordo com o desejo do cliente, que é o cidadão. A Conab tem um grande papel, que foi abandonado nos últimos anos, que é ter estoques mínimos de produtos.



GR: E como deve ser essa recomposição de estoques públicos? De que instrumentos o governo disporia? O senhor já tem uma medida do orçamento para isso?



Fávaro: O Ministério do Desenvolvimento Social, ministro Wellington Dias, já está fazendo uma proposta de política transversal. Já estivemos conversando, as equipes técnicas estão trabalhando. Ele precisa, emergencialmente, de um programa de aquisição de cestas básicas e a Conab está pronta para isso. Vamos dimensionar para poder dar o apoio. Também estamos pensando no tamanho dos estoques que serão necessários. Não queremos fazer grandes estoques públicos, muito menos manter uma estrutura de armazenagem obsoleta, atrasada, retrógrada, para guardar. Temos mecanismos mais modernos, de armazéns privados. Você contrata e deixa o estoque público lá à disposição. Mecanismos de apoio à comercialização, por exemplo, o Prêmio Equalizador Pago ao Produtor (Pepro) ou o Prêmio para o Escoamento de Produto (PEP) para determinadas indústrias do Nordeste, para que possam comprar um milho com apoio de deslocamento, para que não chegue lá muito caro lá e não comprometa a produção de proteína, gerando inflação e dificuldade da renda do cidadão consumir um frango, uma carne bovina, carne suína. A Conab pode e tem esses instrumentos disponíveis e orçamento, sem muito exagero, mas, para o fundamental, nós temos.



GR: Porque custa, não é? E uma coisa é fazer política de comercialização ou formação de estoques com o milho a R$ 8 ou R$ 10 em Sorriso ou Lucas do Rio Verde. Outra coisa é fazer isso com milho a quase 90 reais a saca...



Fávaro: Mas veja bem. Talvez, teria mais despesa pública quando o milho estava a 10 reais porque eu tinha que apoiar toda a comercialização para levar o cereal até os portos e aos mercados consumidores. Os prêmios de escoamento de milho consumiam de R$ 2 bilhões a 3 bilhões. Hoje, nós temos um apoio à comercialização agrícola aprovado no nosso orçamento, de R$ 1,320 bilhão. Se eu não preciso apoiar os preços das commodities dos produtores na totalidade, preciso apoiar só aquele destinado ao controle da inflação, com muito menos volume. Para regiões específicas, onde o frete impacta muito, onde o estoque público tem que chegar para fazer um contraponto ao aumento de preços. Só isso. Então, eu acho que temos recurso suficiente para essas políticas emergenciais e pontuais. Os preços de commodities são satisfatórios, garantem a rentabilidade aos produtores que, portanto, não vão precisar de apoio, de um modo geral, do governo federal. Ressaltado que tem alguns produtos que precisam de apoio. Mas são coisas muito pontuais e tem recurso pra isso.



GR: E precisa de produção. O senhor está otimista com a safra 2022/2023?



Fávaro: A previsão é de uma safra recorde, pequenos problemas pontuais hoje, com seca no Rio Grande do Sul, mas o Brasil continua sendo um grande produtor de alimentos, com oportunidades, com safra recorde, com abundância de alimentos e tenho certeza de que vai continuar assim por muito tempo.



GR: Vamos passar para outro ponto importante: a questão ambiental e das mudanças climáticas. O senhor tem dito que o grande problema do Brasil neste aspecto é de imagem. Por quê?



Fávaro: Porque nós temos boas práticas ambientais. O Brasil tem um Código Florestal extremamente restritivo quanto ao uso e ocupação do solo, nós temos 66% do nosso território completamente preservado. É um número muito relevante. Nós temos práticas extremamente benéficas ao meio ambiente. Por exemplo, a produção de duas safras em um mesmo ano em um mesmo hectare. É a boa ocupação do solo para produzir alimentos. Nós tiramos a pressão sobre novos desmatamentos produzindo duas vezes no mesmo hectare. Temos a política de plantio direto. Praticamente, hoje, 100% da produtividade de grãos e fibras no Brasil é de plantio direto. Temos um mercado exponencial para mostrar ao mundo. Nos últimos anos, a imagem ficou muito abalada porque o movimento dito aí, do governo passado, de “passa boiada”, que ninguém está prestando atenção, começou um desmatamento desenfreado, de um milhão e meio, dois milhões de hectares incorporando desmatamento por ano. Isso causou um prejuízo de imagem muito grande.



GR: Como trabalhar essa imagem de uma maneira eficiente pensando, por exemplo, que a União Europeia está endurecendo a sua legislação em relação a consumo de produtos que possam estar vinculados a desmatamento?



Fávaro: Não só no discurso, mas também na prática. Nos primeiros dias que eu estive aqui, recebi uma associação dos produtores de couro destinado à indústria automobilística, que está preocupada com as restrições às exportações, associadas ao desmatamento ilegal. Como nós podemos combater isso? Fortalecendo a rastreabilidade, mostrando para o mundo que esse couro é produzido a partir de bovinos que não são provenientes de áreas de desmatamento ilegal. A rastreabilidade fortalecida é a garantia de continuidade de mercados importantes. Não basta ter um discurso de que vamos produzir de forma sustentável. Vamos mostrar para o mundo com transparência, com rastreabilidade, com competência, com legislação que nós produzimos com sustentabilidade, com respeito ao meio ambiente, com respeito ao social, ao cidadão que trabalha no campo, à diversidade, com legislação e com prática.



GR: Como estão as conversas entre o senhor e a ministra Marina Silva para trabalhar essa imagem?



Fávaro: Muito bem. As pessoas descrentes vão se surpreender com o nosso alinhamento em torno da produção sustentável. Não podemos só usar o comando e controle, o rigor da lei para combater más práticas ambientais, mas também premiar e incentivar as boas práticas. Esse alinhamento transversal será muito importante. Nós não podemos deixar de dizer da importância de Embrapa, extremamente prejudicada nos últimos anos. O orçamento ficou restrito em 2022 a praticamente 96,5% para pagar folha de pagamento e alguma manutenção. A função principal de pensar na pesquisa, na inovação tecnológica, no desenvolvimento da agropecuária ficou em segundo plano. Virou uma empresa de RH, de pagamento de folha. Então, nós já dobramos o orçamento da Embrapa em 2023, vamos estruturar, e estamos fazendo isso com o mestre Silvio Crestana, que já foi convidado pelo presidente Lula para assumir a presidência. Estar estruturando uma etapa contemporânea, moderna, com as novas missões, em pesquisar e desenvolver políticas sustentáveis para o produtor brasileiro. E aí o conjunto de ações, Ministério do Meio Ambiente, Agricultura, Desenvolvimento Agrário, Pesca, Embrapa, Conab, tudo isso junto vai fazer a agropecuária brasileira cada vez mais sustentável.



GR: O senhor citou o seu trabalho como uma sequência de boas gestões anteriores. Mas o relatório da transição fez muitas ressalvas em relação à política agrícola no governo anterior. O que deve ser mantido e o que deve ter outro rumo?



Fávaro: O liberalismo econômico, a política tentada pelo governo passado, que tirava a presença do Estado de qualquer política pública. Um exemplo: “a Embrapa não precisa de dinheiro público para pesquisar. Faz convênio com o setor privado para a pesquisa”. Está errado, porque o dinheiro privado só vai aonde vislumbrar lucro e, muitas vezes, a pesquisa tem que ser feita sobre coisas que tenham baixo impacto econômico. Eu posso dar um exemplo. Uma grande revolução foi a pesquisa feita pela Embrapa na correção dos solos do Cerrado através do calcário, que é uma matéria-prima tão barata, tão barata, que não atrai interesse de grandes companhias. Hoje, talvez, sim. Mas 40 anos atrás, quem ia querer montar uma indústria de calcário para grande escala no Cerrado brasileiro? A Embrapa pesquisou, mostrou a importância, a oportunidade, e está aí hoje o Cerrado brasileiro sendo recordista de produção. Posso dizer mais: o bioinsumo. Será que ele é atrativo para as grandes empresas, para as grandes companhias de moléculas, com o produtor podendo ter a sua própria fábrica? Mas quem vai desenvolver essa pesquisa se ela não é atrativa economicamente para a indústria? A Embrapa. O governo passado achava que não tinha que ter estoque, que não precisava ter juros equalizados porque o mercado era suficiente. E hoje, nós estamos vendo juros de 13%, 13,5% até 18%, o que é incompatível. Então, há uma mudança em políticas públicas a serem implementadas pelo Ministério da Agricultura. Em termos de gestão, não. Sempre muito bem gerido, com gente muito competente, honesta, capacitada. Tanto os servidores, quanto os ex-ministros.



GR: Não demora muito, começam as discussões para o próximo Plano Safra. Como o senhor imagina o próximo Plano Safra, dada a conjuntura da economia, do setor e a situação fiscal do país?



Fávaro: Temos que estar vocacionados em fortalecer, e já está proposto, o Pronaf, que é fundamental; o seguro agrícola, uma política que vem dando certo; ter um recurso para equalizar as taxas de juros dos médios e grandes produtores. Mas que não é a principal vocação. Acho que precisamos voltar com o Moderfrota, com o Moderinfra. E aí sim, temos recursos. Já estamos trabalhando isso. Já determinei ao futuro secretário Neri Geller, que vai assumir a Secretaria de Política Agrícola nos próximos dias, quando deixar de ser deputado federal, junto com a sua equipe, para já começar a interlocução com o Ministério da Fazenda para equacionar recursos que sejam suficientes para retomada do crescimento. Porque isso é investimento. À medida que você apoia aquisição de equipamentos, além de aumentar a produção no campo, com máquinas mais modernas e mais eficientes, gera empregos na cidade, gera oportunidade na indústria e, aí, você gera impostos e o Brasil passa a ter superávit. É um ciclo virtuoso da economia com que agricultura contribui muito bem. Ao não termos mais apoio governamental para aquisição de máquinas equipamentos e armazéns, estamos encolhendo a nossa economia e perdendo a nossa grande vocação. Essa será a retórica e o tom que nós adotaremos, pedindo o apoio do Ministério da Fazenda.



GR: E o Plano ABC, ministro? O Plano ABC, pelo menos até agora, é uma pequena parte do Plano Safra. Já não seria ou não passou do momento de o ABC ser o Plano Safra, com toda a estrutura de crédito rural vinculada ao baixo carbono?



Fávaro: Claro! Não tenho dúvida disso! Já começamos a discutir com a área técnica, com a Secretaria de Sustentabilidade, Cooperativismo, Inovação Tecnológica e Bioeconomia, a secretária Renata; conversamos com a Secretaria de Política Agrícola. Por exemplo, nós temos lá no programa ABC a menor taxa de juros do Plano Safra, que é para recomposição de APP e Reserva Legal nas propriedades. Que bom que nós temos essa oferta de crédito! Mas porque não termos lá, nesta mesma rubrica, recursos com a mesma taxa de juros para conversão de pastagens degradadas? Por que não termos na mesma rubrica recursos para financiar biofábricas? O programa ABC fortalecido é a certeza de que nós vamos incrementar a produção sustentável, equilibrada e responsável.



GR: Mas o senhor ainda coloca o fortalecimento de um programa ABC. Quando é que o ABC pode ou vai deixar de ser apenas um programa e permear essa política?



Fávaro: É uma conjuntura natural. Você não consegue impor pela força todas as práticas. Você vai ganhando pelo convencimento. Precisamos incentivar a pesquisa, inovação, assistência técnica e, aí, pelo convencimento, vai arrastando. Aí sim, quero crer que, em um futuro próximo, a política agrícola esteja toda voltada ao ABC.



"O incentivo à grande produção para o controle da inflação é fundamental, mas onde mais a agricultura pode colaborar? Na geração de empregos. A expansão sustentável da agricultura, a geração de oportunidades no campo e na cidade." (Carlos Fávaro, ministro da Agricultura)



GR: O senhor usou a palavra convencimento. Como pretende dialogar com as lideranças e entidades do setor que, em boa parte, já se mostra bem crítico ao governo?



Fávaro: A eleição acabou. Nós respeitamos a democracia, a livre iniciativa, o apoio a determinado candidato. A preferência ideológica de cada cidadão tem que ser respeitada. Mas também é importante o respeito ao resultado das urnas. Todos os que tiverem essa consciência e quiserem o bem do Brasil, estamos de portas as abertas. A imensa maioria das pessoas que pensam racionalmente, que têm as suas preferências, mas respeitam a democracia e as entidades de classe que pensam assim já estão sendo recebidas e nós estamos juntos trabalhando para essa unidade de um Brasil melhor. Esse é o ponto sensível. Mostrar que o convencimento é através do racional, do que é o resultado das urnas e de compromissos firmados pelo presidente Lula. Muitas coisas que acabaram afastando a preferência de produtores pelo presidente Lula são fake news. A imensa maioria é uma retórica do passado que não se mostrou verdadeira quando ele já foi presidente. Esse agronegócio que não votou e não apoiou o presidente Lula, talvez, seja muito pela retórica mentirosa, de que ia taxar exportação, de que vai trazer insegurança jurídica ao campo, desrespeito à propriedade privada, do direito de propriedade. Ele já mostrou sendo presidente que é contrário a essas práticas e vai assim ser nesse novo mandato.



GR: E no que depende do Congresso Nacional, quais são as prioridades e onde estarão as maiores dificuldades?



Fávaro: O presidente Lula tem dito que este é um governo político, aberto ao diálogo. Se a proposta apresentada para determinado setor da economia, para a área de política pública, não seja o consenso ainda para a votação, é preciso ceder, ajustar. Mas precisamos avançar, não retroceder. Por exemplo, o PL dos Pesticidas. Eu disse à ministra Marina Silva ‘estamos todos no mesmo alinhamento’. Eu, como produtor, tenho certeza de que todos os produtores brasileiros não querem as moléculas organofosforadas cancerígenas contaminando alimentos. Eu quero os biodegradáveis, os biológicos, os produtos seletivos, que matam as pragas, mas não fazem nada no inimigo natural, eu quero aqueles que não contaminam o solo, a água. E, para isso, nós temos que modernizar a legislação para ter uma aprovação mais célere e eficiente. Eu duvido que exista aqui no Ministério da Agricultura algum técnico que tenha coragem de assinar a autorização para uma nova molécula que não teve a aprovação na Anvisa, que tenha coragem de assinar a autorização para uma nova molécula que não teve a aprovação do Ibama. Temos que modernizar, desburocratizar e buscar cada vez mais alternativas de produção sustentável, equilibrada, quanto menos contaminada possível, até extinguirmos totalmente qualquer risco de contaminação por ingredientes ativos. Então, a modernização da legislação sem precarizar será um bom debate no Congresso. Difícil é você tratar com quem não quer dialogar, com quem já sabe tudo, com quem já sabe o resultado, já sabe o que quer fazer e não precisa de ninguém. Com quem quiser dialogar, nós vamos sempre chegar a bom termo.



GR: o senhor já chegou a conversar com a Frente Parlamentar Agropecuária depois da posse?



Fávaro: Já. conversei com o novo presidente, Pedro Lupion (deputado federal - Progressistas/PR). Ele tem as pautas importantes para o agronegócio. Ele cumpre um papel fundamental, de defender da sua forma seus eleitores, seus apoiadores. Ele, a Frente, cada um. Mas claro que o governo também tem suas responsabilidades, tem seus antagonistas também, as pessoas que pensam diferente. Mas sempre o diálogo vai estar aberto e a convergência é para que nós tenhamos o fortalecimento da agropecuária brasileira, através do diálogo, da ciência, do desenvolvimento de tecnologias e de políticas públicas.





Fonte: globo rural

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