Como a cachaça ajudou a combater o metanol na década de 90 Sem antídotos disponíveis, médicos recorreram à cachaça para salvar vítimas de bebida adulterada na Bahia
O Brasil enfrenta um novo surto de intoxicação por metanol, com 217 notificações e 17 casos confirmados em todo o país, segundo o Ministério da Saúde. O cenário faz lembrar um episódio inusitado e dramático ocorrido nos anos 1990, quando médicos brasileiros usaram cachaça como antídoto para salvar vítimas de envenenamento por metanol.
Médicos recorreram à cachaça nos anos 1990 como antídoto emergencial contra intoxicação por metanol (Foto: Reprodução)Na época, uma crise de grandes proporções atingiu a Bahia após o consumo de bebida adulterada com metanol em uma festa, deixando 18 mortos e dezenas de pessoas internadas com sintomas graves, como cegueira e desmaios. Sem o antídoto oficial (o fomepisol, inexistente no Brasil naquele momento), profissionais da rede pública improvisaram o tratamento com o que tinham à disposição: cachaça.
O princípio científico da decisão é sólido. O etanol, presente nas bebidas alcoólicas comuns, compete com o metanol no fígado e impede que ele se transforme em substâncias mais tóxicas, como o formaldeído e o ácido fórmico, responsáveis pelos danos neurológicos e renais. Essa reação bioquímica pode dar tempo para o corpo eliminar o veneno antes que ele cause sequelas irreversíveis.
“Ele [o paciente] recebe aquilo pela sonda nasogástrica. Os que estão melhores, a gente usa em copinhos”, relatou um dos médicos à época, em entrevista ao Fantástico, descrevendo o tratamento improvisado que, embora arriscado, salvou vidas em meio ao caos hospitalar.
Trinta anos depois, o princípio do tratamento continua válido. Em casos emergenciais e sob supervisão médica, o etanol ainda pode ser usado como alternativa quando o fomepisol não está disponível. A diferença é que hoje o método é aplicado com controle rigoroso de dose e acompanhamento contínuo em unidades de saúde.
Surto atual reacende o alerta
O novo surto de intoxicação levou o Ministério da Saúde a importar 2,5 mil unidades de fomepisol e 12 mil ampolas de etanol farmacêutico. O país concentra a maioria dos casos em São Paulo, onde 15 pessoas foram diagnosticadas e duas mortes confirmadas.
A mobilização nacional inclui ainda a ampliação da rede laboratorial de referência, com Unicamp e Fiocruz realizando exames de detecção. O governo reforça que o uso de etanol ou fomepisol deve ocorrer exclusivamente sob prescrição médica.
O Ministério alerta também para o risco do consumo de bebidas de origem duvidosa. Em caso de suspeita de intoxicação, é essencial procurar atendimento médico imediato e, se possível, levar a embalagem da bebida para análise.

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