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Internacional
Segunda - 30 de Maio de 2011 às 10:42

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Jamais as diferenças culturais entre os brasileiros, franceses e alemães envolvidos no acidente com o voo AF447 estiveram tão claras quanto no momento da descoberta, neste mês, dos corpos das vítimas, junto aos destroços do Airbus A330, encontrado a 3,9 mil m de profundidade no oceano Atlântico. Confrontados a fazer face a um mesmo desafio, imposto há dois anos pela tragédia, os familiares das vítimas se uniram para forçar a França a trazer as respostas que todos procuram, mas também se depararam com discordâncias sobre a melhor forma de proceder para alcançar os objetivos.
 

O Terra procurou familiares brasileiros, franceses e alemães, nacionalidades mais representadas entre os 228 mortos naquela noite de 31 de maio de 2009 - 59 vítimas brasileiras, 72 francesas e 26 alemãs. Todos reconhecem que as diferenças culturais se fizeram sentir desde os primeiros dias após a queda do avião da Air France, que realizava o trajeto Rio de Janeiro-Paris. De uma forma geral, os brasileiros, mais emocionais, não relutaram a falar abertamente com a imprensa, divulgar informações muitas vezes reservadas às famílias e a exigir que o Brasil se engajasse na busca pelas causas do acidente. Também não tardou para demonstrarem desconfiança em relação à investigação comandada pela BEA, o escritório francês que apura as causas que levaram a aeronave a despencar: o órgão é subordinado ao estado francês, que é também acionário da Air France e da Airbus.

Reservados, europeus se mantiveram mais cautelosos
Mais reservados, os europeus tiveram um comportamento oposto: os primeiros rostos de parentes foram aparecer em público dias após a tragédia, na medida em que as associações de familiares começaram a ser montadas. Por longos meses, a palavra de ordem que media as ações dos franceses era cautela nas acusações à Airbus, à Air France ou ao BEA. "A maioria dos franceses não tinha relações com o Brasil e confesso que ficamos surpresos com a pressão e a desconfiança em relação aos investigadores, pois não estamos acostumados a encarar as coisas desta forma", diz Gwenola, noiva francesa de um passageiro morto na tragédia. Já os alemães, sempre muito apegados aos dados técnicos da investigação, pouco a pouco se alinharam aos brasileiros nas suspeitas de que as gigantes aeronáuticas pudessem estar sendo acobertadas.

Nesta época, as associações mantinham contato, mas agiam de maneira independente umas das outras. "Acho que os familiares franceses não conseguiam se desvencilhar de certo patriotismo: eles demoraram para acreditar que duas grandes empresas ligadas à França poderiam ser responsáveis por uma tragédia tão grande, afinal, eles confiavam muito na Air France e na Airbus", afirma Deborah Barochel Pereira Leite, nascida no Brasil mas que mora há mais de 20 anos na Alemanha, de onde tem a nacionalidade. O marido dela estava no AF 447. "Houve divergências em alguns pontos, mas o luto é o mesmo para todos nós."

O advogado da associação francesa Entraide et Solidarité, Alaon Jacubowicz, disse ao Terra que a associação alemã havia inclusive desistido da última fase de buscas em alto mar, que acabou resultando na localização das caixas-pretas e dos corpos. Os alemães ouvidos pela reportagem negam essa versão, embora confirmem que o ceticismo diante das operações realizadas pelo BEA estava cada vez maior, uma vez que as buscas precedentes não haviam sortido resultados. "Eu acho que houve um período de muitos mal entendidos e preconceitos. A ignorância da cultura do outro levou algumas vezes a conclusões generalizadas, mas hoje nós trabalhamos juntos e somos muito próximos", afirma Nikolaus Betzler, alemão viúvo de uma brasileira.

Suspeitas sobre as buscas uniram famílias
A principal controvérsia, entretanto, é recente: foi durante a difícil decisão de buscar ou não os corpos encontrados junto aos restos do avião. Os brasileiros faziam questão que o resgate fosse realizado, a maioria dos franceses era contrária a essa opção, enquanto os alemães tiveram uma profunda divisão sobre o tema. "Percebemos o quanto os brasileiros são apegados à presença física dos seus entes queridos. E mesmo se boa parte de nós, franceses, achava que o resgate só traria mais sofrimento, concluímos que não havia outra opção: mesmo se apenas uma família desejasse o resgate, nós tínhamos o dever de respeitar essa vontade", afirma Robert Soulas, que perdeu a filha e o genro.

Na medida em que o fosso entre os órgãos oficiais e as associações de famílias aumentou - os alemães se queixam de ter enviado cartas ao BEA que jamais foram respondidas -, as três entidades se reaproximaram, sobretudo a alemã e a brasileira. "O fato de que tenham encontrado as caixas-pretas em um local relativamente próximo de onde o BEA vinha procurando foi muito suspeito, para todos nós. Depois dessa, ninguém mais acreditou que eles realmente queriam encontrar os destroços nas três fases anteriores de buscas", diz Maarten Van Sluys, diretor-executivo da associação brasileira de familiares.

Na semana passada, as três associações - somadas à pequena entidade italiana, que representa nove vítimas - enviaram uma carta conjunta ao primeiro-ministro francês, François Fillon. No texto, reclamaram do vazamento à imprensa de informações sigilosas e controversas sobre a leitura das caixas-pretas do avião. Fillon, que respondeu na quinta-feira também por carta, sublinha que compreende a preocupação das famílias e diz que está atento às investigações e "cabe à Justiça, e somente à Justiça" determinar as responsabilidades do acidente.

Martine Del Bono, chefe de Comunicação do BEA, confirma que os contatos "mais incisivos" com o órgão vêm da parte dos brasileiros. A assessora destaca que, mesmo que cada nacionalidade tenha formas diferentes de encarar o período das investigações, todos têm um ponto em comum: exigem mais do que explicações do acidente e querem que o BEA aponte culpados pela tragédia, responsabilidade que não cabe ao órgão.

Mas, além das distâncias culturais, ela tenta explicar o comportamento "exigente" dos latino-americanos por dois fatores práticos: a diferença de cinco horas a mais no fuso horário entre a França e o Brasil, e a fraca compreensão do inglês por parte dos brasileiros envolvidos no caso. "Nós demoramos a entender que, por causa do fuso-horário, os brasileiros ficavam sabendo das novidades através da imprensa, afinal, muitas vezes ainda era madrugada no Brasil quando nós anunciávamos alguma coisa pela manhã, na França", relata Del Bono. "Além disso, só depois percebemos que eles não compreendiam totalmente o que diziam os nossos textos. A partir de quando começamos a traduzir os principais anúncios em português, a comunicação melhorou bastante.





Fonte: Terra

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