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Opinião
Domingo - 10 de Maio de 2020 às 05:30
Por: Gonçalo Antunes de Barros Neto

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‘Não nascemos apenas para nós mesmos’ (Cícero).

Essa frase de Cícero embute o predicado da alteridade, do outro, do ser que se reconhece na essência, no seu habitat, na dialética, no coletivo, e, em especial, na natureza.

Antes do citado pensador, jurista e orador romano, se reconhecia a dignidade não de todos, mas das posições políticas e intelectuais das pessoas perante outras pessoas ou mesmo à proeminência de determinadas instituições.

O primeiro registro que se tem notícia do uso da expressão ‘dignidade do homem’ é atribuída a Cícero (De Officis – Sobre os deveres), em 44 a.C. Neste tratado, numa passagem em que distingue a natureza dos homens da dos animais, há citação expressa.


Até o final do século XVIII a dignidade ainda não estava relacionada com os direitos humanos

Até o final do século XVIII a dignidade ainda não estava relacionada com os direitos humanos (Barroso). Só para exemplificar, na Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, foi acolhida no sentido da posição e circunstâncias pessoais do cidadão. Artigo 6: ‘...todos os cidadãos são iguais aos olhos da lei e igualmente admissíveis a todas as dignidades, lugares e empregos públicos, segundo a sua capacidade e sem outra distinção que não seja a das suas virtudes e dos seus talentos’.

Essa herança vem do pensamento hierárquico dominado pela igreja na Idade Média, que passou a ser colocado em cheque a partir dos estudos de Francis Bacon (nascido em 1.561) ao estabelecer uma distinção sólida entre o conhecimento inspirado pela revelação divina e o conhecimento que provinha dos sentidos, sendo este o único verdadeiramente capaz de melhorar as condições do mundo. Também vem de René Descartes e seu ceticismo absoluto, tomando a si a tarefa de criar a certeza intelectual a partir das verdades fundamentais da razão humana.

Cícero teve o mérito de dar um sentido moral à dignidade, como quando exalta – ‘Entendo que os chefes devem conduzir tudo a este princípio: aqueles que eles governam, devem ser tão felizes quanto possível’ (Sarlet). Seria, aqui, um ensaio, uma iniciativa na construção da solidariedade e do respeito ao próximo. Se felicidade se transmudou em princípio, ei-lo aqui em estado embrionário.

Em Gênesis 1:26, o Homem é concebido à semelhança e imagem de Deus para governar sobre os demais seres vivos e sobre a terra. Nota-se que nos primórdios da civilização já era realidade a noção do Homem como centro irradiador de ‘dignidade’, o que, para o Papa São Leão Magno da primeira fase do cristianismo, somente por esse fato o homem e a mulher possuem dignidade.

Qualquer conceito, na lição de Bernard Edelman, possui uma história, sendo necessária sua reconstrução para rastrear a evolução da simples palavra para o conceito, num processo de apreensão de seu sentido. Assim, do nascimento até sua conformação atual, a dignidade humana, como princípio maior e irradiador de outros, passou por vários processos, sendo a evolução e ampliação sua característica legitimadora.

Ainda que citada largamente e sem que se estabeleça seu conteúdo e alcance (dignidade como dimensão ontológica, autonomia - livre arbítrio - e valor comunitário), o crescer de sua apreensão racional é o que sobra, num constitucionalismo cada vez mais vigilante.

É por aí...

Gonçalo Antunes de Barros Neto é graduado em Filosofia e Direito pela UFMT.



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