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Comportamento
Sábado - 22 de Maio de 2010 às 13:31
Por: Maurício Tagliari

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Descansar o paladar aguça a sensibilidadeMaurício Tagliari
Descansar o paladar aguça a sensibilidadeMaurício Tagliari

Tive a oportunidade de me encontrar em duas ocasiões, a trabalho, com o atleta do século XX. Sim, falo de Pelé. Muita gente reprova atitudes o homem Edson, mas só os realmente hipócritas, os desinformados ou os tremendamente invejosos, não reconhecem sua inconteste superioridade dentro de campo.

Exceção feita a nossos hermanos argentinos, sempre presentes nesta coluna, por sua brilhante produção vinícola. Mas, para estes, principalmente os adoradores de Maradona, Pelé tem várias respostas. Uma das mais divertidas é um conselho. Os argentinos deveriam decidir primeiro quem é o melhor jogador argentino: Di Stéfano, Maradona ou Messi? Só depois compará-lo com Pelé.

Mas Pelé é citado aqui por outro motivo. Em uma daquelas ocasiões, demonstrando grande bom humor, paciência, vitalidade e saúde, o Rei comentou sobre sua dieta. Não, ó apreciadores de bebidas alcoólicas. Ele não me passou nenhuma dica de coquetel miraculoso ou poção mágica secreta. Apenas comentou uma sui generis dieta criada por ele meio intuitivamente. Quando comia, por exemplo, peixe numa semana, ficava longe de carne vermelha. Ao contrário, quando era uma semana de bifes, evitava qualquer outro tipo de proteína. E assim por diante.

O caro leitor deve estar se perguntando se esta coluna mudou de tema. Teria um colunista metido a crítico de bebidas se iniciado num curso de nutrição ou algo assim? A resposta é não. Na verdade, não tenho a mínima ideia se alguma teoria dá sentido à prática do grande atleta. Apenas esta dieta de privação me lembrou um hábito que tenho com a plebeia Coca-Cola.

Nunca bebo refrigerantes. A exceção é uma Coca por ano. E, amigos, devo confessar que a abstinência dos outros 364 dias vale cada segundo. É uma sensação indescritivelmente prazerosa. O problema é que no segundo copo não tenho mais a mesma opinião. O gás carbônico já não parece tão refrescante. O xarope é doce demais. E tenho de esperar mais um ano para me deliciar novamente.

Baseado nesta experiência, decidi testar o método com a minha cotidiana cerveja. Decidi ficar duas semanas sem louras geladas, ruivas perfumadas ou morenas cheia de segredos. Ó, vida cruel!

Confesso que a frente fria das últimas semanas facilitou o desafio. Foi um período ótimo para os vinhos tintos, afinal. O objetivo não era abstinência pura e simples, mas a ressensibilização do paladar para o universo da cervejas. Teria funcionado? Teria valido a pena? E, chegado o momento do retorno aos copos, que cerveja escolher? Uma lager boa e simples ou algo mais complexo?

Minha escolha foi uma Murphy Irish Red Ale. Nem tanto por uma seleção criteriosa, apenas por estar à mão. Um golpe de sorte, pode-se dizer. Pela bagatela de R$ 6, é uma cerveja deliciosa, com mais de 150 anos de tradição.

Diz a lenda que seu fundador, James J. Murphy, teria sido financiado pela tia, uma ninfeta-modelo-cortesã que havia posado aos quinze anos, nua, para um quadro de François Boucher, L"Odalisque Brune, em meados do século XVIII. Sua beleza atraiu a atenção do rei Luís XV, que a tomou como uma de suas amantes. Logo tornou-se a favorita e deu à luz uma filha ilegítima do rei sol. Daí sua fortuna. Roman Polanski deve ter motivos para se revoltar com a época em que nasceu, não?

Verdade ou não, a cervejaria de Cork, Irlanda, fundada só no século XIX, faz parte hoje, mais prosaicamente, do portifólio da Heineken. Sua aletem graduação alcoólica de 5%, cor marrom-cobre, espuma bege, aroma levemente tostado e um agradável amargor. Realmente, o lúpulo é bem presente. A carbonatação, boa para média. Não é muito encorpada, até muito fácil de beber. Tem final seco e não muito persistente. Não é nada enjoativa.

Minha memória me dizia ser esta uma cerveja bem menos complexa do que avaliei desta vez. O que me leva a crer que a experiência da privação, de algum modo, aguçou a sensibilidade. Pode ser psicológico. Mas papilas cansadas ou um cérebro acostumado demais com determinados estímulos talvez ganhem realmente com um descanso. O resultado foi mais atividade sensorial e, em resumo, mais prazer. Não acredito que isso sirva para outras áreas, como sexo, por exemplo. Mas pretendo estender o "método Pelé" para as bebidas por um tempo.






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