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Nacional
Segunda - 22 de Março de 2010 às 08:03

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Habituamos-nos a associar ao sistema público de saúde a necessidade de insistir e aguardar muito tempo para realizar uma consulta médica, esperar por uma vaga para internação ou ainda buscá-la em hospitais distantes do local de residência.

Por isso, os inúmeros relatos sobre as dificuldades para obter cuidados médicos em ambientes frequentados por pessoas cobertas por planos e seguros privados de saúde soam confusos.

O que está acontecendo? A identificação de um vilão, as empresas de planos e seguros de saúde, e de sua vítima, os médicos, por elas mal remunerados, fornece pistas para encontrar a origem dos problemas. Mas não é tudo. Nem seria possível ignorar as tentativas de desempenhar o papel de mocinho, alardeado por organizações nucleares para a privatização da assistência à saúde, nem é plausível atribuir a responsabilidade pela execução das triagens que privilegiam os maiores valores pagos pelas consultas às atendentes dos consultórios.

Ao seguir outras pegadas, deparamo-nos com um quadro mais realista. O plano de tal ou qual empresa possui um qualificativo: letra, cor, pedra preciosa ou número. Dependendo do plano, mais e melhores portas se abrirão. Já se sabe também que os médicos e os hospitais de maior prestígio da rede privada são aqueles que conseguem se manter mais afastados das empresas de planos de saúde. E que não por acaso esses profissionais e estabelecimentos frequentemente integram os quadros das universidades públicas e são filantrópicos.

No entanto, esse conhecimento foi deixado de lado na hora de estabelecer as ações para regular o mercado. A política governamental para o setor tem sido orientada à direita e à esquerda pela mistura de dois ingredientes: o temor ao sistema público e a negação da dependência do setor assistencial privado do Estado. Tanto o difuso medo de que as empresas irão à bancarrota deixando milhões de brasileiros na rua da amargura do SUS quanto a inversão da mesma tese, retirar os ricos do sistema público é melhor para os pobres, legitimam os cuidados para não ferir aventadas suscetibilidades do mercado.

Com base nessa acepção, a interpretação da legislação aprovada em 1998 e em 2001 resultou num emaranhado de normas que pouco avançam na garantia dos direitos à saúde. Por outro lado, a moderação das exigências assistenciais estimulou a ampliação do número de clientes de planos de saúde.

Passados dez anos da criação da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar), os mínimos requerimentos para exigir o cumprimento da lei 9.656/98, tais como comprovação de rede credenciada suficiente e de qualidade, estabelecimento de prazos mínimos para atendimentos eletivos e cobrança de multas por negação de coberturas, não adquiriram expressão concreta ou mesmo formal. Nem sequer os contratos dos planos individuais os explicitam. Em compensação, os planos "falsos coletivos", que embutem coberturas pouco abrangentes e permitem aumentos arbitrários das mensalidades, proliferaram.

Os resultados da opção pela ênfase na expansão do mercado são categóricos: o lucro das empresas aumentou e a sinistralidade diminuiu. Ou seja, ganhou-se mais atendendo menos e, é claro, não ressarcindo o SUS. Diga-se de passagem, para prevenir falácias sobre as benesses à saúde trazidas pela redução da utilização de serviços, que o consumo nacional de consultas, exames e internações, inclusive no subsistema privado, fica aquém do observado em vários países desenvolvidos. Tampouco convence apelar ao conformismo. A crença na imunidade do selvagerismo empresarial perdeu validade diante das mudanças conduzidas pelo Departamento de Defesa do Consumidor, do Ministério da Justiça.

Em nome da fragilidade do mercado, erigiu-se uma regulação de baixa intensidade. Paradoxalmente, a divulgação de casos de omissão de assistência e os processos judiciais afetam a confiabilidade do setor. Agora, às falhas de mercado se somam as falhas da própria regulação.

LIGIA BAHIA é professora e coordenadora do Laboratório de Economia Política da Saúde da UFRJ.






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