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Quinta - 10 de Maio de 2007 às 20:04

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SÃO PAULO - Sílvio Da-Rin tinha 19 anos quando o embaixador americano Charles Elbrick foi seqüestrado, em 1969. O País vivia a negra noite da ditadura e muitos jovens, autointulando-se vanguarda revolucionária, partiram para a luta armada. O governo militar cedeu à guerrilha. Prisioneiros foram libertados, trocados pelo embaixador dos EUA, e um manifesto teve de ser divulgado à nação. Foi uma vitória - de Pirro, porque a ditadura se fez ainda mais violenta e, no ano seguinte, no clima da vitória da seleção no México, criou o slogan "Brasil ame-o ou deixe-o". O jovem Da-Rin militava numa organização clandestina, embora não tenha tido nada a ver com o seqüestro. Acompanhou-o com apaixonado interesse. Fez dele o tema do documentário que estréia nesta sexta-feira, 11.

Hércules 56 conta justamente a história dos 15 integrantes da luta armada que partiram no primeiro avião libertados em troca do embaixador. Rumaram para o México. Por que contar essa história? "Porque ela é necessária", resume o diretor. Poucos, daqueles 15, restaram. Cinco dos seqüestradores foram reunidos pelo diretor numa discussão em torno de uma mesa. A idéia era justamente essa - juntar farto material iconográfico da época. De posse das informações, Da-Rin entrevistou os personagens do drama. Foram dez dias de filmagem. Por casualidade, o último dia caiu justamente em 8 de outubro de 2005. A data não foi escolhida pelo diretor. "Surgiu como uma possibilidade devido à agenda dos participantes." Mas foi justamente o MR-8 (Movimento Revolucionário 8 de outubro), surgido da direção da Dissidência Guanabara, o grupo que se associou à Ação Revolucionária Nacional (ALN) para realizar o seqüestro - tendo o seu manifesto divulgado, numa época em que a ditadura controlava a informação e exercia a censura dentro das redações para impedir que o que realmente ocorria no País viesse a público.

Na segunda à noite, numa breve apresentação antes da exibição de seu documentário para convidados, no Unibanco Arteplex, o diretor disse que era importante resgatar essa história, até porque vivemos em tempos antiutópicos e é sempre bom recolocar em discussão a utopia de um outro mundo possível. "Éramos todos jovens; queríamos mudar o mundo." Mas Da-Rin não queria heroicizar seus guerrilheiros. A luta armada foi uma opção de todos, mas o seu recorte valoriza os que fazem a revisão do período, mesmo sem negá-lo. É o que dá a tônica do seu documentário.

A abordagem dos anos de chumbo não é recente no cinema brasileiro. Há 25 anos, Roberto Farias fez Pra Frente, Brasil e na seqüência foram surgindo muitos filmes, documentários e ficções, abordando a luta armada e a sangrenta repressão do regime militar. Muitos desses filmes padecem de erros de direção e roteiro, mas Da-Rin prefere elogiar a criticar. Gosta do tratamento que Lúcia Murat deu a Quase Dois Irmãos, concentrando-se no ambiente da prisão. Considera Caparaó, de Flávio Frederico, o mais logrado dessa série recente de documentários sobre a luta armada - tanto do ponto de vista da revisão histórica quanto cinematográfico.

Há algo comum nas abordagens de Da-Rin e Flávio Frederico. Em ambos, os personagens não renegam o passado e o olho ainda brilha de entusiasmo juvenil quando essas pessoas maduras, revisando suas vidas, não se arrependem de ter ‘ousado’. O que os militantes de Hércules 56 avaliam não é só o planejamento do seqüestro nem a sua realização, ou mesmo os percalços que suas vidas sofreram no exílio. Tudo isso está lá, mas a verdadeira discussão é outra. O diretor quis intervir o mínimo possível, mas é preciso falar da escolha do formato documentário para contar essa história.

A ficção, diz Da-Rin, faz História, os filmes "perenizam nossas representações". E o que ele sente é que a maioria das ficções que aborda o período termina por criar um déficit de verossimilhança que afeta os códigos do realismo com os quais os diretores jogam. Sua dissertação de mestrado, transformada em livro - Espelho Partido -, procura no documentário justamente conceitos de verossimilhança e fidedignidade que o espectador encontra nos depoimentos e no tratamento conferido à imagem em Hércules 56.

O filme começou a surgir em 2005. Incluiu pesquisas no exterior - França, México e Cuba - e todo um trabalho de persuasão dos envolvidos. A gravação da conversa foi a etapa mais importante. Foram quatro horas e meia de encontro, num restaurante do Rio cujos donos, Da-Rin só soube depois, eram filhos de um antigo militante. A primeira hora foi consumida no processo de aproximação. A última foi reiterativa. "Tudo o que está na tela é basicamente resultado do miolo dessa conversa, que foi muito interessante." O espectador interessado em entender o País em que vive, só pode agradecer.




Fonte: Estadão

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