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Educação/Vestibular
Segunda - 30 de Outubro de 2006 às 00:44
Por: Luiz Fernando Vieira

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Nos dias atuais, em que os afazeres das vidas pessoal e profissional são cada vez mais numerosos e absorvedores, torna-se difícil que os acontecimentos de uma não interfiram na outra. Existe inclusive uma teoria que trata do assunto, chamada "Spillover" (transbordamento) - descrita em 1989 pelos pesquisadores Tait, Padgett, & Baldwin -, e que, por conta das mudanças sociais verificadas nos últimos anos, vem ganhando espaço entre os especialistas. Em linhas gerais, essa teoria basicamente relaciona o stress experimentado no trabalho e sua influência nas relações familiares e vice-versa.

Tanto um caso como o outro, claro, são ruins e pesquisas vêm sendo realizadas há algumas décadas para analisar o nível de interferência que os acontecimentos nesses palcos podem promover entre eles e assim tentar minimizar os efeitos. Efeitos que podem ser contagiosos inclusive. Especialistas identificaram que os cônjuges podiam manifestar as mesmas tensões vividas pelo companheiro. "Falamos aqui de sintomas da Síndrome de Burnout, como distúrbios do sono, dificuldade de concentração, ansiedade freqüente, entre outros", exemplifica Natália Portella, da Hollos Saúde Integral, que conduz projetos de promoção de saúde em empresas.

Muitas vezes as exigências das organizações e o universo tecnológico à disposição das pessoas acabam colaborando para que o problema se agrave. Os funcionários são cada vez mais cobrados, seja em relação à produção ou o envolvimento em processos internos das empresas. E praticamente não conseguem se desligar delas, graças a "maravilhas" tecnológicas como celulares e internet.

Para o médico e pesquisador Cláudio Portella, os programas de qualidade de vida desenvolvidos nas organizações brasileiras avançaram bastante, mas são raros aqueles que lançam uma visão sistêmica sobre o trabalhador. "Mensurar a qualidade de vida no trabalho é enxergar apenas parte do indivíduo. É preciso ampliar essa visão, avaliando também os fatores estressores na vida pessoal, como dívidas, conflitos familiares crônicos e doenças em entes queridos", exemplifica.

Com 15 anos de experiência nas áreas de gestão e desenvolvimento humano, a psicóloga e consultora Márcia Venturini, da MV Consultoria, lembra que não há como separar totalmente as coisas. "A pessoa é una. Por mais diferentes que sejam os papéis nos dois universos, familiar e laboral, eles estão contidos numa pessoa só", ressalta. Para ela, essas interferências têm muito a ver com aspectos como ansiedade excessiva. "O ansioso crônico não consegue viver o aqui e o agora. Está fisicamente, mas não mentalmente presente", explica. Assim como o indivíduo que leva os problemas do trabalho para casa. Seu corpo está lá, mas a cabeça não.

Chamando a atenção para a afirmação anterior de que não dá para separar tudo, Márcia ressalta que deve-se atentar para o fato de que vai depender muito também da intensidade e do grau do problema enfrentado. Por exemplo, se há um caso de doença grave na família, é inevitável que isso afete o lado profissional. "As pessoas vão sentir que a minha produtividade baixou, porque aquilo é um peso grande. E se eu estou correndo o risco de uma demissão, também levo isso para casa". A questão, reitera, é a cronicidade, aquela pessoa que mistura as coisas o tempo inteiro.

Mente sã, corpo são - De acordo com a consultora, quem quer ter saúde do ponto de vista emocional, precisa entender que o importante é estar presente mental e fisicamente em tudo o que faz, vivenciando, não importando se é uma angústia ou uma alegria. Para ela, é mais saudável que a pessoa lide com os problemas no casamento em casa e os do trabalho na empresa. Será benéfico para ambos os ambientes, garante. Além do que, acrescenta, é um desgaste muito grande quando se tem que desenvolver uma atividade com a cabeça em outra coisa. "Você percebe que ele gasta duas vezes mais energia", diz.

"Isso pode criar um terceiro problema, que é não ter um trabalho daqui a pouco. Ele desvia a atenção, perde a concentração, e começa a cometer um número maior de erros e isso impacta no trabalho", analisa Márcia. Os "efeitos colaterais" também afetam a família desse ansioso crônico. Um deles pode ser o isolamento. As pessoas nessa situação vão se fechando e acabam afastando companheiros e familiares, dando margem à criação de fantasias. E elas vão longe. Quem está de fora, não sabe o que está acontecendo, pode pensar que há outro relacionamento na história, que não há mais amor, que não há prazer em estar ali, que não se importa com a família. "Isso tudo realmente passa pela cabeça dos companheiros e dos filhos", frisa.

Sem contar ainda com os problemas físicos que virão, inevitavelmente. A pessoa nem precisa comer ou dormir mal, só o fato de estar sentindo raiva, angústia, tensão já pode acarretar enfermidades, como por exemplo as do sistema digestivo.

A dica de Márcia, então, é procurar descansar a cabeça. Não se trata de ficar sem fazer nada, avisa, e sim algo que lhe dê prazer, que desvie o pensamento dos fatores estressores. "Os hobbies são fundamentais", sugere a psicóloga. Mas se isso não resolver, a pessoa continuar com os mesmos sintomas, o melhor mesmo é melhor procurar uma ajuda profissional.

Cláudio Portella defende que atividades de prevenção e de intervenção sejam dirigidas aos dois âmbitos - pessoal e profissional. "Com isso, a aumento de produtividade almejado pelas empresas será certamente maior", complementa. Para Natália, "com toda a estrutura que uma organização possui - com equipes multidisciplinares, acesso à informação e recursos -, ela pode e deve brecar o Spillover negativo, resguardando seu principal ativo, o talento humano".

Encerrando, a especialista salienta que nem tudo é negativo quando assunto é Spillover, porque o contágio pode funcionar também de maneira positiva. "Indivíduos que aprendem a gerenciar o estresse ou conduzir conflitos no trabalho podem estender tais habilidades às questões domésticas. Trata-se de uma via de mão dupla".




Fonte: A Gazeta

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