MP quer derrubar lei que impede atleta trans de competir na cidade Procurador aponta incompetência da Prefeitura de legislar sobre desporto, além de norma que viola direitos
O procurador José Antônio Borges Pereira, do Núcleo da Defesa da Cidadania, pediu ao chefe do Ministério Público Estadual (MPE), Rodrigo Fonseca Costa, que acione a Justiça contra a lei que restringe a participação de atletas trans em competições na capital mato-grossense.
De autoria do vereador bolsonarista Rafael Ranalli (PL), a norma foi aprovada pela Câmara Municipal e sancionada pelo prefeito Abílio Brunini (PL), seu correligionário, no dia 15 deste mês..
O texto estabelece que o sexo biológico seja o único critério para definição de gênero, em competições esportivas oficiais em Cuiabá.
Na prática, a medida exclui pessoas trans de participarem em equipes que correspondam à sua identidade de gênero.
Citando quatro argumentos de inconstitucionalidade, o procurador Borges Pereira requisitou ao procurador-geral que ingresse com uma ação que suspenda liminarmente e, depois, derrube a lei.
As razões são:
- legislar sobre algo que compete às esferas federal e estadual, que é o desporto;
- afrontar a dignidade e o princípio da igualdade;
- violar o direito fundamental ao desporto;
- aplicar sanções desproporcionais e ilegais.
A medida foi alvo de manifestações, inclusive, da Defensoria Pública de Mato Grosso, que, em conjunto com a Associação da Parada do Orgulho LGBTQIA+ de Mato Grosso, também move uma ação judicial para derrubá-la.
“Diante do exposto, e considerando a flagrante incompatibilidade da Lei Municipal nº 7.344/2025 com a ordem constitucional estadual, bem como o perigo iminente de dano irreparável à dignidade e aos direitos de atletas transgêneros, represento a Vossa Excelência para que analise a possibilidade de ajuizamento de Ação Direta de Inconstitucionalidade perante o Egrégio Tribunal de Justiça de Mato Grosso, requerendo, inclusive em sede cautelar, a suspensão imediata da eficácia da referida norma”, escreveu José Antonio Borges Pereira.
“Ao instituir uma regra geral de elegibilidade de atletas, a Lei Municipal nº 7.344/2025 extrapola manifestamente a noção de interesse local. A organização do desporto transcende as fronteiras municipais, sendo matéria de caráter geral, cuja normatização cabe à União e, de forma suplementar, aos Estados. A norma cuiabana, portanto, invade competência legislativa que não lhe foi outorgada, configurando vício formal insanável”, acrescentou o procurador..
Além da questão de competência, Borges Pereira afirmou que a norma viola princípios constitucionais como a Dignidade da Pessoa Humana e a Igualdade, além de restringir o direito fundamental ao desporto e interferir na autonomia das entidades esportivas.
“A lei impõe uma discriminação odiosa baseada na identidade de gênero, negando a própria existência de pessoas trans e submetendo-as à exclusão. Tal tratamento atenta contra a dignidade da pessoa humana e contraria o objetivo prioritário de combate a todas as formas de discriminação, expressamente vedada em razão de sexo, orientação sexual (...) e qualquer particularidade ou condição”, afirmou.
O procurador também apontou que a Constituição Estadual garante o direito universal ao desporto e obriga o Estado a fomentá-lo. Nesse sentido, a lei municipal teria efeito inverso, ao transformar um direito universal em privilégio.
"Diante do exposto, e considerando a flagrante incompatibilidade da Lei Municipal nº 7.344/2025 com a ordem constitucional estadual, bem como o perigo iminente de dano irreparável à dignidade e aos direitos de atletas transgêneros, represento a Vossa Excelência para que analise a possibilidade de ajuizamento de Ação Direta de Inconstitucionalidade perante o Egrégio Tribunal de Justiça de Mato Grosso, requerendo, inclusive em sede cautelar, a suspensão imediata da eficácia da referida norma", pediu.
O PROJETO - O texto do projeto do vereador Ranalli prevê que o sexo biológico seja o único critério para a formação de equipes quanto ao gênero dos competidores, vedando a participação de atletas transgênero em equipes do sexo oposto.
Segundo ele, a medida busca garantir "equilíbrio e isonomia nas disputas esportivas".
"O objetivo é assegurar que as competições sejam justas, respeitando as diferenças fisiológicas entre homens e mulheres”, disse elei.
A presidente da Câmara, vereadora Paula Calil (PL), afirmou, durante votação do projeto, que a proposta do colega se baseia em critérios técnicos e fisiológicos.
“Esta não é uma pauta ideológica, mas sim fisiológica. Estudos apontam que, em média, as mulheres têm 65% da força dos homens. Queremos garantir igualdade nas competições e justiça esportiva, reconhecendo as diferenças físicas”, disse.
A vereadora Michelly Alencar (União Brasil) complementou que a proposta busca estabelecer regras que preservem o equilíbrio das disputas.
“Não se trata de exclusão, mas de justiça esportiva. O princípio é manter masculino com masculino e feminino com feminino, permitindo que atletas trans também tenham espaço de competição adequado”, explicou.
O vereador Wilson Kero Kero (PMB) destacou que a iniciativa coloca Cuiabá "em posição de destaque nacional na regulamentação do tema".
“Estamos adotando medidas para proteger e valorizar o esporte local, reconhecendo as diferenças que impactam diretamente no desempenho competitivo”, afirmou.
De acordo com o texto, entidades, federações ou clubes que descumprirem a norma estarão sujeitos a multa de R$ 5 mil.
O atleta transgênero que omitir sua condição à respectiva entidade poderá ser enquadrado como caso de doping, sujeito a sanções previstas na legislação desportiva.

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