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Saúde
Terça - 22 de Março de 2011 às 15:36
Por: Alline Marques

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O promotor de Justiça Marcos Machado e o advogado José Patrocínio Brito Júnior, em nome do Departamento de Direito Público da Faculdade de Direito da Universidade de Cuiabá, escreveram artigo em análise ao novo modelo de gestão proposto pelo secretário de Estado de Saúde, Pedro Henry (PP), que pretende contratar Organização Social (OS) para administrar os hospitais regionais.

Parceria não é terceirização

O novo modelo de gestão da saúde, em Mato Grosso, anunciado pelo atual secretário de Estado, Pedro Henry, vem sendo criticado por dirigentes sindicais, servidores, e militantes de ONG em defesa da saúde pública.

A intenção do gestor, segundo matérias jornalísticas publicadas pela imprensa local, é gerir a rede hospitalar estadual através de contratos de gestão celebrados com organizações sociais.

Todos fazem coro pela transparência e pelo controle do gasto público. O eco chegou ao senado federal e à assembléia legislativa, a ponto de parlamentares se manifestarem de forma contundente. O deputado estadual José Riva verbalizou se tratar de “incompetência do Estado” e da “falência do sistema estadual de saúde”; o senador Pedro Taques sustentou que há afronta a duas leis federais e “indício de picaretagem” (fontes: www.midianews.com.br e www.olhardireto.com.br).

Invariavelmente, o modelo proposto está sendo considerado um ato de terceirização da saúde pública. Alguns vão além: acreditam que “trata-se de uma privatização”!

A reação popular foi tão expressiva que levou a Promotoria de Justiça da Cidadania de Cuiabá, com respaldo do Juízo de Direito da Vara de Ação Civil Pública, a postular a suspensão de edital de seleção, sob o argumento principal de necessária submissão ao controle social, leia-se: Conselho Estadual de Saúde (Lei nº 8.142/90). Se essa premissa for verdadeira, a pretensão se afigura absolutamente justificável, a nosso ver, considerando-se a missão veladora e fiscalizadora desse colegiado composto por vários segmentos representativos e qualitativos da sociedade civil organizada, em que pese a possibilidade de ajustamento de conduta do gestor à regra de condução, por iniciativa própria ou recomendação ministerial.

Diante de uma mudança ou alteração da matriz gerencial de um sistema público, quanto mais de um direito social elementar, como a saúde, a dialética é sempre salutar, pois aperfeiçoa a proposta, qualifica seu conteúdo e oportuniza a reavaliação de sua conveniência ou não.

Ocorre que, a despeito de lúcidas e respeitáveis manifestações nesse contexto de oposição, o Departamento de Direito Público da Faculdade de Direito da Universidade de Cuiabá, em contribuição ao debate, busca, neste artigo, dirimir a aparente confusão, fixada no imaginário popular, entre a contratação de organizações sociais de saúde e “terceirização da saúde pública”.

Vejamos.

O serviço de saúde, quando prestado pelo Poder Público, integra “uma rede regionalizada e hierarquizada” e constitui “um sistema único” (SUS), nos termos do art.198 da Constituição Federal.

Para cumprir sua função constitucional, o SUS pode contratar, como qualquer outro órgão da Administração Pública, serviços de terceiros (CF, art.37, XXI). Esses contratos de serviços são regulamentados pela Lei nº 8.666, de 21.6.93, que considera, no art. 6º, inciso II, serviço como sendo “toda atividade destinada a obter determinada utilidade de interesse para a Administração, tais como: demolição, conserto, instalação, montagem, operação, conservação, reparação, adaptação, manutenção, transporte, locação de bens, publicidade, seguro ou trabalhos técnico-profissionais”.

Portanto, o SUS pode contratar entidades privadas para prestar atividade-meio, como limpeza, vigilância, contabilidade, ou mesmo determinados serviços técnico-especializados, como os inerentes aos hemocentros, realização de exames médicos, consultas etc.; nesses casos, estará transferindo apenas a execução material de determinadas atividades ligadas ao serviço de saúde, mas não sua gestão operacional.

Isso é terceirização de serviços prestados à saúde pública.

Por outro lado, a própria Constituição Federal (Título VIII, Capítulo II, Seção II), permite que instituições privadas prestem serviços públicos através de convênios ou contratos que tenham por objeto a execução de determinadas atividades complementares aos serviços de saúde, mediante remuneração advinda do SUS (art.199, § 1º), tendo preferência as entidades filantrópicas e sem fins lucrativos. Essa previsão constitucional está regulamentada pela Lei nº 8.080/90, que disciplina o sistema único de saúde (art. 24 a 26).

Como ensina a Profª Maria Silvia Zanella (Atlas, 2009), isso “não significa que o Poder Público vai abrir mão da prestação do serviço que lhe incumbe para transferi-la a terceiros; ou que estes venham a administrar uma entidade pública prestadora do serviço de saúde; significa que a instituição privada, em suas próprias instalações e com seus próprios recursos humanos e materiais, vai complementar as ações e serviços de saúde, mediante contrato ou convênio.”

Isso é gestão compartilhada da saúde pública.

Ocorre que, além de contratos e convênios, o SUS pode também, para assegurar atendimento integral, igualitário e universal das ações de saúde, celebrar parceria, também com a natureza complementar.

O vocábulo parceria é utilizado para designar todas as formas de sociedade que, sem formar uma nova pessoa jurídica, são organizadas entre o setor público e o privado, para a consecução de fins de interesse público. Nela existe a colaboração entre o Poder Público e a iniciativa privada nos âmbitos social e econômico, para satisfação de interesses públicos, ainda que, do lado do particular, se objetive o lucro. Todavia, a natureza econômica da atividade não é essencial para caracterizar a parceria, como também não o é a idéia de lucro, já que a parceria pode dar-se com entidades privadas sem fins lucrativos que atuam essencialmente na área social e não econômica.

A parceria pode servir a variados objetivos e formalizar-se por diferentes instrumentos jurídicos. Pode ser utilizada como: a) forma de delegação da execução de serviços públicos a particulares, pelos instrumentos da concessão e permissão de serviço público; b) meio de fomento à iniciativa privada em áreas de interesse público, efetivando-se por meio de termo de parceria ou contrato de gestão; c) forma de cooperação do particular na execução de atividades pró¬prias da Administração Pública, pelo instrumento da terceirização (con¬tratos de obras e serviços, por meio de empreitada); d) instrumento de desburocratização e de instauração da chamada Administração Pública gerencial, por meio dos contratos de gestão.

Para o SUS, a pareceria se presta para como alternativa ao desempenho de atividades de interesse público, porque intro¬duz, ao lado da forma tradicional de atuação da Administração Pública burocráti¬ca, procedimentos que, pelo menos teoricamente, seriam mais adequados para se obter eficiência, eficácia e efetividade na prestação dos serviços de saúde.

A Lei nº 9.637, de 15 de maio de 1998, que dispõe sobre a qualificação de entidades privadas (fundações e associações civis) como organizações sociais, disciplina a possibilidade de gerenciamento de serviços de saúde através de parceria e regula direitos e obrigações advindos da contratação, na forma prevista pelo art.24, XXIV da Lei n. 8.666/93.

Isso é parceria na saúde pública.

A correta análise de conveniência ou admissibilidade da parceria entre o SUS e organizações sociais de saúde deve se assentar na natureza jurídica e nos efeitos legais da contratação. Somente as cláusulas contratuais da parceria poderão confirmar vantagens e desvantagens, benefícios ou danos ao interesse público e ao direito social à saúde.

Portanto, a crítica, depreciação, censura ou menoscabo às organizações sociais saúde devem ser fundadas na lei de regência, pois parceria não se confunde com terceirização.

• José Patrocínio Brito Júnior, advogado, e Marcos Henrique Machado, promotor de Justiça, são professores especialistas em Direito Administrativo na Faculdade de Direito da Universidade de Cuiabá.
 






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