População negra tem maior vulnerabilidade a várias doenças em MT Apesar dos avanços, a política de saúde integral ainda não alcançou efetividade, refletindo em desigualdades raciais
Em Mato Grosso, a população negra apresenta maior vulnerabilidade a certas doenças, como anemia falciforme, hanseníase, sífilis, tuberculose e hepatites virais.
Além disso, enfrenta maior risco de mortalidade materno-fetal e por causas externas, como óbitos por violência e acidentes de transporte.
Essa realidade levou a Secretaria de Estado de Saúde a publicar uma nota técnica, por meio da qual recomenda aos gestores e às equipes técnicas dos 142 municípios mato-grossenses a inclusão de ações, metas e indicadores voltados à saúde da população negra e quilombola, nos Planos Municipais de Saúde 2026-2029 e nos Planos Plurianuais (PPAs).
A iniciativa faz parte das ações do Dia Nacional de Mobilização Pró-Saúde da População Negra, celebrado na última segunda-feira (27).
O documento foi elaborado em conjunto com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e a Superintendência Estadual do Ministério da Saúde.
No Estado, conforme a nota, 2,4 milhões pessoas se autodeclaram pretas ou pardas, no Censo 2022.
Esse número corresponde a 65,86% da população estadual, sendo o percentual maior que o índice nacional que foi de 55,51%.
Contudo, apesar dos avanços institucionais, a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra (PNSIPN) ainda não alcançou plena efetividade no território mato-grossense, refletindo em desigualdades raciais que persistem nos índices de saúde.
Um deles refere-se à mortalidade materna e infantil, considerados indicadores fundamentais de desenvolvimento social.
Segundo o monitoramento, entre 2020 e 2024, foram registradas 1.247 mortes infantis em nível estadual.
Do total, 875 ocorreram na faixa etária de 1 a 4 anos, sendo 413 (47,2%) em crianças pretas e pardas.
“A desigualdade se intensifica na faixa etária de 5 a 9 anos, onde das 372 mortes registradas, 222 (59,7%) foram de crianças negras (pretas e pardas)”, diz a nota.
“Esses dados demonstram que as vulnerabilidades enfrentadas por crianças negras persistem e se acentuam ao longo da infância”, acrescenta.
Em relação à mortalidade materna, foram 202 óbitos no período de 2020 a 2023, sendo que a análise por raça/cor evidencia que a população negra foi a mais atingida: somando-se os óbitos de mulheres pretas (20) e pardas (110), chega-se a 130 mortes, o que representa 64,4% do total.
Somente a Baixada Cuiabana registrou 56 óbitos, sendo a maioria em mulheres pardas (32).
Também os dados de óbitos ocasionados por violência por raça/cor mostram que, entre os anos de 2020 e 2024, ocorreram 4.826 mortes, sendo 3.727 (77,22%) envolvendo pessoas pretas e pardas.
No mesmo período, foram registradas 5.825 mortes por acidentes de transporte terrestre. Do total, 3.887 (66,72%) foram com pessoas pretas e pardas.
Esses dados, segundo o documento, demonstram que as disparidades em saúde não são casuais, mas reflexo do racismo estrutural, das desigualdades socioeconômicas e das barreiras no acesso a serviços de saúde.
“As piores condições de moradia, nutrição inadequada, condições sanitárias são fatores que impactam a saúde de forma profunda, aumentando a vulnerabilidade da população negra a complicações e doenças”.
Já em relação às doenças como hanseníase, sífilis, tuberculose e hepatites virais, todas apresentam diagnósticos acima de 65% envolvendo pessoas pretas ou pardas, o evidencia que esse público apresenta maior vulnerabilidade aos agravos, “muitos associados às condições sociais e ao acesso limitado a serviços de saúde”.
Quanto a anemia falciforme, atualmente, aproximadamente 500 pessoas são acompanhadas pelo SUS, em Mato Grosso. Em 2024, foram registrados 16 óbitos (dados parciais).
REDUÇÃO DAS DISPARIDADES – O levantamento revela, que apesar da PNSIPN estar em vigor há mais de 15 anos, a população negra segue vivenciando desfechos de saúde desfavoráveis, desde o menor acesso a consultas, exames e procedimentos quanto a indicadores de morbimortalidade.
E, nos municípios de Mato Grosso, a inserção de ações voltadas à equidade racial nos Planos Municipais de Saúde (PMS) ainda é incipiente.
“A nota técnica visa provocar uma reflexão sobre os indicadores de saúde em Mato Grosso, com um olhar especial no recorte racial, para subsidiar a construção de Planos Municipais de Saúde e Planos Plurianuais que contemplem ações estratégicas para a promoção da saúde da população negra”, afirmou, por meio da assessoria, o secretário-adjunto de Atenção e Vigilância à Saúde da Ses, Juliano Melo.
O órgão estadual recomenda que as prefeituras incorporem indicadores desagregados por raça e cor nos PPAs, metas específicas para redução de disparidades na mortalidade infantil e materna e na incidência de doenças.
“Sugerimos que todos os sistemas municipais incluam o campo raça/cor até o ano de 2027. Para essa ação ser efetiva, também é necessário qualificar as equipes no preenchimento do quesito raça/cor, estimular a autodeclaração quilombola e analisar dados desagregados sobre acesso, internações e óbitos”, disse a coordenadora de Promoção e Humanização da Saúde, Rosiene Pires.
Há ainda metas recomendadas para melhorar o monitoramento da Política Nacional e fortalecer ações de prevenção, diagnóstico e tratamento das doenças que afetam desproporcionalmente a população negra e quilombola.

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